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Dois meses após as bombas de Israel, Gaza ainda vive o trauma

Fatima Shamaly, de quatro anos de idade, em meio aos escombros de uma oficina de música na Faixa de Gaza [Christopher Furlong/Getty Images]

Uma família de quatro filhos, duas filhas e ambos os pais está desabrigada desde 12 de maio, quando seu apartamento foi destruído por um ataque aéreo israelense contra uma torre residencial de seis andares, no bairro de Al Nasr, na região norte da Cidade de Gaza. Raed Subaih, de 45 anos, patriarca da família, relatou: “Sinto como se fôssemos mendigos quando juntamos o aluguel para nossa casa temporária”.

O lar provisório da família não é longe afinal — “mas está em péssimas condições”. Raed recebeu US$2 mil do governo de Gaza logo após seu apartamento ser destruído. “Conseguimos arcar apenas com alguns itens básicos, como colchões, cobertores e aparatos de cozinha”, constatou Raed. “Contudo, a destruição de nossa casa não foi apenas material. Sim, perdemos nosso lar, nossos documentos, nossos móveis, mas tudo isso pode ser substituído, apesar de devagar e com enorme sofrimento. Nossas memórias, no entanto, nossos momentos felizes, são insubstituíveis. A dor e o trauma não podem ser apagados”.

Mortos em Gaza por ataques de Israel continuam a aumentar [Sabaaneh/Monitor do Oriente Médio]

Mortos em Gaza por ataques de Israel continuam a aumentar [Sabaaneh/Monitor do Oriente Médio]

Como os outros residentes do edifício devastado em 12 de maio, Raed recebeu um telefonema de agentes da inteligência israelense para ordená-lo a deixar sua casa com apenas dez minutos de vantagem, pois seria bombardeada. Não concederam nenhum motivo para tanto, somente insistiram em evacuar o prédio de imediato.

Cada um dos seis andares tinha dois apartamentos; dez famílias viviam pacificamente no edifício até Israel torná-las sem-teto. As famílias, como centenas de outras famílias que perderam seus lares para bombas israelenses, lutam agora para arcar com o aluguel e provisões de suas acomodações temporárias. Aqueles que não podem pagar para morar foram transferidos a tendas provisórias ou acolhidos por parentes.

“Nosso lar foi destruído na véspera do Eid al-Fitr [feriado islâmico do fim do Ramadã]”, conta Raed. “Gostaria de reconstruí-lo antes do Eid al-Adha, mas parece que teremos de celebrá-lo aqui, em nossa casa temporária”. Raed relatou que sua família instalou uma tenda perto das ruínas de seu antigo prédio, onde recebem convidados.

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O massacre israelense durou dez dias e dez noites, entre 11 e 21 de maio. Quase 1.500 famílias tiveram suas casas destruídas ou severamente danificadas. Outras 13 mil famílias vivem em estruturas que demandam reparos urgentes para torná-las minimamente habitáveis, mas são incapazes de fazê-lo devido ao bloqueio israelense a Gaza, que gera uma enorme escassez de itens de construção civil. Enquanto isso, Raed tenta resgatar o que pode das ruínas de seu apartamento, ao remover pouco a pouco os escombros.

As estradas que cortam Gaza permanecem congestionadas. O Eid al-Adha se aproxima e as ruas e mercados lotados podem até sugerir certa alegria e prosperidade. A realidade, no entanto, é que os palestinos de Gaza vagam pelas ruas para passar o tempo; olham as vitrines e não compram. A miséria é ascendente.

Na última semana, Israel anunciou uma “atenuação” ao cerco e permitiu que roupas e outros bens entrassem em Gaza, após meses de apreensão arbitrária nos portos israelenses. Segundo Ahmed Selmi, comerciante de roupas na Cidade de Gaza, este Eid é muito diferente. “Muitos de nossos residentes ainda sofrem com a ofensiva de Israel. Seu poder de compra é baixíssimo, então, mesmo que alguns itens entrem no território, o negócio anda mal”.

O parlamentar palestino Jamal al-Khodari corroborou que o fechamento das travessias de fronteira impôs enormes perdas à economia de Gaza. Noventa porcento das fábricas foram fechadas e o desemprego decolou a 60% dos trabalhadores.

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Com a escassez crônica de renda, reiterou Ahmed Habboush, dono de uma loja no bazar al-Zawiyeh, o mais popular de Gaza, as pessoas não conseguem comprar absolutamente nada. Alguns comerciantes ergueram tendas para exibir seus produtos, mas sem sucesso. A terrível situação econômica afeta a todos.

O impacto médico e psicológico da ofensiva israelense também é presente, além do impacto material da perda de casas e estruturas necessárias ao cotidiano. Dois meses após os dez dias de ataques israelenses contra o território palestino sitiado, todos esses fatores prevalecem responsáveis pelo trauma brutal que muitos palestinos vivenciam dia após dia. A tragédia é que ainda não podem enxergar uma luz no fim do vasto túnel ao qual Israel os atirou.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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