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Quem é e o que pensa uma defensora da Palestina no parlamento mexicano

Entrevista com a deputada Maria Eugenia
Deputada mexicana Maria Eugênia [Arquivo pessoal]
Deputada mexicana Maria Eugênia [Arquivo pessoal]

Diversos parlamentares da América Latina têm se organizado internacionalmente para reforçar a solidariedade ao povo palestino, adotando iniciativas coordenadas nos parlamentos e pressionando a comunidade internacional a agir. Entre essas vozes, está a deputada mexicana Maria Eugênia, que defende a adoção de posições oficiais pelo México, hoje governado por seu partido, para cobrar a ONU a fazer valer o direito internacional e combater o sionismo como um sistema racista. Nesta entrevista ao Monitor do Oriente Mèdio, Maria Eugênia e mostra sua visão das políticas em curso no atual governo frente às urgências do país – como o enfrentamento da pandemia e o atendimento à populações indígenas – e sua expectativa de que as pressões nos países leve a comunidade internacional a barrar o avanço da ocupação israelense.

O partido do qual a senhora faz parte, Morena (Movimento Regeneração Nacional), é novo, tem apenas 9 anos e conseguiu conquistar a presidência do México e várias cadeiras no parlamento. Como isso foi possível?

Foi possível porque antes, em 2012, no México, iniciamos um trabalho de ir de casa em casa, para convencer a população de que tínhamos de mudar a situação e de que já tínhamos um líder de bastante destaque, Andrés Manuel Lopez Obrador. Mobilizamos os cidadãos mexicanos a apoiar este projeto, convencendo na prática de que tínhamos de organizar-nos para realizar essa transformação. Não foi fácil, nos custou anos.

A senhora era professora, como chegou na política?

Tenho formação em estudos latino-americanos pela Faculdade de Filosofia e Letras e essa é uma carreira de estudos interdisciplinares. Lecionei por 33 anos em todos os lugares, foi uma grande estrada, em nível público, particular e no sistema aberto, o que me permitiu dialogar com jovens de 15, 18, até 20 e poucos anos. Esse diálogo se deu a partir de áreas como filosofia, ciências políticas, literatura. Todas são maneiras que me permitiram criar consciência entre os jovens, como cidadãos latino-americanos.

Segundo relatório da ONU, o México possui uma população indígena com cerca de 17 milhões de pessoas. Quais são os projetos do seu governo relacionados a eles?

No México, nós já conseguimos melhorar a proteção dos povos indígenas através do Instituto Nacional dos Povos Indígenas. A política do governo de López Obrador tem sido a de restaurar os direitos desses povos indígenas que foram esquecidos. Portanto, é uma política de reconhecimento e perdão, pedir perdão aos grupos que foram escravizados pelo governo de Porfirio Diaz. Lopez Obrador está criando um documento para o estado pedir perdão a todos os grupos e povos originários que foram agredidos e prejudicados. Estamos tratando de criar mais iniciativas para que se reconheça, por exemplo, que os povos originários têm muito conhecimento em relação à medicina tradicional, à medicina de plantas que são sagradas, às plantas curativas. Estamos aqui nessa luta por reconhecimento. E estamos lutando para que não se diminua o recurso e o apoio dado à Casa da Mulher Indígena, pois fez parte da Comissão de Igualdade de Gênero e as indígenas devem ter direitos respeitados e proteção contra a violência doméstica, especialmente durante a pandemia.

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Deputada Maria Eugênia e equipe durante trabalho comunitário em seu distrito [ Arquivo pessoal]

Deputada Maria Eugênia e equipe durante trabalho comunitário em seu distrito [ Arquivo pessoal]

O México se queixa de ataques cibernéticos e alega prejuízos à economia e ao mercado. Como seu governo está lidando com isso?

O México está tratando do assunto através da Secretaria de Segurança, implementando projetos e programas sobre cibersegurança, em conformidade com a Secretaria e a Comissão de Ciências e Tecnologia. Estamos iinserindo a cibersegurança fna estratégia de segurança nacional. É um tema muito importante precisamente porque houve ataques contra essa infraestrutura crítica, causando prejuízos. Imagine que sejam atacado, por exemplo, todos os arquivos digitais do Instituto Nacional Eleitoral, onde estão as informações de todos os cidadãos maiores de dezoito anos? Por isso, seguimos propondo não apenas esse projeto de lei, mas também falando de soberania digital no México, que já faz parte da Convenção de Budapeste.. Acreditamos que a cibersegurança é um problema mundial e que cada nação tem de fazer sua parte para resguardar os dados de cidadania.

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Suas posições também causam polêmica, como o projeto para permitir que animais regressem aos circos condenado por ambientalistas e defensores dos animais. Qual sua justificativa para esse projeto?

Eu busco escutar todas as vozes.. Os profissionais de circo foram muito afetados pelo decreto de proibição de animais. Muitos desses animais foram transferidos para zoológicos e, ali, morreram de fome, outros foram destinados a colecionadores particulares, outros saíram do país, o que implica que há um prejuízo para esse setor, e com isso só conseguiram acabar com uma atividade popular. Quero que isso seja levado a um debate, levado ao parlamento. Não escutaram as vozes de ambas as partes. Concordo com as sociedades protetoras e quero proteger os animais, mas há também uma obrigação moral para acompanhar o destino destes animais. O que se passou com esses animais, não poucos, foi corrupção pois houve quem se enriqueceu com essa iniciativa. Então, o que eu propus esse projeto de lei apenas escutar as vozes, para que ambas as partes pudessem apresentar seus prós e contras.

