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Quinze lições que a pandemia pode nos ensinar

Ao menos 50 voluntários trabalham diariamente somente na triagem de roupas doadas no ginásio Tesourinha. Em 19 de novembro de 2021, Porto Alegre, RS | [Caroline Ferraz/Sul21]
19/10/2015 - PORTO ALEGRE, RS, BRASIL - Doações aos desabrigados lota ginásio Tesourinha e surpreende pela agilidade | Foto: Caroline Ferraz/Sul21

Há muito tempo a Humanidade não é atingida por uma calamidade sanitária tal qual a pandemia do coronavírus que varre o mundo hoje. É uma catástrofe global de dimensões nunca antes vistas. A sua disseminação foi facilitada pelo progresso fabuloso nos meios de transporte entre países e continentes. Desgraça, tragédia, grande cataclisma, mortandade galopante; não faltam substantivos e nem adjetivos para descrever e qualificar o que estamos vivendo desde o advento da covid-19. O mundo foi obrigado a lidar com as medidas de quarentena e isolamento social, com todas as consequências que estas medidas necessárias acarretam. E desde que o mundo foi afligido por esta pandemia, as discussões e os debates não cessam. Acalorados debates têm tido lugar em todo o canto. Mas podemos ter certeza de alguma coisa quando falamos desta pandemia? Há algo a ser aprendido com toda esta catástrofe? De fato, há muito o que ser aprendido, basta, para isso, termos a humildade e a sabedoria necessárias. Vamos ventilar esta idéia em quinze lições possíveis:

1) O poder político tem a primordial influência sobre a condução das medidas de combate à pandemia. Temos exemplos de países cujos governos foram sensatos no manejo das questões e medidas relacionadas à pandemia, como a Nova Zelândia. Nestes casos, o prejuízo causado pela pandemia foi mínimo. Por outro lado, temos países, como o Brasil, cujas lideranças políticas lidaram com a pandemia de uma forma irresponsável, provocando discussões e debates, fomentando intrigas e estimulando a população a não aderir às medidas preventivas de distanciamento social.

2) O oportunismo político pode ter trágicas consequências sobre os destinos da pandemia. A falta de um compromisso político ético pode agravar em muito os catastróficos desdobramentos da pandemia. Infelizmente, alguns políticos têm sido insensíveis ao sofrimento das populações neste momento de tragédia sanitária. Muitas das medidas políticas são motivadas por interesses eleitoreiros e são eivadas de um oportunismo leviano e irresponsável.

3) A importância da presença de pessoas capacitadas, nas horas de crise e tragédia, faz-se sentir de uma forma mais intensa do que nas horas de normalidade. Tanto nas esferas política e administrativa, quanto nas esferas científica e de saúde, a presença das pessoas capacitadas e preparadas nos cargos e postos de tomada de decisão tem um peso crucial no adequado e bem-sucedido enfrentamento da crise. Da mesma forma, a presença de pessoas despreparadas e incapazes traz sombrias consequências para as populações.

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4) A pandemia mostrou que o mundo é muito mais unido do que poderíamos supor. Esta tragédia global ultrapassou fronteiras, uniu inimigos, acabou com diferenças étnicas, culturais e nacionais. O choque de civilizações e os conflitos internacionais saíram de foco para que a pandemia roube todos os focos e atenções. E o que mais surpreendeu foi a força com que a pandemia afligiu países que teoricamente estariam mais preparados para uma tragédia sanitária de tais dimensões; as ditas nações de primeiro mundo, como as da Europa e os Estados Unidos mostraram-se muito mais frágeis e vulneráveis do que a mais pessimista das pessoas poderia supor.

5) As doenças infecto-contagiosas voltaram a estar em foco. Depois que o mundo tinha achado que já havia controlado as doenças e infecciosas e as epidemias, e depois que o grosso do esforço dos institutos de pesquisa médicos e científicos vinha sendo focado somente para doenças cardiovasculares e neoplásicas, este advento assolador do coronavírus mostrou a necessidade urgente e premente do mundo em voltar a dar atenção e enfoque às pesquisas nas na área de moléstias infecciosas. Investir em medidas sanitárias e terapêuticas na área de infectologia faz-se muito necessário. Certamente, os planejadores de medicina social e preventiva e os tomadores de decisão na área da saúde devem mudar a sua visão e enfoque. A pandemia mostrou o quanto o mundo está despreparado para lidar com agentes infecciosos com grande potencial epidêmico.

6) As épocas de crise voltam a definir as prioridades e revelam o que é mais importante para a Humanidade. Estas épocas mostram o que é importante e o que é supérfluo e dispensável. Certamente, investir em saúde e educação não é nada supérfluo e dispensável. Em contrapartida, será que todo o investimento que a Humanidade estava destinando a áreas recreativas e de lazer, será que é tão necessário assim? Não está na hora de redefinirmos as prioridades? Não está mais do que na hora de sermos mais generosos em investimentos em saúde e educação, ao mesmo tempo sermos mais frugais e comedidos em destinar recursos a eventos recreativos de esporte e lazer? Na hora do aperto, um médico faz-se muito mais importante do que um jogador de futebol, e uma enfermeira tem muito mais serventia que um cantor. A Humanidade precisa repensar seus critérios de mérito e honrar quem merece.

