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Zakaria Zubeidi e a resistência cultural através do Teatro da Liberdade em Jenin

Zakaria Zubeidi [Reprodução/The Freedom Theatre]

O líder das Brigadas Al-Aqsa, Zakaria Zubeidi, além de ter tido um importante papel na resistência armada durante a Segunda Intifada, também se dedicou à resistência cultural através da arte, sendo co-fundador do teatro comunitário e espaço cultural The Freedom Theatre (TFT), no campo de refugiados de Jenin, na Cisjordânia ocupada.

The Freedom Theatre  (Teatro da Liberdade)

O nome de Zubeidi está nas manchetes mundiais desde que ele, junto a outros cinco prisioneiros, cavou um túnel e conseguiu escapar da prisão israelense de alta segurança de Gilboa. Ao ser recapturado, precisou ser hospitalizado e as lesões em seu rosto denunciaram a violência e tortura da ocupação israelense.

Zubeidi, que estava preso há dois anos e meio,  é um herói que gera fascínio, tanto em palestinos quanto em israelenses. Seu papel na resistência armada é amplamente comentado, enquanto sua militância na arte e cultura é frequentemente vista quase como uma contradição; como se ele tivesse largado os palcos e o teatro comunitário para empunhar outras armas contra a ocupação.

“As pessoas pensam que Zakaria passou da resistência armada para a resistência cultural. Eu não o fiz. Abro a fechadura do teatro com a coronha da minha metralhadora. Você não pode separar a resistência armada da resistência cultural. Alguém precisa contar a história do combatente: Quem é ele? Por que ele está fazendo o que está fazendo? Não se pode simplesmente tirar uma foto e escrever que ele é um terrorista. A resistência armada não é um soldado matando outro soldado. É uma revolta civil com combatentes que tentam se defender com o que quer que esteja disponível. Há dezenas de milhares de pessoas no campo e ainda não tínhamos mais de 120 armas para lutar. Com estas armas, estávamos lutando contra um exército nacional”, afirmou Zakaria em uma entrevista para Ola Johansson em 2017. “Traduzir os modos armados, religiosos e políticos de resistência e ser a força crítica contra todos eles. Tudo gira em torno da resistência cultural; é impossível entender a luta sem discernimento cultural. Mas a resistência cultural nem sempre é priorizada. As pessoas não a apreciam da mesma forma que fazem outros papéis na resistência.”

The Freedom Theatre  (Teatro da Liberdade)  é um teatro comunitário e centro cultural no campo de refugiados de Jenin, no norte da Cisjordânia ocupada, uma das áreas mais gravemente afetadas por décadas de ocupação israelense e por conflitos internos. Nasceu a partir do projeto Care and Learning (Cuidado e Aprendizagem), criado na Primeira Intifada, que usava a arte para lidar com os traumas das crianças no campo de refugiados de Jenin.

O projeto de teatro infantil, criado pela ativista judia Arna Mer-Khamis, foi documentado no filme Arna’s Children, de 2004, dirigido por seu filho, Juliano Mer-Khamis. O documentário segue a vida dos meninos que participaram do teatro quando crianças, mas se tornaram jovens combatentes da resistência armada durante a Segunda Intifada. O jovem Zubeidi aparece no filme e, dos cinco membros do núcleo do grupo, somente ele sobreviveu.

“O que fazemos no teatro não é tentar ser um substituto ou uma alternativa para a resistência palestina na luta pela libertação, exatamente o contrário. Isso deve ficar claro. […] Juntamo-nos, por todos os meios, à luta palestina pela libertação, que é a nossa luta de libertação. Não somos curandeiros. Não somos bons cristãos. Somos lutadores pela liberdade”, descreve o cofundador do The Freedom Theatre, Juliano Mer Khamis, segundo o site do TFT. Juliano foi morto a tiros em Jenin, em 2011.

