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Mundo islâmico deve fazer mais para ajudar os uigures perseguidos por Pequim

Protesto contra as políticas chinesas sobre o povo uigur, no 72° aniversário da República Popular da China, em Paris, capital da França, em 2 de outubro de 2021 [Yusuf Özcan/Agência Anadolu]

A China vivencia hoje acusações de genocídio contra sua população uigur, predominantemente islâmica, após emergirem testemunhos de discriminação, violência, estupro, entre outras violações, conduzidas em “campos de concentração”. Em dezembro, um tribunal independente radicado em Londres chegou ao veredito unânime de crime de genocídio, executado sistematicamente contra uigures, tibetanos e outras minorias turcomanas em território chinês.

Embora a sentença não seja legalmente vinculativa, serve como plataforma para uma eventual mudança na postura internacional sobre a questão, ao reivindicar sanções contra Pequim. Entretanto, é frustrante ainda que muitos países islâmicos continuem a apoiar despudoradamente o governo chinês, apesar da vasta evidência de injustiças perpetuadas contra o povo uigur, sob a persistente falácia de “combater o terrorismo”.

Setenta e cinco “indicadores comportamentais” foram anunciados por Pequim para identificar “atitudes extremistas”. A lista compreende, por exemplo: orações nos espaços públicos; abstinência abrupta; crescimento de barba entre jovens e homens de meia idade; e uso de hijab ou niqab pelas mulheres — ironicamente, véu bastante tradicional entre as milhões de mulheres muçulmanas na Arábia Saudita e nos Emirados Árabes Unidos. Nesta conjuntura, os muçulmanos que queiram praticar sua fé em solo chinês devem esperar pouco ou nenhum apoio de líderes como Mohammed Bin Salman, príncipe herdeiro da Arábia Saudita, que busca silenciar outras personalidades islâmicas, ao difamá-las por promover “ideias extremistas”, sempre que ousam contrapor suas reformas políticas, econômicas e sociais.

Países como Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos chegaram ao ponto de vender seus irmãos uigures aos arbítrios de Pequim, ao assinar uma carta endereçada à Organização das Nações Unidas (ONU), junto de outros 35 países, em apoio às políticas chinesas na província de Xinjiang. O aval foi concedido em nome de investimentos financeiros e uma relação amistosa com a superpotência econômica, cuja contrapartida é meramente lavar as mãos diante de evidências de genocídio. O silêncio, neste caso, equivale à cumplicidade.

Coletivamente, o mundo islâmico tem o poder de impedir a perseguição da população uigur e de outras comunidades irmãs em todo o mundo; porém, deixa de fazê-lo. Os muçulmanos uigures com quem conversei sentem que foram abandonados pelos líderes do Oriente Médio, que supostamente deveriam defendê-los — sobretudo em um momento tão aterrador. Imagine apenas se as nações islâmicas seguissem os ensinamentos do Alcorão.

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A Organização para a Cooperação Islâmica (OCI), voz uníssona desses países, conformou-se em expressar somente “profunda preocupação” após relatos emergirem em 2019 de que minorias islâmicas em Xinjiang foram privadas de jejuar, conforme a tradição religiosa do mês do Ramadã. Três anos depois, os uigures ainda sofrem seu tormento e apelam ao mundo islâmico para que desperte e ponha a ética e seus valores a frente de interesses políticos e econômicos que compartilhem com a China.

Como jornalista, entrevistei muitos uigures ao longo dos anos. As mães uigures confiaram em mim para relatar seu sofrimento. Algumas foram compulsoriamente esterilizadas — um dos diversos métodos adotados por Pequim para conter o crescimento demográfico das minorias islâmicas. Outras foram apartadas de seus filhos e, não fosse sua fé, teriam sucumbido a pensamentos suicidas por tamanha saudade. Uma das mães relatou ter encontrado sua filha de quatro anos nas redes sociais; contudo, com seu nome alterado para um logograma han, sem poder sequer falar seu idioma nativo. Dessa forma, até mesmo a identidade uigur das crianças é veementemente apagada, sob alegações de que seus pais não existem ou as abandonaram, quando se trata de uma absoluta mentira. Os pais e mães uigures sofrem por não poder reaver seus filhos e porque seus descendentes são então privados de suas crenças e sua cultura.

Um homem uigur denunciou tortura física nos “campos de concentração” instaurados por Pequim, sobretudo com choques elétricos, a fim de coagi-lo à apostasia. Quando recusou-se a renunciar ao Islã e a jurar fidelidade ao Partido Comunista Chinês, foi torturado outra vez. Muitos uigures sofrem tortura apenas por serem muçulmanos, mas recusam-se a desistir de sua religião. Não obstante, líderes globais que supostamente compartilham da fé insistem em vender sua alma à potência opressora, ao privilegiar o lucro em detrimento da vida.

A comunidade uigur, no entanto, conta com o apoio da Turquia, com a qual possui laços históricos, culturais e linguísticos. Em 2009, o então premiê (agora presidente) Recep Tayyip Erdogan enunciou sua convicção de que um “genocídio” fora cometido pela China, após conversar pessoalmente com muitos uigures exilados que buscaram santuário na Turquia.

A postura desalentadora dos estados do Golfo sobre a população uigur é algo difícil de esquecer. Mesmo assim, ainda há tempo para que o mundo islâmico levante sua voz e assuma uma postura veemente ao lado dos oprimidos contra os opressores. Como disse o falecido arcebispo sul-africano Desmond Tutu: “Se você fica neutro em situações de injustiça, você escolheu o lado do opressor”. Muitos governantes muçulmanos carregam essa mácula.

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As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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