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Quem é a mulher alemã com ideias neonazistas recebida por Bolsonaro?

A deputada alemã Beatrix von Storch, vice-líder do partido de ultradireita AfD durante encontro com o presidente Jair Bolsonaro. - beatrix.von.storch no Instagram

“Hoje recebi a deputada Beatrix von Storch, do Partido Alternativa para Alemanha, o maior partido conservador daquele país. Conservadores do mundo se unindo para defender valores cristãos e a família”.

A frase foi escrita há poucos dias nas redes sociais pela deputada federal Bia Kicis (PSL), uma das mais intolerantes representantes da extrema-direita brasileira, hoje inacreditavelmente presidindo a mais importante comissão do parlamento brasileiro, a Comissão de Constituição e Justiça.

Kicis é uma das parlamentares investigadas pelos STF por divulgar notícias falsas, ameaças a ministros do Supremos e atos contra a democracia e as instituições brasileiros. A deputada tornou-se bastante conhecida recentemente por seus vídeos alimentando o negacionismo em relação á Covid-19, às vacinas contra o vírus letal, e contra a ciência de maneira mais ampla. A deputada chegou a parabenizar os sujeitos que protagonizaram violentos protestos em Manaus contra as medidas sanitárias para conter a proliferação da doença, poucos dias antes do completo colapso do sistema saúde no estado do Amazonas, o que levou à morte de milhares de pessoas inocentes, entre crianças, mulheres e idosos sem nenhum acesso aos tubos de oxigênio e à esperança.

Conheçamos a também a neonazista alemã Beatrix Von Storch, recebida por Kicis, Jair e Eduardo Bolsonaro com cumplicidade e pompa em Brasilia. Von Storch tornou-se conhecida por seu engajamento na extrema-direita alemã desde seus tempos de faculdade. Formada em Direito em seu país,  chegou  a trabalhar  por alguns anos como advogada, mas deixou a profissão para se dedicar à política de forma integral. A ativista neonazista chegou ao Brasil acompanhada do marido, Sven von Storch, de quem adotou o sobrenome. Sven é membro de uma família alemã com ligações nazistas que emigrou para o Chile depois da Segunda Guerra Mundial, e atua, ao lado de Beatrix, em vários movimentos da extrema-direita alemã que promovem o ódio aos refugiados, aplaudem agressões a mulheres e crianças muçulmanas, e também promovem o ódio a outras minorias, como homossexuais, negros, ciganos, e imigrantes em geral.  Os dois também estiveram envolvidos em um escândalo financeiro quando, em 2013, tornaram-se suspeitos de embolsar quase 100 mil euros doados por financiadores da extrema direita a um dos movimentos dirigidos por eles. Beatrix von Storch negou as irregularidades e disse que sacou o dinheiro para colocá-lo em um cofre como medida de “prevenção” e que usara o dinheiro dentro do movimento. Em 2013 também, Beatrix Von Storch tornou-se membro do partido Alternativa para Alemanha (AfD), que na época ainda contava com alguns membros menos radicais, que queriam apenas a volta do marco alemão como moeda nacional. Mas o partido avançou assustadoramente rumo ao ódio aos refugiados e as minorias em geral, e se transformou em poucos anos na voz dos saudosistas do nazismo e e do cheiro da morte de milhões de inocentes.

LEIA: O terror de uma extrema-direita que mata: ataques a refugiados na Alemanha e no Brasil

A chegada de Beatrix Von Storch ao partido e a sua transformação na voz dos neonazistas, vários alemães deixaram a sigla, argumentando que esse não havia sido o objetivo de sua fundação. Isso acabou radicalizando ainda mais o partido e transformando o AFD no abrigo ideal para extremistas cristãos, apoiadores do sionismo israelense, comerciantes que financiam anonimamente ataques a refugiados e homens frustrados e homofóbicos. Um membro do partido foi gravado afirmando que se “orgulhava de sua ascendência ariana” e, algum tempo depois, afirmando também que imigrantes e refugiados deveriam “ser mortos com gás”. E ele não foi o único. O hoje líder da bancada do AfD, Alexander Gauland, disse há poucos anos que os alemães deveriam “ter orgulho dos soldados que lutaram nas duas Guerras Mundiais”.

Poucos meses antes, esse mesmo colega de Beatrix , a mulher recebida por Jair Bolsonaro, seu filho Eduardo, e Bia Kicis, também provocara horror nos alemães humanistas e solidários aos refugiados ao afirmar que o jogador da seleção alemã, Jérôme Boateng, que tem origem africana, era alguém que “nenhum alemão gostaria de ter como vizinho”. Membros radicais do partido também se tornaram alvo de vigilância pelo Departamento Federal para a Proteção da Constituição (BfV, o serviço secreto interno da Alemanha) após o atentado racista contra imigrantes em Hanau, sobre o qual já escrevi aqui, e que causou a morte de dez seres humanos na Alemanha. O autor do ataque, embora não fosse membro oficial do partido, deixou uma carta em que citava várias ideias de Von Storch e seus companheiros, do ódio aos refugiados a teorias da conspiração que alegavam os europeus estavam “ desaparecendo”, o que levou o partido a ser acusado de alimentar o ódio e estimular atentados.

