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O Brasil na iminência de eleições presidenciais históricas

Ex-presidente do Brasil Luiz Inácio Lula da Silva e seu principal adversário eleitoral e atual presidente Jair Bolsonaro [ Reprodução Youtube]

Em menos de uma semana, no próximo domingo, 2 de outubro de 2022, o Brasil viverá o primeiro turno das eleições presidenciais mais importantes de sua história. Vários candidatos concorrem ao cargo máximo do país para um mandato de quatro anos, com início em 1º de janeiro de 2023. Porém, a disputa concentra-se entre o atual presidente Jair Messias Bolsonaro – de tendências totalitaristas e neofascistas – e o ex-presidente e histórico líder operário Luiz Inácio Lula da Silva.

O que torna o pleito tão único e decisivo são os episódios que antecederam os últimos quatro anos. A crise atual emana diretamente da prisão ilegal e cassação dos direitos políticos do ex-presidente Lula, que o impediu de disputar o pleito de 2018. Apesar de graves inconsistências e processuais, a Suprema Corte foi conivente, em um primeiro momento, com a condenação de Lula, embora o tenha libertado após mais de um ano. Pouco depois, o Supremo Tribunal Federal anulou todas as decisões do processo que condenou Lula e julgou incompetente a atuação de seu algoz, Sérgio Moro – o ex-juiz e futuro ministro do governo Bolsonaro. Lula recuperou seus direitos políticos e se tornou elegível nas eleições atuais.

Segundo o sociólogo Jessé Souza, o julgamento e a prisão de Lula foram uma punição infligida ao ex-presidente pelas elites socioeconômicas do Brasil. Em suas obras – sobretudo seu livro A Elite do Atraso –, Souza disseca como as elites utilizaram a classe média brasileira como massa de manobra para perpetrar o golpe institucional contra a então presidente e sucessora de Lula, Dilma Rousseff, que culminou em seu impeachment. Em seguida, voltaram-se à condenação de Lula. Conforme sua tese, a grande mídia – sobretudo as maiores emissoras de televisão e jornais impressos – foram o instrumento empregue pelas elites para promover o linchamento moral e a perseguição política de Lula.

Segundo analistas como Jessé Souza, de fato as elites políticas, sociais e financeiras do país – junto delas, uma classe média hipnotizada pela ampla campanha nos meios de comunicação em massa – não perdoaram Lula por ter permitido a ascensão de milhares de brasileiros para além da miséria e ter melhorado as condições de vida dos menos favorecidos. Programas sociais do governo do Partido dos Trabalhadores (PT), aliados a investimentos históricos em educação e saúde, permitiram que levas e levas de estudantes e trabalhadores mais pobres tivessem acesso ao conhecimento e a uma renda mais digna. Com Lula, os pobres finalmente puderam chegar às universidades e desfrutar de bens e serviços antes restritos às classes altas, como automóveis, casa própria e viagens aéreas. Por consequência, as forças da elite foram implacáveis com um dos principais líderes da esquerda democrata no mundo contemporâneo. Agentes do judiciário – a saber, um juiz e um promotor notavelmente hostis ao ex-presidente – foram linha de frente do empreendimento para condenar Lula. A grande mídia e a classe média manipulada por tais esforços deram “legitimidade” à farsa, muito embora o processo tenha se comprovado como perseguição política pérfida e imoral.

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Durante o período em que ficou preso na sede da Polícia Federal em Curitiba, Lula recebeu a solidariedade de líderes e intelectuais do Brasil e do exterior. Figuras de destaque o visitaram na cadeia ou encaminharam cartas ao ex-presidente. Aqueles que protestavam contra o processo passaram a descrevê-lo como prisioneiro político, injustamente detido, sem sequer provas de qualquer delito. Nomes como o Papa Francisco e o intelectual norte-americano Noam Chomsky estão entre as principais figuras que manifestaram solidariedade a Lula e rejeitaram todos os desdobramentos da operação Lava Jato.

Sobre os ombros de Lula recai agora uma responsabilidade e tanto, embora não seja uma missão impossível: derrotar o incumbente nas eleições de domingo. Bolsonaro representa a extrema-direita e adota uma política alinhada com interesses dos grandes capitalistas e latifundiários e contrária às necessidades das camadas oprimidas e marginalizadas. Mesmo a classe média, que foi decisiva na ascensão de Bolsonaro, foi afetada por suas políticas econômicas, que resultaram em recordes de inflação, desemprego e desvalorização da moeda nacional. Em contrapartida, Bolsonaro inflamou cada vez mais sua retórica, ao empregar a “controvérsia” como método, sobretudo por meio de expressões misóginas e racistas, marcadas pelo ódio às minorias e pelo desprezo à ciência e cultura.

O crime máximo do governo Bolsonaro se materializou por sua atuação durante a pandemia de covid-19. Declarações dadas aos quatro ventos pelo presidente recusavam com veemência as recomendações médicas e científicas de isolamento social, uso de máscaras e imunização em massa. Como se não bastasse, seus ministros foram assolados por escândalos de corrupção ao tentar obter propina na compra de vacinas falsas. No entanto, o mais chocante na conduta de Bolsonaro foram as suas infelizes falas zombando das vítimas da pandemia e mostrando indiferença perante a catástrofe sanitária que tomou o país e o mundo. Como reafirmam seus críticos – faltou postura condizente com o cargo; faltou compaixão, solidariedade e misericórdia. Mais de 600 mil pessoas morreram enquanto Bolsonaro negava vacina. Durante a pandemia, a atuação de Bolsonaro foi um vexame, uma infâmia, uma atrocidade.

No quesito meio ambiente, Bolsonaro foi desastroso. Adotou uma política de destruição das matas e de exaustão dos recursos naturais, em favor do agronegócio, do garimpo e da atividade madeireira. Chegou ao absurdo de estimular queimadas e estimular o desmatamento sem nenhum pudor. Promoveu a perseguição dos povos indígenas e teve o início de seu mandato marcado pela tragédia ambiental de Brumadinho, pela qual ninguém foi responsabilizado. As famílias afetadas, com perdas em vidas e posses, ainda não foram indenizadas, quase quatro anos após a tragédia.

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Pesquisas apontam vitória de Lula, com possível liquidação já no primeiro turno. Lula recebeu o apoio massivo de intelectuais e artistas, além de setores e figuras influentes na Igreja Católica, como o presidente da Comissão Nacional dos Bispos do Brasil. Em contrapartida, Bolsonaro se mantém aliado das igrejas neopentecostais, o que faz dele um aliado natural do sionismo e do Estado de Israel. Por essa mesma razão, a bandeira israelense é um elemento frequente nas aglomerações pró-Bolsonaro. Apesar disso, é notável que Bolsonaro obteve mais votos da comunidade libanesa nas eleições passadas, contra Fernando Haddad – de origem libanesa! Trata-se de mais um dos paradoxos do aclamado “mito”, alcunha tão cara para a turba bolsonarista – conhecida, por sua vez, como “gado”.

O grau de polarização torna as eleições em curso históricas e decisivas. Se Lula vencer – sobretudo no primeiro turno –, a ultradireita deixará de ter o protagonismo no Brasil e correrá o risco de perecer talvez mais precocemente do que se poderia imaginar. Caso contrário, será fortalecida e terá menos empecilhos para impor as suas vontades. Cabe a Lula, em caso de vitória, reconciliar o país.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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