O site do teatro e centro cultural disponibilizou um capítulo do livro The Freedom Theatre: Performing Cultural Resistance in Palestine (O Teatro da Liberdade: Performando a Resistência Cultural na Palestina), organizado por Ola Johansson e Johanna Wallin, e publicado em 2018 pela editora LeftWord Books, em Nova Deli, em que o compilado de Wallin apresenta um pouco do co-fundador Zakaria, sua trajetória e importância para a resistência palestina.

O livro, segundo sua descrição, “retrata a história, o trabalho e a visão do teatro através de algumas de suas pessoas-chave. Dá espaço para análises minuciosas do contexto em que opera e do conceito de Resistência Cultural, que é central para seu trabalho. Artistas palestinos e internacionais, acadêmicos e ativistas associados ao teatro, contribuem com perspectivas pessoais e profissionais sobre o fenômeno que é o The Freedom Theatre”

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“O teatro enfrentou ataques, ameaças, prisão de muitos funcionários, e o assassinato de seu co-fundador. E no entanto, o teatro não apenas suportou, mas cresceu, de um salão provisório com cadeiras de plástico alugadas para um dos centros culturais mais proeminentes da Palestina. Hoje, ele educa atores, técnicos, trabalhadores culturais, fotógrafos, cineastas e professores, turnês na Cisjordânia e internacionalmente com sua arte caracteristicamente forte e comovente, e criou uma rede de parceiros em todo o mundo”, afirma.

Leia o capítulo sobre Zubeidi, compilado por Johanna Wallin:

Zakaria Zubeidi

Muito foi escrito sobre Zakaria Zubeidi como o antigo líder das Brigadas dos Mártires de Al-Aqsa, um dos principais grupos de resistência no campo de refugiados de Jenin durante a Segunda Intifada, e simultaneamente um dos mais procurados de Israel. Neste capítulo, Zakaria, co-fundador do The Freedom Theatre e ex-participante do projeto Care and Learning e seu Stone Theatre (Teatro de Pedra), reflete sobre o The Freedom Theatre e a resistência cultural. O que se segue é a história de Zakaria, que dá uma visão única de como uma organização como o Teatro da Liberdade foi capaz de criar raízes em um campo de refugiados palestinos.

A mãe de Zakaria, Samira Zubeidi, foi uma figura líder no projeto Care and Learning ao lado de Arna Mer Khamis e o Stone Theatre foi construído no último andar da casa Zubeidi. Zakaria e seu irmão mais velho Daoud formaram o núcleo da trupe de atores.

Zakaria foi um dos poucos ex-atores infantis do Stone Theatre que sobreviveram à segunda Intifada. Ele tinha sido baleado e preso várias vezes por atirar pedras em soldados israelenses mesmo antes da Intifada irromper em 2000. Além de seus amigos do Stone Theatre, Zakaria perdeu seu irmão Taha e sua mãe Samira, que foi assassinada por um atirador israelense em 2002.

Quando o Freedom Theatre foi estabelecido, Zakaria estava em seus vinte e poucos anos e passou seus dias e noites escondido para escapar de inúmeras tentativas de assassinato por parte da ocupação israelense.

Da perspectiva de Zakaria, o The Freedom Theatre foi construído sobre as idéias do The Stone Theatre.

“Percebemos o quanto precisávamos de um centro cultural após nossas experiências no Stone Theatre e quando o conflito Israel-Palestina se intensificava mais. O conflito não era apenas uma troca de fogo, mas também tinha a ver com a cultura e educação de crianças pequenas e jovens e como conduzi-los para fora de suas mentalidades oprimidas.

Na Intifada al-Aqsa [segunda], a agressão israelense destruiu grandes partes do campo. Casas e famílias foram destruídas e quando isso acontece, os documentos desaparecem junto com as memórias. Isso aumentou a necessidade de um lugar para pensamentos e ideias para os jovens.

