Portuguese / English

Middle East Near You

Boas notícias de Washington: AIPAC e Israel perdem apoio diante de democratas progressistas

Primeiro-Ministro de Israel Benjamin Netanyahu discursa em conferência do lobby sionista AIPAC, em Washington, Estados Unidos, 6 de março de 2018 [Chip Somodevilla/Getty Images]
Primeiro-Ministro de Israel Benjamin Netanyahu discursa em conferência do lobby sionista AIPAC, em Washington, Estados Unidos, 6 de março de 2018 [Chip Somodevilla/Getty Images]

Enquanto a administração dos Estados Unidos do Presidente Donald Trump permanece firme em seu apoio incondicional a Israel, a liderança tradicional do Partido Democrata continua a empregar linguagem evasiva, ao empregar um tipo de ambiguidade estratégica que oferece ainda pleno apoio a Israel e nada além de palavras à paz e à Palestina.

As políticas de Trump sobre Israel e Palestina são nocivas e culminaram no absurdamente injusto “acordo do século”. O governo de Trump permanece amplamente comprometido com a tendência de afinidade crescente entre o establishment republicano e o campo de extrema-direita israelense, conduzido pelo Primeiro-Ministro Benjamin Netanyahu.

O ponto de vista da liderança democrata, representado pelo candidato em potencial às eleições de novembro, Joe Biden, ainda sugere tempos passados, quando o amor incondicional dos democratas americanos a Israel equivalia ao sentimento republicano. É seguro afirmar que estes dias se aproximam do fim, por meio de sucessivas pesquisas de opinião que afirmam a mudança na paisagem política de Washington.

Era uma vez, a elite política americana – divergente entre si sobre muitas questões – mantinha o consenso entusiasmado sobre um único tópico de política estrangeira: seu amor e apoio incondicional e mesmo cego a Israel. Antes, o Comitê de Assuntos Públicos Israelo-Americano (AIPAC), influente grupo de lobby sionista, dominava todo o território e reinava supremo no Congresso dos Estados Unidos. Quase sozinho, decidia o destino de congressistas com base em seu apoio ou falta de apoio a Israel.

LEIA: Coronavírus força cancelamento de conferência sionista nos Estados Unidos

Embora seja cedo demais para proclamar que “estes dias passaram”, a julgar pelo pela ampla mudança no discurso político sobre Palestina e Israel, muitas pesquisas de opinião e grandes sucessos eleitorais de candidatos contrários a ocupação, tanto nacional quanto regionalmente, é possível dizer que a mão de ferro da AIPAC sobre a política estrangeira dos Estados Unidos finalmente perde terreno.

Esta declaração pode parecer prematura, considerando a tendência sem precedentes da atual administração em favor de Israel – apresentada, por exemplo, pela transferência ilegal da embaixada americana de Tel Aviv a Jerusalém, a renúncia absoluta ao direito de retorno dos refugiados palestinos, o apoio da administração ao plano israelense de anexar grandes partes da Cisjordânia ocupada, e assim por diante.

Entretanto, deve ser feita uma distinção entre o apoio a Israel dentre uma elite política no poder, cada vez mais isolada, e o sentimento geral de um país que, a despeito de diversas agressões à democracia nos últimos anos, ainda é de algum modo democrático.

Em 25 de junho, um número surpreendente de quase 200 membros democratas da Câmara de Representantes, incluindo alguns dos mais contundentes apoiadores a Israel, emitiu uma carta exortando Netanyahu e outros oficiais de alto escalão israelenses a abandonar seu plano de anexar ilegalmente quase 30% da Cisjordânia ocupada.

“Expressamos nossa profunda preocupação com a intenção declarada de avançar em qualquer anexação unilateral do território da Cisjordânia e exigimos de seu governo que reconsidere os planos para fazê-lo”, afirmou a carta dos parlamentares.

LEIA: A “arma” que assusta Israel: unidade nacional palestina

Embora o vocabulário da carta esteja distante de ser considerado “ameaçador”, fato é que foi assinada também por robustos aliados israelenses, como o congressista da Flórida Ted Deutch e o congressista de Illinois Brad Schneider. Tal adesão demonstra veementemente a mudança no discurso sobre Israel entre alas centristas e mesmo conservadoras do Partido Democrata. Entre os signatários ainda estavam figuras do establishment democrata, como a congressista Debbie Wasserman Schultz e o líder da maioria na Câmara Steny Hoyer.

