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Milícia síria culpada por crimes de guerra é financiada por ONG francesa, diz relatório

11 de junho de 2021, às 16h48

Fumaça sobe depois de ataques aéreos realizados pelo regime de Assad em Damasco, Síria, em 12 de julho de 2017 [Ammar el Bushy/Agência Anadolu]

Uma ONG francesa com laços estreitos com a extrema-direita e as forças armadas do país provou ainda mais que financiou diretamente uma milícia pró-Assad na Síria, acusada de cometer numerosos crimes de guerra, de acordo com uma investigação da revista Newlines, sediada em Washington.

A grande quantidade de evidências coletadas pela investigação – que inclui documentos vazados, um rastro de dinheiro e testemunhos confidenciais de denunciantes – mostra que a ONG chamada SOS Chrétiens d’Orient (SOSCO) conduziu e continua a conduzir esforços de arrecadação de fundos para as milícias pró-Assad desde 2014.

De acordo com o relatório, centenas de milhares de euros foram enviados anualmente pela SOSCO à Síria, que contornou as sanções internacionais ao regime transitando o dinheiro através de instituições financeiras intermediárias situadas no Iraque e no Líbano, onde a ONG também tem escritórios.

Enquanto coletava fundos na França de doadores desconhecidos, que supostamente acreditavam estar doando para projetos como hospitais na Síria, o dinheiro ia de fato para a famigerada milícia cristã conhecida como Forças de Defesa Nacional (NDF), que opera em coordenação com o regime.

Nessa sombria campanha de financiamento, a SOSCO teria doado cerca de 46 mil euros (56 mil dólares) em dinheiro a Simon Al-Wakil, comandante da milícia com sede na cidade predominantemente cristã de Mhardeh, na província de Hama.

A Dra. Samira Mobaied, que atua como vice-presidente da Syrian Christians for Peace, disse à revista: “Seguimos o dinheiro para um hospital, por exemplo, para o qual a SOSCO alegou estar arrecadando dinheiro na França, apenas para descobrir que muito pouco dinheiro ou equipamento foram recebidos”.

A ONG foi bem sucedida em manter suas campanhas e suporte, ela acrescentou, porque “A narrativa política era que Assad protegia minorias, e esta era uma narrativa forte”.

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Essa percepção foi propagada há muito tempo pelo regime e seus apoiadores, e conseguiu ganhar sua legitimidade entre alguns partidos do Ocidente. Seus críticos, entretanto, sustentam que o regime e seus serviços de inteligência não excluem os cristãos da prisão, detenção e tortura que são realizadas regularmente.

Comandantes de milícias como Al-Wakil também foram acusados de cometer numerosos crimes de guerra durante toda a década de conflito em curso na Síria.

Esta não é a primeira vez que a SOSCO foi implicada em controvérsia política, pois foi considerada como parte de uma rede de grupos supremacistas brancos de extrema-direita que operam na Europa e na França em particular.

Isso foi comprovado em abril quando a representante dos EUA e presidente do Comitê de Segurança Nacional da Casa Elissa Slotkin, que escreveu uma carta ao Secretário de Estado Antony Blinken pedindo para designar a SOSCO como um dos grupos supremacistas brancos violentos no exterior que correspondem “aos critérios necessários como Organizações Terroristas Estrangeiras”.

Enquanto isso, até o ano passado, a ONG foi designada pelo Ministério da Defesa da França como um “parceiro”. Sendo a única organização que trabalhou no Oriente Médio com esse status de 2015 a 2020, ela operava no mesmo nível de importância que as empresas de defesa de alta tecnologia antes de ser removida sem razão clara.

Embora organizações como a Mediapart e a Bellingcat no ano passado tentassem provar ainda mais a relação da SOSCO com as milícias, não havia provas suficientes para fazê-lo e ela não podia ser processada sob a lei francesa. Com esta última investigação, no entanto, a trilha documentada do dinheiro aparentemente atende ao limiar da legislação francesa de delitos passíveis de processo judicial.

O advogado de direitos humanos Laurence Greig, sediado em Paris, disse à revista: “A ligação financeira é fundamental. É a ‘arma fumegante’, a prova que liga a SOSCO ao dinheiro dado à milícia”. Ele destacou que “começariam por apresentar a queixa em juízo contra a SOSCO. A milícia síria pode ser processada à revelia. Temos o suficiente para abrir uma investigação contra eles”.

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