O AFD de Beatrix também passou a alimentar o negacionismo da pandemia de Covid e ódio às campanhas de isolamento social e vacinação, que salvaram milhares de vidas na Alemanha e no mundo.

A líder extremista tornou-se bastante conhecida na Europa também pelo passado nazista de seu avô, um ex-ministro de Hitler, o que, por si, não condenaria ninguém a ser visto como neonazista, a não ser que a própria pessoa sentisse orgulho dos assassinatos liderados pelo nazismo, e afirmasse isso direta ou indiretamente através de atitudes.

Foi exatamente o que Von Storch fez em 2016, em sua página em redes sociais, ao responder positivamente à mensagem de eleitor que lhe perguntava se os policiais alemães da fronteira “deveriam atirar em refugiados que chegassem ao país, inclusive mulheres com crianças”. A resposta da líder política causou uma imensa onda de perplexidade e indignação na Alemanha, ao mesmo tempo em que a tornaram popular entre grupos de islamofóbicos e fascistas violentos e perigosos.

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Em 2017, ela acabou sendo eleita para o parlamento alemão e hoje é uma das vice-presidentes do ADF, o partido mais repugnante, racista e vergonhoso da Europa. A deputada tem sido definida como membro da ala “cristã ultraconservadora e radical”, e afirma que a sigla é um retorno a uma “uma visão cristã da humanidade”.

Como cristã, acredito que não há nada mais hipócrita e distante da mensagem de Cristo, um homem que lutou contra a ocupação militar dos romanos na Palestina, contra o racismo e um homem que chamava os radicais religiosos e anti-humanistas de “ sepulcros caiados”, do que as atitudes e discursos de ódio de Bia Kicis e Beatrix Von Storch.

Há muito em comum entre as duas mulheres.

Ambas alimentam nas redes posições radicais a favor de Israel, hoje também governado por uma extrema direita que impõe leis de supremacia judaica contra palestinos cristãos e muçulmanos, ambas já se posicionaram a favor dos ataques de Israel aos civis em Gaza mesmo depois da morte milhares de crianças, etc.

A chegada de Beatrix von Storch ao Brasil e a forma como ela foi recebida por Bia Kicis e os Bolsonaro jamais serão a única ligação dos bolsonaristas com o nazismo. Em 2018, quando o candidato Jair Bolsonaro chegou ao mais alto cargo do executivo brasileiro, líderes de extrema- direita na Europa e a própria página do partido neonazista AFD transmitiu uma mensagem parabenizando Bolsonaro pela vitória.  Poucos anos antes, durante uma palestra em São Paulo, Abraham Weintraub, escolhido posteriormente como o ministro da Educação de Bolsonaro, utilizaria também um parágrafo inteiro de uma famoso discurso de Hitler, apenas trocando a palavra “judeu” por ” comunista”:

” Os comunistas são o topo do país. Eles são o topo das organizações financeiras; eles são os donos dos jornais; eles são os donos das grandes empresas; eles são os donos dos monopólios…” (Adilf Hitler em Berlim, em 1930, diante de milhões de apoiadores do nazismo, afirmara: Os judeus são o topo do país. Eles são o topo das organizações financeiras; eles são os donos dos jornais; eles são os donos das grandes empresas; eles são os donos dos monopólios…”

Descoberta a sua inesperada identificação com o discurso nazista,  Weintraub se recusou a falar sobre o assunto, e permaneceu em um dos cargos mais importantes do governo de qualquer nação: o de ministro da educação, até pedir demissão e fugir para os EUA para evitar responder judicialmente por seus atos como ministro.

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O próprio slogan da campanha de Jair Bolsonaro e de seus apoiadores, como a deputada Bia Kicis, eleita para o parlamento brasileiro, “ Brasil acima de tudo”, é inspirado claramente no slogan utilizado por Hitler em 1933, o “Alemanha acima de tudo”.  Sim, um dos um dos slogans mais repetidos pelos nazistas na década de 1930 era “Deutschland über alles”.

Muitos anos antes de ser eleito presidente do maior país da América Latina, Jair Bolsonaro apareceu em uma foto emblemática aqui no Rio ao lado de um “sósia” de Hitler após audiência na Câmara dos Vereadores. A audiência havia sido convocada para debater o projeto “Escola Sem Partido”, defendido pelo então deputado Bolsonaro, que afirmara que as escolas estavam doutrinando seus alunos a “pensarem como a esquerda”, ou seja, a defenderem as minorias, os direitos das mulheres, os direitos dos negros ás cotas universitárias, etc.

O então deputado tiraria inúmeras fotos com Marco Antônio Santos, o “Hitler” daquela tarde pitoresca, que só foi impedido de discursar no parlamento carioca por estar vestido como o líder nazista, mas que sorria e repetia continuamente enquanto repetia slogans do fascismo e era aplaudido pelo futuro presidente do meu país.

 

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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