O México entrou para a amarga lista de 3° lugar no mundo com mais mortes provocadas pelo coronavírus, o que o governo fez para contê-las?

O governo da chamada Quarta Transformação (prometida por Obrador ao se eleger, considerando que as três primeiras foram a Guerra da Independência de 1810 a1821; a Guerra da Reforma de 1857 a 1861; e a Revolução Mexicana, de 1910 a 1920, encontrou um sistema de saúde onde a corrupção impera em todos os níveis. O presidente orienta seus deputados federais a irem aos hospitais para verificar se o apoio está chegando aos pacientes. Descobrimos que em alguns hospitais os insumos que chegavam não eram distribuídos à equipe médica. Ocorreu esse tipo de boicote, de pessoas que querem elevar os índices do covid, para apresentar contratos e dizer que o governo não os sanciona. É isso que está acontecendo no interior do México, onde, primeiro, tem de se lutar contra a corrupção já existente no setor de saúde. Como deputados federais, estamos percorrendo o território e informando ao povo sobre o que está acontecendo e tratamos de criar essa consciência coletiva em nossas próprias comunidades. Para a reestruturação de nossa economia, estamos promovendo o consumo local, isto é, comprar diretamente dos produtores. É isso que estamos fazendo. Então, sim, estamos fazendo algumas coisas para diminuir o nível de contágio hoje, no México.

A primeira viagem oficial do presidente López Obrador foi aos Estados Unidos. Qual o motivo?

Bom, era muito importante que o presidente fizesse essa visita, para apresentar fundamentalmente um posicionamento político sobre o que está fazendo aqui no México. Foi uma reunião boa, pois foi apresentar o que é a Quarta Transformação, mas sobretudo confirmar a assinatura de tratados de comércio. Estávamos buscando o reconhecimento da assinatura desses tratados de comércio para que o México pudesse assumí-los. O presidente visitou o Canadá também, precisamente para isso. Para confirmar a assinatura desses tratados.

O presidente dos EUA Donald Trump já fez diversas declarações contra os imigrantes mexicanos e seu projeto de muro para separar os dois países foi elogiado pelo primeiro-ministro de Israel, que já tem esse sistema de segregação na Palestina. Como a senhora vê esse projeto?

Nós repudiamos o muro. O governo não está de acordo com essa divisão entre os dois países e vai contra soluções deste tipo no Mèxico e na Palestina. Defendemos soluções pacíficas, conforme as resoluções internacionais, o direito de determinação dos povos, e o respeito à soberania das nações.

Dia 05 de agosto completaram-se 45 anos de relações diplomáticas do México com a Palestina, como a senhora analisa a relação entre os dois países?

Estamos avaliando uma legislação em relação aos territórios palestinos, à medida que o México assertivamente reconhece a Palestina e busca assegurar devidamente os acordos de paz e denunciar a violência na Palestina. A questão entre Israel e Palestina é algo que queremos tratar em direção a uma solução pacífica desses conflitos internacionais, com a libertação dos povos e ea soberania das nações. A visão do México é de um país pacifista, que prioriza a via diplomática, na qual reconhecemos e queremos que o povo mexicano também reconheça a Palestina, como uma nação e como estado, conforme reconhecido pela ONU, Contudo, estamos cientes do que acontece hoje na Palestina e, portanto, propomos que o México solicite à ONU uma posição para que se reafirme o sionismo como uma forma de discriminação. Então, apresentamos por escrito o pedido para submeter este documento à ONU, para solicitar esse reconhecimento. Reafirmando o direito à paz e a via pacífica, propomos um acordo e argumaentamos que é preciso combater a estigmatização do povo palestino, diante dos estereótipos, e temos de repudiar a ideia de que os palestinos são terroristas violentos e isso que temos de corrigir na mentalidade comum das pessoas, essa é uma questão de respeito ao povo palestino.

Israel vem anexando terras palestinas desde sua fundação. Como reverter isso?

O problema está nos assentamentos ilegais da Cisjordânia e Faixa de Gaza. Há um estado ocupando e as pessoas são deslocadas, sem poder voltar. O que se vê são campos irregulares. Para isso temos os organismos internacionais como a ONU, que devem reconhecer e dar o devido reconhecimento à Palestina. Como podemos fazer então? Creio que em todos os países devem ser propostas iniciativas e acordos à comunidade internacional e à ONU, para fazer valer as leis de toda a comunidade mundial . O que queremos é respeito aos direitos humanos, fundamentalmente das pessoas que estão nesses campos. Temos que erguer a voz, nas trincheiras em que estamos, para que se promova o respeito aos direitos humanos, o respeito à territorialidade . Esse povo tem todo o direito de seguir vivendo em paz e nós, como comunidade internacional, temos de garantir que se cumpra de forma irrestrita o respeito aos direitos humanos.

O que parlamentares que integram o Fórum Latino-Palestino podem fazer pelo povo palestino?

O Fórum Latino-Palestino me parece apresentar uma posição interessante dos legisladores latino-americanos, de que os governos de esquerda têm a obrigação de apoiar a luta do povo palestino. E temos que buscar pela via pacífica e diplomática, uma solução para esse problema histórico. Aqui no México, temos de exigir um ponto final e que a ONU implemente suas resoluções.

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