Anteriormente, as relações culturais no campo eram sempre entre famílias. Minhas relações eram com Arna [Arna Mer Khamis] e Juliano [Mer Khamis], principalmente com Juliano”, disse Zakaria Zubeidi durante entrevista para Ola Johansson em 9 de fevereiro de 2017, em Jenin.

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No capítulo sobre o início do The Freedom Theatre, Zubeidi descreve como a iniciativa de começar um teatro novo surgiu através de um encontro casual entre ele e o enfermeiro e ativista sueco Jonatan Stanczak. Embora ele não tivesse um papel oficial no teatro, Zakaria deu legitimidade ao que inicialmente era visto por muitos em Jenin como um conceito estrangeiro.

“Eu trouxe as pessoas que precisavam de um lugar de cultura das ruas nos primeiros tempos – pessoas que não tinham, por exemplo, a chance de estudar na universidade. Elas não tinham outras oportunidades. Portanto, estas eram as pessoas que se dedicavam à representação, fotografia e assim por diante. E as pessoas do campo tiveram a oportunidade de assistir teatro em seu próprio bairro. Entretanto, há uma diferença entre a necessidade de teatro em outras partes do mundo e a necessidade de teatro aqui. Na Europa, as comunidades precisam de teatro e acreditam nas idéias de teatro, mas aqui, o teatro precisa de seu povo para desenvolver e levar suas idéias. Precisávamos trabalhar duro para que a comunidade ficasse convencida de nossas idéias. Aqui o teatro não é ‘apenas’ teatro, ele é resistência”, disse ele para Johansson.

Zakaria entrou mais tarde num acordo de anistia com Israel que o tirou da lista dos procurados e, após os meses iniciais de restrições e passando suas noites na sede da Autoridade Palestina, permitiu que ele se movimentasse livremente, embora apenas dentro de Jenin.

Mesmo antes de depor suas armas, Zakaria havia afirmado que a resistência armada havia falhado. Para ele, a resistência armada era um meio de enviar uma mensagem ao mundo de que os palestinos estavam lutando contra a ocupação. Mas os acontecimentos que levaram à segunda Intifada e além o haviam deixado desiludido, inclusive com a liderança palestina. Como disse a Stanczak durante uma conversa nos primeiros dias do The Freedom Theatre: ‘Quando dois irmãos voltam suas armas um contra o outro, a primeira coisa que se deve fazer é baixar a arma e pensar em como acabamos nesta situação’. Para Zakaria, The Freedom Theatre tornou-se um símbolo desse processo.

Zakaria sustenta que o conceito de resistência cultural não se opõe à resistência armada, ou a qualquer outro tipo de resistência.

“Para as pessoas aqui [em Jenin] é uma questão de como você coloca a questão. As pessoas pensam que Zakaria passou da resistência armada para a resistência cultural. Eu não o fiz. Abro a fechadura do teatro com a coronha da minha metralhadora. Você não pode separar a resistência armada da resistência cultural. Alguém precisa contar a história do combatente: Quem é ele? Por que ele está fazendo o que está fazendo? Não se pode simplesmente tirar uma foto e escrever que ele é um terrorista. A resistência armada não é um soldado matando outro soldado. É uma revolta civil com combatentes que tentam se defender com o que quer que esteja disponível. Há dezenas de milhares de pessoas no campo e ainda não tínhamos mais de 120 armas para lutar. Com estas armas, estávamos lutando contra um exército nacional”, afirmou Zakaria.

Sobre o papel do combatente da resistência cultural, Zakaria acredita que sim,

“Traduzir os modos armados, religiosos e políticos de resistência e ser a força crítica contra todos eles. Tudo gira em torno da resistência cultural; é impossível entender a luta sem discernimento cultural. Mas a resistência cultural nem sempre é priorizada. As pessoas não a apreciam da mesma forma que fazem outros papéis na resistência. Muitas pessoas pensam que é impossível dar-se ao luxo de fazer uma pausa na luta para apreciar a cultura. Se eles passarem por aqui na rua [fora do Freedom Theatre] eles podem entrar e assistir a alguma coisa. Mas se houver uma manifestação mais adiante, eles irão para a manifestação”.