Igualmente importante é a influência de uma geração mais jovem e mais progressista de políticos democratas que continuam a superar limites do discurso partidário sobre Israel, graças aos esforços incansáveis da representante de Nova Iorque Alexandria Ocasio-Cortez e de suas colegas. Ao lado de dezenas de parlamentares democratas, Ocasio-Cortez emitiu outra carta em 30 de junho, desta vez endereçada ao Secretário de Estado dos Estados Unidos Mike Pompeo.

Diferente da primeira carta, esta foi mais assertiva e marcadamente arrojada. “Caso o governo israelense prossiga neste caminho, trabalharemos para garantir o não-reconhecimento dos territórios anexados, além de buscar uma legislação que condicione os US$3.8 bilhões em financiamento militar dos Estados Unidos a Israel, a fim de assegurar que os contribuintes americanos não apoiem a anexação de modo algum”, declarou a carta.

Imagine se este mesmo vocabulário seria utilizado por representantes democratas em julho de 1980, quando o parlamento israelense anexou ilegalmente Jerusalém Oriental, em ação que permanece ainda terminantemente contrária à lei internacional. O destino destes políticos contemporâneos seria similar ao destino de outros que ousaram denunciar a ocupação, sob o risco de perder seus assentos no Congresso ou ainda toda e qualquer carreira política.

LEIA: O roubo do século

Entretanto, os tempos mudaram. É bastante estranho – porém, revigorante – ver a AIPAC catando migalhas para tentar apagar novas paixões apresentadas por vozes mais jovens e mais progressistas, no âmago do Partido Democrata.

A razão pela qual não é mais fácil para o lobby sionista manter sua hegemonia de décadas sobre o congresso é que figuras como o Ocasio-Cortez são, por si próprias, produto originário de uma mudança geracional e provavelmente irreversível, que ocorre dentre os democratas ao longo de muitos e muitos anos.

Congressista dos Estados Unidos Alexandria Ocasio-Cortez, no Texas, 10 de março de 2019 [nrkbeta/Flickr]

Congressista dos Estados Unidos Alexandria Ocasio-Cortez, no Texas, 10 de março de 2019 [nrkbeta/Flickr]

A tendência de polarização na opinião pública americana no que se refere à Israel retorna a quase vinte anos, quando os americanos começaram a ver seu apoio a Israel conforme linhas partidárias. Pesquisas mais recentes sugerem que a polarização cresce. Uma pesquisa de opinião do Centro de Pesquisas Pew, publicada em 2016, demonstrou que a simpatia por Israel entre os republicanos aumentou para o índice sem precedentes de 74%, enquanto entre os democratas caiu para 33%.

Pela primeira vez na história, portanto, o apoio a Israel e Palestina tornou-se quase igualmente dividido entre os democratas: 33% e 31% respectivamente. Neste período, começamos a ver manchetes estranhas para mídia tradicional americana, como: “Por que os Democratas estão abandonando Israel?

Este “abandono” preservou-se, conforme pesquisas. Em janeiro de 2018, outra avaliação do grupo Pew demonstrou que o apoio democrata a Israel alcançou 27%.

Não apenas democratas de base estão se distanciando de Israel, decorrente de uma consciência cada vez maior sobre os crimes hediondos da ocupação na Palestina, como jovens judeus também apresentam a mesma tendência.

LEIA: A anexação ainda é inadmissível, mesmo por Israel

A mudança de perspectiva sobre Israel entre jovens judeus americanos enfim apresenta resultados. Em abril de 2019, novas estimativas do grupo Pew concluíram que judeus americanos, como um todo, são agora mais prováveis (42%) do que cristãos a dizer que o Trump “favorece Israel demasiadamente”.

Embora muitos democratas no Congresso estejam cada vez mais de acordo com as visões de mundo do eleitorado, aqueles no topo, como Biden, mantém teimosamente o compromisso de suas agendas a diretrizes da AIPAC e de reminiscências arcaicas da política americana.

As boas notícias de Washington são que, apesar do atual apoio de Trump a Israel, uma mudança estrutural gradual, embora aparentemente duradoura, continua a ocorrer dentre os apoiadores do partido democrata por todo país. Indícios ainda mais contundentes estão no fato de que a tradicional reduto de apoio israelense nas comunidades judaicas dos Estados Unidos começa a dissipar-se – sobretudo, rapidamente.

Embora seja provável que a AIPAC continue a utilizar e implementar velhas táticas para proteger os interesses de Israel no congresso americano, o “poderoso lobby” parece agora incapaz de voltar no tempo. De fato, a era de hegemonia absoluta de Israel sobre o Congresso dos Estados Unidos provavelmente acabou, com sorte, de uma vez por todas.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

Categorias
ArtigoÁsia & AméricasEUAIsraelOpiniãoOriente MédioPalestina
Show Comments
Palestina: quatro mil anos de história
Show Comments