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Austrália e Israel são dois lados do legado colonial que assola os direitos palestinos

Manifestantes protestam em frente à Embaixada da Austrália em Kuala Lumpur, Malásia, após decisão do governo australiano de reconhecer Jerusalém como capital de Israel, 21 de dezembro de 2018 [Mohd Rasfan/AFP/Getty Images]
Manifestantes protestam em frente à Embaixada da Austrália em Kuala Lumpur, Malásia, após decisão do governo australiano de reconhecer Jerusalém como capital de Israel, 21 de dezembro de 2018 [Mohd Rasfan/AFP/Getty Images]

Como muitos outros países que buscam priorizar equitativamente o consenso internacional e relações diplomáticas com Israel, a Austrália tenta agora descobrir a quadratura de um círculo colonial. Embora mantenha a postura de promover o paradigma de dois estados e expressar “preocupação” sobre a eventual anexação israelense de territórios ocupados, a Austrália concede apoio a Israel contra uma provável investigação sobre crimes de guerra no Tribunal Penal Internacional (TPI). De modo bastante similar aos Estados Unidos e sua retórica de “valores compartilhados”, os chamados “valores australianos” – vamos chamá-los de legados coloniais – moldam o discurso do país da Oceania sobre o apoio a Israel e sua suposta consideração pela Palestina.

Em julho, a Ministra de Relações Exteriores da Austrália Marise Payne emitiu uma declaração expressando receios sobre a proposta israelense de anexação, dentro do contexto no qual compromete a solução de dois estado. “O foco tem de ser no retorno a negociações diretas e genuínas, entre Israel e palestinos, em busca de um acordo de paz duradouro e resiliente, assim que possível”, declarou Payne.

Na quarta-feira (29), Chris Kenny – ex-conselheiro político e âncora da rede Sky News – ecoou a mesma retórica de dois estados ao afirmar que as instituições da ONU “gastam um tempo excessivo”, para desacreditar Israel em nível internacional. Kenny também elogiou o governo australiano por assumir uma postura contra as investigações do TPI sobre crimes de guerra: “Bom para a Austrália por permanecer ao lado de nossos valores ali”.

Valores, no entanto, são ambíguos; direitos não. É certo que os direitos dos povos foram manipulados por governos e instituições globais, mas diferentemente dos “valores”, todos os direitos são protegidos sob a lei internacional. Sobretudo, valores nacionais são influenciados por fatores distintos, incluindo a narrativa histórica do país. A Austrália, que considera a si mesma multicultural, possui histórico de oprimir sua população nativa, postura que influencia a atual política de expropriação. Notícias recentes indicam o impedimento ao acesso à água dentre as comunidades aborígenes na Austrália; pesquisadores indicam que tais grupos nativos são excluídos “do acesso a água e da participação na economia hídrica”. Este é precisamente o “valor” que a Austrália tanto compartilha com Israel. O estado da ocupação sionista priorizou o roubo de águas como parte do empreendimento colonial e da expropriação em curso dos recursos naturais da Palestina.

Leia: Investigações inconclusivas e trauma psicológico alimentam a impunidade de Israel

Com tamanha contradição, no que se refere a valores e direitos, a insistência da Austrália no paradigma de dois estados deve ser lida conforme o contexto e a experiência coloniais. O quadro de dois estados protege o colonialismo, aspecto do qual decorre a suposta relação entre negociações diplomáticas e valores nacionais australianos. De mesmo modo, assumir uma postura contra as investigações do TPI sobre crimes de guerra não aborda eventuais falhas burocráticas da corte, mas sim a garantia de que o colonialismo não seja exposto como crime que indubitavelmente é.

Os laços da Austrália com o empreendimento colonial sionista retomam a 1947, quando o país foi o primeiro a votar a favor ao Plano de Partilha da ONU. Relações diplomáticas com Israel foram estabelecidas em 1949 e a intenção do governo australiano de transferir sua embaixada a Jerusalém insere-se no contexto de comprometimento de dois estados – “quando prático, em apoio, e após determinação final do status [da cidade], na solução de dois estados”.

A falta de direitos dos povos nativos destaca-se ao considerarmos as relações Austrália-Israel, reflexo de como os direitos palestinos são espezinhados na arena internacional. O discurso não significa nada caso não seja acompanhado por ações políticas. Tudo que os palestinos conseguiram da ONU até então é meramente simbólico. Afinal, a solução de dois estado concede consenso ao não-reconhecimento de direitos palestinos ao recusar a descolonização. A Austrália de fato compartilha valores com Israel; ambos representam um enorme vexame político que consistentemente promove a agenda colonial sobre a Palestina ocupada.

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As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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