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Washington protege Israel de acusações de apartheid e a si próprio como cúmplice

Forças israelenses no posto de controle de Qalandiya impedem a passagem de fiéis que desejam participar da primeira oração de sexta-feira do Ramadã na Mesquita de Al-Aqsa, em Jerusalém ocupada, 16 de abril de 2021 [Issam Rimawi/Agência Anadolu]
Forças israelenses no posto de controle de Qalandiya impedem a passagem de fiéis que desejam participar da primeira oração de sexta-feira do Ramadã na Mesquita de Al-Aqsa, em Jerusalém ocupada, 16 de abril de 2021 [Issam Rimawi/Agência Anadolu]

Os palestinos mencionam o apartheid ao referir-se a Israel muito antes da ong B’Tselem adotar o termo. Agora, é a vez do Human Rights Watch (HRW) — correto, embora tardio — acusar Israel de apartheid em seu último relatório intitulado A Threshold Crossed: Israeli Authorities and the Crimes of Apartheid and Persecution (Um limite violado: Autoridades israelenses e os crimes de apartheid e perseguição, em tradução livre). Também tardio, embora bem vindo, é seu reconhecimento de que a natureza “temporária” da ocupação militar de Israel sobre a Palestina não é mais uma descrição precisa da colonização em curso ainda ignorada pela comunidade internacional.

O HRW afirma que a definição de apartheid decorre não de comparações com a África do Sul, mas sim no próprio conceito de violência sistemática com propósito de mudança demográfica, via opressão e controle do povo palestino. “Quando esses três elementos coincidem, equivalem ao crime de apartheid”.

Um porta-voz do Departamento de Estado dos Estados Unidos anunciou o rechaço do governo do presidente Joe Biden sobre o relatório. “Não é o ponto de vista desta administração que as ações de Israel constituem apartheid”, declarou o oficial americano — sem surpresa alguma. O departamento certamente deseja proteger seu estado-cliente da alegação gravíssima de perpetrar apartheid, além de defender a si mesmo de acusações de cumplicidade.

Israel, é claro, não está nada satisfeito com o renovado escrutínio sobre seus atos e políticas. Com uma investigação pendente no Tribunal Penal Internacional (TPI), a qual rejeita o premiê Benjamin Netanyahu, e com as acusações de apartheid da ong israelense B’Tselem, em janeiro — que representam uma denúncia interna, por assim dizer —, a fachada democrática que tanto serviu ao estado colonial perante a comunidade internacional começa a rachar.

O quão profundo será o impacto deste novo contexto ainda é incerto. A dualidade de descrever Israel como estado de apartheid e simultaneamente enfatizar sua legitimidade carrega uma contradição que intensifica de fato os avanços do empreendimento colonial sionista. O mesmo vale para a concessão de dois estados, que facilitou o próprio apartheid israelense ao deslocar o fardo da resolução aos palestinos oprimidos, e não a seu colonizador.

LEIA: Descoberta de apartheid de Israel pela HRW aproxima justiça para os palestinos

De modo bastante previsível, o Ministério de Relações Exteriores da ocupação acusou o HRW de impor uma agenda anti-Israel, a mesma alegação infundida contra a Organização das Nações Unidas e suas instituições, apesar da própria entidade internacional ter exercido um papel central na aquiescência da colonização da Palestina. “As alegações ficcionais fabricadas pelo HRW são tanto absurdas quanto falsas”, alegou a chancelaria.

Contudo, descrever o programa do Human Rights Watch como anti-Israel é o verdadeiro absurdo. Muitas organizações de direitos humanos, inclusive o HRW, acostumaram-se a conceder a Israel o benefício da dúvida, ao transpor o ônus da culpa aos palestinos e utilizar termos como “conflito” para evadir-se da realidade colonial e sua consequente violência perpetrada por um estado nuclear contra civis. A narrativa de “segurança” e “autodefesa” de Israel, afinal, é tão vastamente promovida pela ONU e líderes globais ao ponto de servir de álibi a quase qualquer crítica. Além disso, a narrativa israelense permitiu à ocupação blindar-se de acusações de crimes de guerra e apartheid por décadas, devido à insistência de países e instituições em preservar a “legitimidade” do estado sionista, apesar de seu flagrante desprezo pelas leis e convenções internacionais.

A abordagem do Presidente dos Estados Unidos Joe Biden às práticas de apartheid de Israel é bastante expressiva, sobretudo ao desmascarar a retórica de Washington sobre direitos iguais entre palestinos e israelenses. Há apenas algumas semanas, o Secretário de Estado Antony Blinken exortou a retificação desta postura, dentro do paradigma de dois estados, que tanto contribuiu para entrincheirar o sistema discriminatório israelense.

A expectativa compartilhada entre Tel Aviv e Washington é que Israel continue a cometer seus crimes de apartheid e outros enquanto a comunidade internacional os normaliza e os aceita. Considerando a ajuda militar concedida pelos Estados Unidos — isto é, US$3 bilhões ao ano —, é evidente que Biden e seus sucessores escolherão alterar a própria legislação americana, que proíbe o envio de recursos a países responsáveis por violações de direitos humanos, ao invés de admitir um fato documentado: Israel é um estado de apartheid.

Palestinos protestam contra o apartheid israelense na cidade de Hebron (Al Khalil), na Cisjordânia ocupada, 14 de setembro de 2012 [Mamoun Wazwaz/Apaimages]

Palestinos protestam contra o apartheid israelense na cidade de Hebron (Al Khalil), na Cisjordânia ocupada, 14 de setembro de 2012 [Mamoun Wazwaz/Apaimages]

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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