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Israel demonstra hesitação em reaproximar-se da Turquia

Presidente da Turquia Recep Tayyip Erdogan durante comício em solidariedade aos palestinos mortos na fronteira entre a Faixa de Gaza e o Estado de Israel, na cidade de Istambul, Turquia, 18 de maio de 2018 [OZAN KOSE/AFP via Getty Images]

Os acontecimentos recentes envolvendo Turquia e Israel, após telefonema entre seus líderes, e a confirmação de que o presidente israelense Isaac Herzog visitará Ancara em breve, tornam urgente debater a aproximação entre a ocupação e a república turca. Em primeiro lugar, é compreender a natureza dos agentes israelenses e sua influência no eventual degelo do relacionamento entre as partes, ao passo que as informações se limitam a conversas divulgadas na imprensa. Assim, é possível elucidar os motivos políticos e militares de ambos os lados.

Em geral, os israelenses sabem que a iniciativa de melhorar as relações entre as partes foi tomada pelo Presidente da Turquia Recep Tayyip Erdogan, tendo em mente as eleições executivas do próximo ano, as quais pretende sair vitorioso a todo custo, mesmo que tenha de reverter sua postura de contrapor Israel nos fóruns internacionais. Erdogan também deseja restaurar relações com Washington, as quais Israel sabe muito bem que não são das melhores. Seu governo  compreende então que um caminho para a Casa Branca passa por Tel Aviv.

Vínculos econômicos entre Israel e Turquia continuam relativamente operantes, apesar de relações políticas tensas e indicadores inalterados de turismo. Não obstante, Erdogan busca agora retornar à política de “zero problema” assumida por seu ex-Ministro de Relações Exteriores, Ahmet Davutoglu. Isso é evidente não apenas pela eventual normalização com Israel, mas também com Egito, Emirados Árabes Unidos e Arábia Saudita.

A reaproximação deparou-se, no entanto, com posições das mais diversas nos círculos políticos e militares de Israel. O premiê Naftali Bennett, seu chanceler Yair Lapid e o Ministro da Defesa Benny Gantz permanecem ambíguos sobre sua posição. Em pouquíssimas ocasiões, porém, Bennett reconheceu a possibilidade de restaurar laços com a Turquia, embora sem muito entusiasmo, e Lapid chegou a conversar com seu homólogo turco, Mevlut Cavusoglu.

Neste entremeio, o governo israelense deixou o presidente Isaac Herzog assumir a dianteira, ao telefonar três vezes para Erdogan no último semestre. Ainda assim, a presidência israelense é um cargo quase simbólico, sem poderes políticos materiais, exceto pequenas tarefas oficiais. Por exemplo, Herzog foi incumbido de contactar o Presidente da Autoridade Palestina Mahmoud Abbas, o Rei da Jordânia Abdullah II e o príncipe herdeiro de Abu Dhabi Mohammed Bin Zayed al-Nahyan. Nenhum desses contatos seria possível sem a aprovação do premiê.

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Erdogan parece possuir uma “química pessoal” com Herzog, ao menos pela posição de “centro-esquerda” assumida pelo presidente sionista no cenário político de Israel. Ao longo de sua carreira, Herzog jamais demonstrou hostilidade em relação aos turcos; de fato, sequer aos palestinos. Ancara, portanto, passou a considerá-lo como um interlocutor razoável.

Até então, a resposta do governo israelense aos avanços da Turquia foi positiva, embora abaixo das expectativas de Erdogan. Tel Aviv aparentemente satisfez-se em sair do “impasse” a uma situação de “relações frias”, sem planos notáveis de assumir ainda um passo além. Quem sabe, as condições apropriadas não existam na atual conjuntura ou Israel crê que Erdogan busca reaproximar-se meramente por razões táticas, sem jamais alterar sua estratégia regional.

Manifestantes exibem bandeiras da Turquia e da Palestina em frente ao consulado israelense em Istambul, 11 de maio de 2021 [OZAN KOSE/AFP via Getty Images]

O verdadeiro indicador para a normalização repousa nos pressupostos de segurança militar. Oficiais israelenses querem conter impulsos políticos da Turquia e tentam agora avaliar a reação de seus homólogos sobre uma série de exigências publicamente pronunciadas, sobretudo a presença do Hamas no território turco e a posição de Erdogan sobre o grupo palestino.

Israel parece também não apressar seu contato com a Turquia para não causar inquietação entre seus aliados na região do Mediterrâneo — particularmente Egito, Grécia e Chipre, que possuem disputas com o regime em Ancara. Qualquer reaproximação não pode causar prejuízo às relações israelenses com tais países.

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Além disso, políticos e comandantes sionistas não têm consenso sobre uma eventual normalização com a Turquia, o que nos coloca em meio a especulações sobre o futuro imediato, incluindo a visita de Herzog à cidade de Ancara. É provável que haja uma pausa na hostilidade pública do governo turco sobre a ocupação israelense, imposta aos territórios palestinos. Contudo, caso a situação se deteriore novamente, na forma de uma nova ofensiva contra a Faixa de Gaza ou escalada de ataques coloniais contra Al-Aqsa, é provável um novo recuo de Erdogan e seu gabinete político. Não obstante, contatos de bastidores devem ocorrer entre as agentes de segurança de ambas as partes.

A visita de Herzog foi protelada a meados de março e será meramente cerimonial. Nenhum acordo será assinado; no entanto, poderá abrir as portas para avanços contundentes neste sentido. A ocasião deve preparar terreno para o retorno dos respectivos embaixadores a ambos os países e, quem sabe, culminar em uma viagem recíproca do presidente turco a Tel Aviv, algo semelhante a suas visitas a Abu Dhabi e Riad.

Nada disso significa que o relacionamento turco-israelense esteja a caminho de uma normalização gradual e inevitável. Um recuo israelense pode mandar os turcos de volta ao ponto de partida, apesar de atitudes positivas de ambos os lados. A república turca parece buscar um processo para melhorar relações; Israel, contudo, permanece hesitante.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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