No final de dezembro de 2011, Zakaria foi informado de que Israel havia cancelado seu perdão. Zakaria sustentou que havia honrado as condições do acordo de anistia concedido a ele em 2007. Em 2012, ele foi preso pelas forças da Autoridade Palestina, acusado de envolvimento no tiroteio na casa do então Governador de Jenin. Após um período de cinco meses na prisão, que envolveu uma longa greve de fome para se opor ao tratamento desumano e à violação do Estado de direito, e mais de 3.000 pessoas em todo o mundo assinando petições pedindo sua libertação, ele foi libertado sob fiança.

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No início de 2013, Zakaria foi aconselhado por oficiais de segurança da Autoridade Palestina a se submeter à custódia palestina após a ocupação israelense ter feito ameaças à sua vida. Zakaria o fez, e posteriormente passou os próximos quatro anos em uma cela de prisão de porta aberta enquanto tentava resolver sua situação. Sua anistia foi reinstituída no início de 2017. Enquanto estava sob custódia protetora da AP, Zakaria também foi formalmente absolvido de todas as acusações em relação aos cinco meses em que foi encarcerado pela Autoridade Palestina em 2012.

Quando este capítulo estava sendo escrito, Zakaria havia retornado a Jenin.

“Agora tenho anistia total e posso circular livremente por toda a Cisjordânia e também espero poder viajar para o exterior em um futuro próximo. Gostaria de encontrar amigos ao redor do mundo que me apoiaram e ao The Freedom Theatre para falar sobre a situação na Palestina e a importância da resistência cultural”, disse Zubeidi durante um encontro com amigos do TFT, em 6 de abril de 2017, em Jenin.

Zakaria diz ter se beneficiado muito de sua conexão com o Freedom Theatre durante seu tempo na prisão.

“As visitas de amigos no teatro significaram muito, e com o incentivo de pessoas como Micaela Miranda e Nabil Al-Raee comecei a estudar ciência política e sociologia na prisão e continuei em um curso de mestrado da Universidade de Birzeit”, disse ele segundo o TFT.

Zakaria foi nomeado diretor do Ministério de Assuntos dos Prisioneiros da Palestina e esteve profundamente envolvido na greve de fome de abril a maio de 2017 pela liberdade e dignidade dos prisioneiros nas prisões israelenses.

A perspectiva de Zakaria sobre o Freedom Theatre, ao entrar em sua segunda década, é que sua mensagem tenha sido enviada à comunidade.

“Em minha opinião, o TFT é o único na Palestina que pode representar a nós, palestinos. Perdemos a capacidade de dar qualquer coisa para o mundo; nos tornamos consumidores. Mas agora, aqui na TFT nós também produzimos.

A cultura para mim é a minha capacidade interna. Se voltarmos ao início da história, os primeiros humanos foram feitos da terra. Cada criança, cada pessoa que vem ao Freedom Theatre vem com sua história e suas experiências. É importante como as pessoas do TFT trazem sua paixão e compromisso para os outros. Por exemplo, ontem [5 de abril de 2017], quando o TFT organizou uma reunião política com representantes do campo como parte do aniversário do teatro, um ator entrou na sala de teatro e em dez minutos ele conseguiu apresentar tudo o que o resto de nós havia discutido em uma hora. Em um esboço, ele transmitiu tudo o que queríamos dizer – e até melhor do que podíamos. Esta capacidade é importante. Quem aqui em Jenin teria pensado que um estudante do TFT poderia se levantar e fazer isso? Quem teria pensado que Suzan [Wasfi] um dia se sentaria aqui e traduziria para mim? Antes, alguém que me conhecesse ou ouvisse meu nome teria medo. Agora Suzan está sentada ao meu lado traduzindo. Isto é o que eu respeito no TFT. Acredito que o TFT tem feito grandes conquistas e há muito potencial dentro dele”.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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