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Reconciliação Turquia-Egito não será às custas da oposição egípcia

Protesto massivo da sociedade civil contra detenções ilegais conduzidas pelo regime egípcio do presidente e general Abdel Fattah el-Sisi, apó uma noite de orações na Mesquita de Fatih, em Istambul, Turquia, 10 de dezembro de 2019 [İslam Yakut/Agência Anadolu]
Protesto massivo da sociedade civil contra detenções ilegais conduzidas pelo regime egípcio do presidente e general Abdel Fattah el-Sisi, apó uma noite de orações na Mesquita de Fatih, em Istambul, Turquia, 10 de dezembro de 2019 [İslam Yakut/Agência Anadolu]

Turquia e Egito deram início a dois dias de “consultas políticas” na quarta-feira (5) com o objetivo de restaurar seu relacionamento. Ambas as delegações foram lideradas em nível de vice-chancelaria, com Sedat Önal como chefe da equipe turca e Hamdi Loza do lado egípcio, ao descrever as conversas como “exploratórias”.

Segundo informações, os Ministérios de Relações Exteriores dos dois países relataram buscar “passos necessários para a normalização de relações bilaterais e no contexto regional”. A iniciativa de consultas veio à tona apenas alguns dias após o chanceler turco Mevlut Cavusoglu conversar com sua contraparte egípcia Sameh Shoukry por telefone.

As relações entre Ancara e Cairo foram paralisadas após o golpe militar de 2013, que depôs Mohamed Morsi, primeiro presidente democraticamente eleito do Egito, e levou ao poder o general Abdel Fattah el-Sisi. A Turquia também condenou veementemente a brutal repressão contra manifestantes contrários ao golpe, que deixou milhares de mortos nas mãos das forças de segurança do regime egípcio, além de dezenas de milhares de feridos. O número de prisioneiros políticos resultante da repressão é estimado em torno de 60 mil pessoas — “mas coletar tal informação é extremamente difícil”, destacou a Anistia Internacional neste ano.

Em resposta ao forte apoio da Turquia à oposição egípcia, incluindo membros da Irmandade Muçulmana e figuras progressistas, o Cairo expulsou o embaixador turco do país. Ancara então rebaixou os laços com o estado norte-africano.

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Outra questão que levou ao aumento das hostilidades entre as partes foi o apoio turco ao governo líbio reconhecido internacionalmente, com sede em Trípoli, contra o general renegado Khalifa Haftar, com base em Tobruk e apoio do Cairo. Disputas marítimas no Mediterrâneo Oriental também emergiram e levaram o regime egípcio a aliar-se à Grécia contra a Turquia. Inevitavelmente, dado o apoio saudita ao regime de Sisi, o assassinato do jornalista Jamal Khashoggi dentro do Consulado da Arábia Saudita em Istambul e o bloqueio liderado por Riad ao Catar, aliado de Ancara, a ruptura entre os países se agravou ainda mais.

Contudo, apesar de questões políticas e diplomáticas, as relações econômicas aparentemente prosseguiram como de costume. De fato, segundo observadores egípcios, o comércio aumentou entre as partes, conforme produtos turcos de alta qualidade sob baixo preço passaram a ocupar as prateleiras dos mercados egípcios.

Os esforços para restaurar laços tiveram início no último ano, à medida que Ancara e Cairo sentiam os efeitos globais sobre pautas regionais. Há algum tempo, a Turquia percebeu a necessidade de reduzir o número de inimigos, a fim de obter êxito em sua política externa. Sobretudo, o fato de ambos possuírem vastas costas marítimas no Mediterrâneo, com grande potencial de exploração de gás natural, resultou na busca por reconciliação.

Em 12 de março, o Presidente da Turquia Recep Tayyip Erdogan revelou que os dois regimes buscaram estimular contatos recentes no âmbito de inteligência, diplomacia e economia. Ao mesmo tempo, Erdogan afirmou ter esperanças de laços “fortes” com o Egito.

Protesto em frente ao consulado egípcio em Istambul, Turquia, 2 de março de 2019 [Ozan Kose/AFP/Getty Images]

Protesto em frente ao consulado egípcio em Istambul, Turquia, 2 de março de 2019 [Ozan Kose/AFP/Getty Images]

Desta forma, sinais positivos ressurgiram de ambas as capitais. O governo turco pediu a emissoras de televisão via satélite, sediadas em Istambul e ligadas à oposição egípcia, que diminuíssem o tom de suas críticas à política do Cairo. Imediatamente, assim fizeram. A medida foi logo elogiada pelo regime de Sisi como “boa iniciativa do lado turco para estabelecer uma atmosfera favorável e debater disputas entre as duas nações”.

Simultaneamente, o novo governo líbio fortaleceu laços com Turquia e Egito e distanciou-se cada vez mais de Haftar. Nesta semana, o ex-oficial egípcio Hussein Haridi alegou à rede Al Jazeera que o Cairo somente envolveu-se na Líbia em “apoio a resoluções do Conselho de Segurança da ONU”.

Além disso, o Egito anunciou recentemente que busca contratos para exploração de hidrocarbonetos no Mediterrâneo Oriental ao reconhecer a zona econômica exclusiva (ZEE) demarcada pela Turquia. Ancara crê que esta medida, que sobrepõe a narrativa turca sobre fronteiras marítimas à posição de Atenas, é um sinal positivo para normalizar relações. O chanceler Cavusoglu disse até mesmo que a Turquia pode negociar um acordo de demarcação marítima diretamente com o Egito.

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Parece não haver dúvidas, portanto, de que a disputa bilateral está prestes a ficar no passado. O Egito não está sozinho nesta nova fase de relações regionais. Segundo a rede Bloomberg, Emirados Árabes Unidos e Arábia Saudita também buscam restaurar o relacionamento com a Turquia para ampliar o comércio e a cooperação militar na região.

Entretanto, há ainda quem pergunte como Ancara pode tornar-se amiga do Cairo à medida que este continua a reprimir opositores e dissidentes que eventualmente criticam o regime Sisi, incluindo antigos aliados da Irmandade Muçulmana. Alguns observadores chegaram a sugerir que a Turquia pode entregar indivíduos às autoridades egípcias.

“A Turquia lida com o Egito como estado, não como regime ou partido político”, argumentou o jornalista turco Hamza Takin. “Desta forma, a questão da oposição jamais chegará à mesa de negociações”.

Jornalistas do Egito, não obstante, relataram a mim que ambos os povos já são próximos e agora é a vez dos políticos. A elite turca estará pronta para sacrificar membros da oposição egípcia residentes na Turquia para angariar sua reconciliação com o Cairo? Em entrevista à Al Jazeera, Ashraf Abdel Ghaffar, proeminente membro da Irmandade Muçulmana, foi enfático: “A resposta é não”. Segundo Ghaffar, grupos da oposição egípcia na Turquia, que abrangem progressistas e islamistas, foram assegurados recentemente de que os esforços para melhorar relações com o Cairo não virão às suas custas.

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As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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