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Soldados israelenses em Gaza ostentam má conduta

Beirute, um ano depois: memórias e lições aprendidas com a explosão no porto

Um homem reage no local de uma explosão no porto da capital do Líbano, Beirute, em 4 de agosto de 2020 [IBRAHIM AMRO / AFP via Getty Images]

Por volta de 8h30 da manhã, do dia 4 de agosto de 2020, desatracamos do píer 4 do porto de Beirute para iniciarmos mais uma patrulha de sete dias de duração, na Área Marítima de Operações, a bordo do Navio-Capitânia da Força Marítima da Unifil, a Força Interina das Nações Unidas no Líbano, a Fragata Independência, da  Marinha  do  Brasil.

Éramos  209 soldados de paz brasileiros, contando comigo, oficiais e as praças do Estado-maior embarcado da Unifil, comandante e tripulação do navio. Estava quente e ensolarado, como costuma ocorrer naquela época do ano na região do Mediterrâneo Leste.

O céu claro e sem nuvens, e o vento ameno, com mar calmo, tornavam  o  dia  agradável  para  a  navegação.  Assim  que  deixamos  a  região  do  porto, rumamos para a nossa área de patrulha.

A fumaça sobe após um incêndio em um armazém com explosivos no Porto de Beirute que levou a grandes explosões em Beirute, Líbano, em 4 de agosto de 2020. [Houssam Shbaro – Agência Anadolu]

Naquele dia também faríamos um adestramento  conjunto com o navio Tabarja, das Forças Armadas Libanesas. Após nos afastarmos do quebra-mar do porto de Beirute, cruzamos bem de perto pela Corveta Bijoy, da Marinha de Bangladesh, que encerrava a sua patrulha e se dirigia para o mesmo porto, invertendo de posição conosco.

Respeitando o costume das Marinhas  do  mundo,  perfilamos  os  marinheiros  de  ambos  os  navios  pelos  conveses abertos  e  nos  saudamos  com  um  longo  toque  de  apito,  seguido  de  acenos  de  mão, segurando nossos gorros azuis, símbolo dos marinheiros mantenedores da paz da ONU. O comandante  e  a  tripulação  da  Corveta  Bijoy  nos  desejaram  bons  ventos  e  mares tranquilos,  enquanto  os  cumprimentamos  pelo  bom  trabalho  executado  em  mais  uma patrulha e lhes desejamos um bom descanso. A  Fragata  Independência  seguiu  ao  longo  daquele  dia  com  suas  atividades planejadas. A  Corveta Bijoy,  por sua  vez, atracou  no píer 6 do porto de  Beirute, exclusivamente utilizado por este navio.

Por volta das 18h10, a Fragata Independência encontrava-se a cerca de 8 milhas náuticas da costa do Líbano, aproximadamente 14 km, em uma posição um pouco mais ao Sul da entrada do corredor de aproximação do porto de Beirute. O tempo continuava firme e o sol ainda brilhava forte. O pôr do sol nessa época do ano ocorria por volta das 19h30.

Vista aérea da fumaça preta após um incêndio que irrompeu na Zona Franca de Beirute em 10 de setembro de 2020 em Beirute, Líbano [Haytham Al Achkar / Getty Images]

Foi nesse momento que percebemos um deslocamento incomum, parecia que algo teria tocado o nosso navio. Imediatamente cumprimos os procedimentos para verificação de avarias a bordo, tentando identificar o que teria acontecido sem, contudo, perceber o que realmente se passava a algumas milhas dali. Devido, possivelmente, à distância do Porto de Beirute e às características robustas do  nosso  navio, nenhuma avaria  foi  constatada  na  Fragata  Independência, da  mesma forma que nenhum acidente de pessoal foi observado com a nossa tripulação embarcada.

Como todos boinas-azuis brasileiros, tripulantes do navio ou componentes do Estado-Maior embarcado se encontravam a bordo, todos estávamos protegidos dos efeitos da explosão.

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Da  mesma  forma,  a  Corveta  Sultan  Hasanuddin,  da  Marinha  da  Indonésia,  que também utilizava as instalações do Porto de Beirute para receber seus provimentos e para o descanso da sua tripulação, nesse dia, encontrava-se atracada no Porto de Mersin, na Turquia, a cerca de 180 milhas náuticas de Beirute.

Normalmente, este navio utilizava o píer 5 do Porto de Beirute, a apenas uma posição ao lado do píer da Corveta Bijoy. Naquele dia, a Força Marítima da Unifil ainda possuía outros dois navios em patrulha, afastados do Porto, e mais um navio atracado no Porto de Limassol, no Chipre, a cerca de 130 milhas náuticas de distância do local do incidente.

Médico boina-azul brasileiro atendendo tripulantes da Corveta em 5 de agosto de 2020 [Foto: Francisco Alexandre Pereira]

Não tardou alguns instantes para que surgisse no horizonte, na direção da cidade de Beirute, uma imensa coluna de fumaça, de cor alaranjada, que indicava que algo muito grave havia acontecido por lá. Rapidamente os noticiários nos chegaram e tomamos conta da situação. Ainda sem ter notícias precisas sobre a Corveta Bijoy, nossa preocupação imediata foi com a integridade física da sua tripulação. Tentamos comunicação com a Corveta Bijoy por todos os canais existentes, mas não  obtivemos  sucesso.  Por  outro  lado,  tranquilizamos  a  liderança  da  Unifil  e  as autoridades  brasileiras  quanto  ao  estado  de  saúde  dos  tripulantes  da  Fragata Independência e dos demais navios da Força Marítima da Unifil, todos livres dos efeitos da explosão. Reuni-me  com  o  Estado-Maior  embarcado  e  com  o  comandante  da  Fragata Independência,  para  avaliarmos  o  que  poderia  ser  feito  para  acessarmos  o  Porto  de Beirute e prestarmos auxílio, especialmente aos nossos companheiros, os soldados de paz de Bangladesh. Contudo, as incertezas envolvidas na explosão, o desconhecimento do que mais poderia acontecer naquela área e o início da noite que se aproximava com rapidez, nos recomendavam cautela.