7) O nível educacional e de consciência de toda uma população tem papel definitivo e crucial no impacto da pandemia. Quanto maior o nível educacional e cultural de uma população, maior é o grau de sua aderência às medidas preventivas de combate à pandemia. Por isso, o investimento na educação não é nenhum luxo; é uma necessidade extrema e indispensável. Negligenciar a educação do povo traz consequências catastróficas e piora o sofrimento nas épocas de crise.

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8) O papel da mídia e dos meios de comunicação em massa pode trazer enormes benefícios na conscientização e educação da população; ao mesmo tempo, o uso inadequado da mídia e dos meios de comunicação em massa, pode piorar enormemente a situação ao divulgar informações equivocadas ou omitir-se no seu papel. A questão das “fakenews” pode tomar proporções assustadoras na mídia alternativa das redes sociais. Todo o cuidado é pouco ao aceitar as informações divulgadas na mídia das redes sociais.

9) As crises econômicas decorrentes do isolamento social e das quarentenas são um efeito colateral inevitável; no entanto, os prejuízos em vidas humanas e em sofrimento é muito maior com a manutenção da circulação normal de pessoas. É preciso sempre colocar em primeiro lugar as vidas das pessoas. Os detentores de capital devem assumir a sua responsabilidade e abrir mão um pouco da sua gana em lucrar a todo custo. Humanizar-se e solidarizar-se tornam-se palavras de ordem.

10) A conta da crise econômica decorrente da pandemia foi e está sendo paga pelos menos favorecidos economicamente (as classes pobre e média); os ricos nunca lucraram tanto. Este agravamento das desigualdades sociais terá, sem dúvida, efeitos desastrosos sobre toda a estrutura social. O avanço da miséria, das doenças, e das mazelas trará sofrimento cada vez maior a todos os menos favorecidos. Algo precisa ser feito pelos detentores do poder e pelos líderes de opinião para evitar este desequilíbrio assustador na balança social. Se nada for feito para deter a desigualdade, tempos piores virão.

11) Com toda a dor, o sofrimento e perdas que as épocas de crise e catástrofes trazem, elas podem ser uma oportunidade de crescimento em outros sentidos e âmbitos. Você pode achar que na quarentena você está preso em casa e impedido de circular, mas pode encarar isso como uma forma de adquirir novos conhecimentos ao aproveitar o tempo livre no lar para ler, estudar e exercitar a mente. Você pode ler aquelas obras que sempre queria ler, mas que a correria do dia-a-dia impedia que o fizesse. E se você for daqueles que nunca cultivaram o hábito da leitura, a quarentena é uma excelente oportunidade para começar a cultivar este nobre e benéfico hábito.

12) Com as restrições às viagens e ao turismo, a pandemia pode ser uma excelente oportunidade para fazer um outro tipo de viagem e realizar um outro tipo de jornada, que podem ser muito mais interessantes do que pegar avião, ônibus, trem ou cruzeiro marítimo; viajar para o interior da nossa alma, cultivar a espiritualidade, eis uma jornada que a restrição ao lar pode nos oferecer.

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13) Cultivar o aconchego do lar, fortalecer os laços familiares, dar maior atenção aos entes queridos, eis algo que a correria e os afazeres na era pré-pandemia nos impediam de fazer de uma forma adequada. Agora, com a brutal diminuição da circulação e com a prolongada estadia no lar, podemos esforçar-nos cada vez mais em dar atenção e carinho aos nossos pais, filhos, cônjuges, avós, irmãos, e todos aqueles que significam muito para nós.

14) O charlatanismo aproveita-se sempre da fragilidade e fraqueza humanas para lucrar e promover-se, na pandemia não é diferente; muito cuidado com impostores e charlatães que oferecem supostas curas milagrosas! Além de não passarem de enganadores e patifes, são verdadeiros criminosos que merecem ser punidos exemplarmente ao contribuir para o agravamento da pandemia ao desinformar e ludibriar as pessoas.

15) A Ciência tem o evidente papel de destaque na condução e manejo da pandemia; no entanto o poder político acaba sobrepujando-se sobre a Ciência, uma vez que o financiamento de pesquisas e as decisões sanitárias dependem eminentemente da vontade política. Por isso, em regimes democráticos, a escolha dos governantes deve levar em consideração o nível intelectual e moral dos candidatos. Governantes com déficits intelectuais e com uma formação moral frouxa e relativizante podem ser uma catástrofe maior do que a própria pandemia devido às suas atitudes broncas e grosseiras em menosprezar a ciência, a cultura, o conhecimento e os bons modos. O governante não precisa ser perfeito, mas ele precisa possuir uma formação intelectual e moral básica para o bem dos seus governados. Nunca a má escolha que os eleitores fazem nos regimes democráticos tiveram efeitos tão perniciosos. Os desmandos dos governos norte-americano e brasileiro, comandados por dois presidentes populistas e de questionável nível intelectual e moral, têm levado Estados Unidos e Brasil a crises sanitária e política sem precedentes em toda a História.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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