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Eleições 2022 e a política externa no programa de Lula

O ex-chanceler brasileiro Celso Amorim, em foto montagem do portal 247 com as fotos menores da chapa presidencial às eleições de 2022, com Lula para presidente e Geraldo Alkmin para vice [ Felipe L. Gonçalves/Brasil247 | ABr | Divulgação]

A frente de partidos que dá sustentação para a chapa Luiz Inácio Lula da Silva (ex-presidente) e Geraldo Alckmin (ex-governador de São Paulo) aponta poucos itens em seu programa de política externa e inserção do Brasil no cenário internacional. A considerar os dois governos de Lula, mesmo com um certo recuo ocorrido nos mandatos de Dilma, ambas administrações são diametralmente opostas no que diz respeito às relações exteriores dos governos seguintes.

A política externa pós-golpe de 2016

O governo de Michel Temer, vindo a tomar posse após um processo ilegal e inconstitucional de impeachment e os anos de mandato com Jair Bolsonaro à frente, apontam uma variação importante. O Brasil ficou mais à mercê do “ocidente” e muito vinculado aos desígnios de Washington e da cruzada “consevradora” comandada pelo sionismo e os gurus da nova direita como Steve Bannon e Robert Mercer.

A versão brasileira dessa sandice ganhou um contorno de política de Estado, em especial no período quando o chanceler foi Ernesto Araújo (à frente do cargo de janeiro de 2019 a março de 2021). Em seu discurso de posse, o diplomata citou o finado Olavo de Carvalho (1947/2022) e parafraseou o fascista italiano Matteo Salvini, ele próprio resgatando trechos de Mussolini.

A mudança do titular do Ministério das Relações Exteriores (MRE), com a posse de Carlos França, atenuou consideravelmente a vocação auto imbuida de Araújo em desejar “ser um pária internaiconal”. Ainda que França tenha tido seus momentos de rídiculo – como o gesto da arminha em Nova York – a mudança do cenário internacional, a derrota do líder político de Bolsonaro – Donald Trump – e a agressividade da administração Joe Biden, reposicionam a imagem externa do governo da extrema direita brasileira.

No que tange à política externa, ao menos em termos de propaganda e marketing da imagem do governante e o alinhamento com sua própria base, Bolsonaro está muito vinculado às mensagens do Assessor Internacional.  Filipe Martins – aquele mesmo que foi acusado de fazer gesto supremacista no Senado – se mantém no cargo desde o início do governo e ajudou a afiançar as alianças internacionais do presidente, sua família e aliados.

Este breve resgate da política externa após o golpe de 2016 nos serve para balizar o pouco que consta no programa da aliança social-democrata de oposição. O programa de Bolsonaro visando a reeleição neste ano veremos em artigo futuro.

Elementos de política externa no programa de Lula e Alckmin 

Seguem abaixo os itens do programa da chapa Lula e Alckmin registrados no Tribunal Superior Eleitoral e que dizem respeito a política externa brasileira.

Dos três elementos destacados, o que diz respeito diretamente a diminuir algum grau de dependência externa é aquele que aborda a política cambial, mas que não entra necessariamente no mérito da dolarização dos preços praticados no Brasil. Embora citado no texto, a presença do dólar se dá porque na composição de preços, vários elementos têm origem nos contratos internacionais, marcados profundamente pela especulação. A intenção está dada, reduzir a volatilidade. Como propõem fazer isso, realmente ainda não consta.