A situação era muito grave. Havia feridos a bordo da Corveta e muita confusão na área do porto, segundo os relatos que recebemos.

No princípio daquela noite, conseguimos contato com o pessoal da Corveta Bijoy. A situação era muito grave. Havia feridos a bordo da Corveta e muita confusão na área do porto, segundo os relatos que recebemos. O maior desafio naquele momento era extrair de bordo  os  feridos  mais  graves  e  levá-los  para  o  atendimento  médico  adequado  nos hospitais que pudessem acolhê-los.

Entretanto, a situação crítica do porto não permitia que o nosso navio se aproximasse, bem como não era seguro enviar equipes da Fragata Independência por meio da lancha do nosso navio para o local. Diante da situação apresentada, por volta das 21h, avaliamos a possibilidade de empregar  a  aeronave  orgânica  da  Fragata  Independência,  em  proveito  da  tarefa  de evacuação de feridos da Corveta Bijoy. Em uma decisão compartilhada com a Unifil, avaliamos o alto risco envolvido nesta linha de ação, decidindo por não a executar. Por outro  lado, a Unifil  mobilizou  diversos  outros  meios  da  Missão,  de forma  expedita e eficaz, provisionando o rápido atendimento aos feridos mais graves do navio, evacuando-os para hospitais do Líbano, incluindo uma parcela significativa que foi deslocada para o Hospital de Tiro, a cerca de 70 Km da capital. No princípio da manhã do dia seguinte, 5 de agosto, enviamos para a Corveta Bijoy uma equipe de saúde, composta por médico e enfermeiros, e uma equipe especializada em reparos, por meio da lancha orgânica da Fragata Independência.

Soldados de paz ajudaram a responder emergência após a tragédia em Beirute, no Líbano [Foto: Pasqual Gorriz/ ONU]

Os objetivos eram prestar  atendimento  aos  feridos  que  estivessem  a  bordo  da  Corveta  e  identificar necessidades de apoio de material, ferramentas e outros itens para aquele navio. Esta ação mostrou-se proveitosa e adequada, dada a permanência de muitos boinas-azuis a bordo  da  Corveta  Bijoy  com  ferimentos  leves,  mas  que  necessitavam  de  cuidados médicos. Além disso, o porto de Beirute havia sido interditado pelas autoridades libanesas à navegação de embarcações maiores, como era o caso da Fragata Independência, em virtude dos riscos à segurança da navegação provocados pelos escombros das estruturas portuárias destruídas pela explosão e atiradas ao mar, nos canais de acesso.

Nos dias que se sucederam à explosão, continuamos prestando apoio à Corveta Bijoy,  enviando  equipes  da  Fragata  Independência  especializadas  em  remoção  de escombros e de pequenos reparos. De  pouco  em pouco, o navio foi se reerguendo e restabelecendo  suas  capacidades  primárias,  de  geração  e  distribuição  de  energia, confecção de refeições etc.

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Os feridos foram tratados e receberam alta hospitalar à medida que melhoravam. Por um “milagre” não houve casos fatais dentre os tripulantes da Corveta Bijoy, apesar de alguns feridos terem ficado hospitalizados por um longo período. A Unifil estabeleceu uma comitiva especial, para avaliar os danos no navio, e um gabinete  de  crise,  para  organizar  uma  Força-Tarefa  especial  com  suas  tropas,  para auxiliar as autoridades libanesas na remoção de destroços derivados da explosão e no restabelecimento  de  uma  parte  do  Porto  de  Beirute.

Uma  comitiva  da  Marinha  de Bangladesh, especializada em reparos navais, foi deslocada para o Líbano, onde avaliou a necessidade de rebocar a Corveta Bijoy para um estaleiro na Turquia, a fim de repará-la adequadamente, garantindo sua segurança.  Em 23 de setembro, a Corveta Bijoy, devidamente reparada e novamente operativa e reincorporada às Forças Marítimas da Unifil, foi substituída pela Corveta Sangram, também da Marinha de  Bangladesh,  em  uma  cerimônia  ocorrida  no  Porto  de  Beirute,  com  a  presença  do Embaixador de Bangladesh no Líbano.

A experiência deste incidente foi muito marcante para todos nós: os desafios impostos pelos danos provocados pela explosão foram altíssimos

A experiência deste incidente foi muito marcante para todos nós: os desafios impostos pelos danos provocados pela explosão foram altíssimos, especialmente para o comandante e para a tripulação da Corveta Bijoy, excepcionais marinheiros que demonstraram grande capacidade de resiliência e de superação. Das lições aprendidas, destaco o elevado espírito de corpo e de solidariedade dos soldados de paz da ONU, demonstrados pelo senso de responsabilidade e de apoio concreto aos irmãos de Bangladesh, que viveram momentos de grande tensão neste marcante episódio da  história  do  Líbano.  Graças  à  união  e  à  solidariedade  dos  países  componentes  da Unifil, o sofrimento experimentado pelos valentes capacetes azuis de Bangladesh pôde ser amenizado e um final menos trágico desfechou este caso.

*Sergio Salgueirinho é contra-almirante da Marinha do Brasil e foi comandante da Força Marítima da Unifil, a Força Interina das Nações Unidas no Líbano. 

Publicado originalmente em ONU NEWS

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