O assassinato de Ayman al-Zawahiri

Ayman Al-Zawahiri [Hamid Mir/Wikipedia]

Há algum tempo, a al-Qaeda deixou de ser o alvo primário de especialistas em política externa e contraterrorismo. Certa vez considerada a organização mais perigosa do mundo, após os atentados de 11 de setembro de 2001, nos Estados Unidos, a al-Qaeda se tornou quase integralmente inativa – sobretudo no Afeganistão. Alheia aos principais incidentes de violência, muito menos ataques terroristas, a al-Qaeda foi substituída por entidades ainda mais poderosas. Seu líder Ayman al-Zawahiri – sucessor de Osama bin Laden – permaneceu, na melhor das hipóteses, como uma ameaça simbólica restrita a vídeos de propaganda jihadistas. Todavia, sua própria existência – embora nos bastidores, majoritariamente inofensiva – persistiu como recordação dos fracassos americanos durante a chamada guerra ao terror. Afinal, mesmo quando bin Laden estava vivo, o nome de al-Zawahiri era associado diretamente ao terrorismo internacional.

O assassinato de al-Zawahiri em 31 de julho de 2022, em Cabul, capital do Afeganistão, por meio de um ataque a drone dos Estados Unidos, não é surpresa. O fato representa um momento de triunfo a Washington não somente em termos de atingir a al-Qaeda, mas também porque confere credibilidade à promessa de conduzir operações “além do horizonte”. Especialistas observam que tais ações fornecem ao presidente Joe Biden alguma sobrevida, em meio a contundentes críticas domésticas e baixíssimos índices de aprovação. Além disso, assevera em Washington uma sensação de conduzir esforços para impedir que o Afeganistão – com toda sua instabilidade – se torne um eventual porto-seguro a extremistas. Tamanho assassinato de alto perfil transmite um sinal internacional de seriedade dos Estados Unidos em manter ações de contraterrorismo, sobretudo no Afeganistão, apesar de sua retirada do território centro-asiático. Uma abordagem de contraterrorismo por meio de ataques a drones pode certamente ser a política adotada daqui em diante. Entretanto, questões logísticas e outros detalhes do ataque – como quem participou de seu planejamento e execução, além de seu cronograma de ações – demandam maior atenção.

Estados Unidos e Afeganistão tentam reconstruir laços há muito extintos. Como parte do acordo de Doha entre a Casa Branca e o Talibã, o movimento afegão prometeu não abrigar ou fomentar organizações terroristas em seu território. O pacto firmado em fevereiro de 2020 estabeleceu a condição de que um eventual governo talibã “não permitiria quaisquer militantes, indivíduos ou grupos – incluindo a al-Qaeda – de utilizar o solo afegão para ameaçar a segurança dos Estados Unidos e seus aliados”. As tropas da ocupação americana então partiram do país sob a alegação de que a al-Qaeda fora absolutamente derrotada.

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Para o Talibã, trata-se de uma situação complexa. O grupo tem dificuldades para consolidar seu poder em âmbito doméstico e angariar credibilidade internacional. Embora a situação de segurança tenha melhorado no Afeganistão, a presença crescente de entidades transnacionais terroristas – como o Estado Islâmico da Província de Coração (ISKP) – impõe pressão à organização governante. Desde o retorno do Talibã ao poder, em agosto de 2021, houve um pico considerável de atentados em solo afegão e contra estados vizinhos, sobretudo no Paquistão, Uzbequistão e Tadjiquistão. O aumento nas operações e ataques do Tehreek-e-Taliban Pakistan (TTP) contra forças de segurança paquistanesas, tanto de maneira independente quanto em colaboração com o ISKP, tornou-se foco de preocupação, assim como a aliança recente entre o Estado Islâmico da Província de Coração – por um lado – e o Movimento Islâmico do Turquestão Oriental (ETIM) e o Partido Islâmico do Turquestão (TIP) – por outro. Tais fatos levantaram dúvidas sobre as promessas de contraterrorismo do movimento Talibã, assim como sua capacidade ou mesmo disposição em lidar com grupos terroristas transnacionais ativos em seu território. Para o governo paquistanês, é importantíssimo sanar tais dúvidas, dado que confiar no Talibã seria fundamental para assegurar paz e estabilidade em toda a região.

Há imensa pressão sobre o Talibã para que cumpra suas promessas – em particular, para que impeça qualquer existência de ameaças terroristas emanando de seu solo. Dado que al-Zawahiri foi encontrado e executado na capital Cabul, tamanha pressão internacional deve aumentar. De fato, põe em questão a vontade do Talibã em impedir que organizações extremistas ganhem terreno na região. Embora estados vizinhos mantenham seu contato com a entidade islâmica, prevalece uma atmosfera de frustração sobre a inépcia do Talibã em contrapor o terrorismo. Caso o governo talibã não seja capaz de cumprir suas juras de reforma institucional e combate ao terrorismo, muito dificilmente as capitais regionais manterão contato, muito menos reconhecerão sua legitimidade internacional. Na prática, as repercussões do assassinato de al-Zawahiri em solo afegão podem culminar no desengajamento absoluto entre as partes – algo com que o Talibã não pode arcar.

Permanece incerto se a morte de al-Zawahiri afetará a comunicação entre Washington e Talibã ou se levará ao desligamento gradual. Por um lado, pode oferecer aos Estados Unidos vantagens neste relacionamento; por outro, pode resultar na alienação bilateral, diante das acusações de que o movimento islâmico abriga extremistas em seu território.

No Paquistão, o incidente levou a um debate acalorado sobre o papel de Islamabad no ataque a drone. Diversas declarações e especulações foram proferidas, incluindo suspeitas de que a operação americana utilizou o espaço aéreo paquistanês ou contou com suporte de inteligência. O Paquistão negou formalmente qualquer participação e reduziu seus comentários a notas de repúdio sobre terrorismo. Alguns analistas apontam que os laços problemáticos entre Paquistão e Estados Unidos podem dar vazão à colaboração no ataque, com objetivo de aproximar as partes substancialmente. O Ministério do Interior do Paquistão negou categoricamente que o drone que matou al-Zawahiri decolou de seu território. Como se não bastasse, toda a matéria pôs em dúvida o relacionamento entre Islamabad e Talibã e a fiabilidade recíproca sobre negociações em curso.

Embora o Estado Islâmico (Daesh) e suas sucursais regionais tenham se tornado a principal ameaça no campo do terrorismo global, alguns analistas sugerem que al-Qaeda e Talibã estabeleceram uma parceria própria para combater a influência do ISKP no Afeganistão. Para a al-Qaeda seria uma maneira de permanecer relevante na arena internacional. Quanto ao impacto da morte de al-Zawahiri para o grupo terrorista, há mais perguntas do que respostas. Tamanho incidente pode levar a uma reação violenta de células dormentes ou mesmo na deserção de alguns de seus membros em favor do ISKP. Outra alternativa é que este capítulo do terrorismo esteja enfim encerrado. A curto prazo, há a questão de como este ataque e transformações subsequentes afetarão a eventual relação entre al-Qaeda e Talibã.

O Talibã acusou Washington de violar o acordo de Doha. Contudo, a presença de al-Zawahiri em seu território, sem dúvidas, põe o ônus do incidente sobre o movimento islâmico. Aparentemente, o governo talibã não percebeu ainda que, caso não cumpra seus compromissos internacionais, os anseios por engajamento efetivo serão cada vez menores.

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