59 – Reduzir a volatilidade da moeda brasileira por meio da política cambial também é uma forma de amenizar os impactos inflacionários de mudanças no cenário externo. A orientação passiva para a política cambial dos últimos anos acentuou a volatilidade da moeda brasileira em relação ao dólar com consequências perversas para o índice de preços. (páginas 11 e 12)

O item 100 aponta a retomada do conceito da PEI – Política Externa Independente – segundo o lema já cunhado “altiva e soberana”. O que diz respeito ao Oriente Médio, o Mundo Árabe e de maioria islâmica, não é diretamente citado em nenhum momento do texto. Aponta a “cooperação internacional Sul Sul” e dentro deste quesito, considerando o avanço da integração econômica intra-asiática e eurasiática, pode ter significado direto. Durante o período em que Celso Amorim e seus colegas à frente dos governo Lula e Dilma, o Brasil teve uma relação fraterna com a Palestina, com alguma nível de solidariedade e benfeitorias, mas em nenhum momento isso impediu o avanço da assinatura de contratos de conhecimento sensível com o Apartheid Sionista.

  1. Defender nossa soberania exige recuperar a política externa ativa e altiva que nos alçou à condição de protagonista global. O Brasil era um país soberano, respeitado no mundo inteiro. Ao mesmo tempo, contribuía para o desenvolvimento dos países pobres, por meio de cooperação, investimento e transferência de tecnologia. Reconstruiremos a cooperação internacional Sul-Sul, com América Latina e África. Defendemos a ampliação da participação do Brasil nos assentos dos organismos multilaterais. (páginas 17 e 18)

Já o item 101 tem relação direta com a integração regional em escala crescente, Cone Sul, Sul-América e América Latina e Caribe. Ultrapassando os limites do continente, apontam para a necessária complementaridade de cadeias produtivas e citam os BRICS, evidentemente incluindo as instituições financeiras dos países líderes desta aliança. BRICS, BRICS +, OPEP e OPEP + em conjunto tem condições não apenas de rivalizar com o “ocidente”, mas também superar em termos de projeção econômica, incluindo a devida contestação da hegemonia do dólar.

LEIA: A espionagem sionista e o risco de sabotagem nas eleições brasileiras

Outro elemento onde podemos considerar válido para as relações com o Oriente Médio está na citação da “soberania das nações e paz”. Mesmo no plano declarativo, isso pode implicar em buscar uma solução para pôr fim na Ocupação da Palestina, e contestar a prepotência e as capacidades nucleares da entidade sionista.

  1. Defender a nossa soberania é defender a integração da América do Sul, da América Latina e do Caribe, com vistas a manter a segurança regional e a promoção de um desenvolvimento integrado de nossa região, com base em complementariedades produtivas potenciais entre nossos países. É fortalecer novamente o Mercosul, a Unasul, a Celac e os Brics. É estabelecer livremente as parcerias que forem as melhores para o país, sem submissão a quem quer que seja. É trabalhar pela construção de uma nova ordem global comprometida com o multilateralismo, o respeito à soberania das nações, a paz, a inclusão social e a sustentabilidade ambiental, que contemple as necessidades e os interesses dos países em desenvolvimento, com novas diretrizes para o comércio exterior, a integração comercial e as parcerias internacionais. (página 18)

Comentário final

Mesmo contando com um candidato a vice-presidente que é descendente de árabes, a timidez do programa de Lula está à altura da cautela de sua propaganda eleitoral e o posicionamento na busca do consenso possível dentro das elites políticas e empresariais brasileiras. O governo Bolsonaro é o mais alinhado ao sionismo na história do Brasil, incluindo na simbologia a presença constante da bandeira de Israel em seus atos públicos, comícios e até mesmo em atos abertamente antidemocráticos. O inverso está longe de ser verdadeiro.

Apesar de termos a possibilidade de uma análise comparativa, onde a política externa dos governos Lula e Dilma foi infinitamente mais assertiva do que os governos pós golpe (Temer e Bolsonaro), a timidez do programa é visível. A reabertura de embaixadas e escritórios de negócios em países árabes e islâmicos é provável, assim como o volume de negócios impulsionados pelos instrumentos do governo nacional brasileiro. Por outro lado, a probabilidade, em havendo a vitória da social-democracia, é uma acomodação de forças também nas relações exteriores, especificamente abordando o conflito do imperialismo e a ocupação da Palestina.

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As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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