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Iraque quer que tropas estrangeiras saiam do país após ataque aéreo; Trump ameaça sanções

Helicópteros militares dos Estados Unidos transportam tropas ao Oriente Médio, em 19 de outubro de 2016 [foto de arquivo]

O parlamento do Iraque votou neste domingo (5) pela retirada de tropas estrangeiras do país, em resposta ao ataque aéreo americano que resultou no assassinato do general iraniano Qassem Soleimani em território iraquiano e às ameaças do Presidente dos Estados Unidos Donald Trump de atacar patrimônios culturais no Irã, caso Teerã retalie. As informações são da agência Reuters.

O Irã afirmou em comunicado que seu trabalho de enriquecimento de urânio não respeitará mais seus compromissos estabelecidos pelo acordo nuclear de 2015, firmados com seis potências estrangeiras. A medida parece intensificar a crise em curso, cuja escalada recente levantou receios de uma nova conflagração em larga escala no Oriente Médio.

Qassem Soleimani, mais proeminente general iraniano, foi morto na última sexta-feira (3) por um ataque a drone dos Estados Unidos próximo ao Aeroporto Internacional de Bagdá. A operação militar levou as hostilidades entre Estados Unidos e Irã a águas desconhecidas.

O Ministro de Informação e Telecomunicações do Irã, Mohammad-Javad Azari Jahromi, denunciou Trump como “terrorista de terno” após o presidente americano compartilhar uma série de mensagens no Twitter no último sábado (4), nas quais ameaçou explicitamente atacar 52 localidades iranianas, incluindo alvos de importância cultural, caso Teerã ataque americanos ou recursos americanos em resposta à morte de Soleimani.

Ao falar com repórteres à bordo do avião presidencial Air Force One, ao retornar para Washington de sua casa de férias na Flórida, Trump reiterou tais comentários. “Eles podem matar nosso povo. Eles podem torturar e mutilar nosso povo. Eles podem usar bombas à beira de estradas e matar nosso povo. E não podemos tocar seus patrimônios culturais? Não funciona desse jeito,” declarou o presidente americano.

Críticos democratas ao presidente e candidato à reeleição republicano afirmaram que Trump foi absolutamente imprudente em autorizar o ataque aéreo; alguns destes críticos ainda reafirmaram o fato de que seus comentários sobre atacar patrimônios culturais representa uma ameaça flagrante de cometer crimes de guerra. Muitos questionaram também porque Soleimani, visto como ameaça por autoridades americanas há anos, foi morto precisamente agora, à medida que Trump enfrenta um processo de impeachment e campanha por reeleição.

Em geral, os republicanos no Congresso e no Senado respaldaram a decisão de Trump.

Trump também ameaçou sanções contra o Iraque e afirmou que, caso as tropas americanas sejam obrigadas a deixar o país, o governo iraquiano terá de pagar Washington pelo custo de uma base aérea “extraordinariamente cara” estabelecida no território país. Trump advertiu: “Cobraremos deles sanções como jamais viram. Farão as sanções ao Irã parecerem até mesmo mansas.”

O parlamento iraquiano aprovou uma resolução que requere o fim da presença de todas as tropas estrangeiras no país, refletindo os receios de muitos iraquianos de que o ataque executado na sexta-feira os envolva em mais outra guerra entre duas potências na região, capaz de espalhar-se pelo país e por todo o Oriente Médio.

Embora tais resoluções parlamentares não tenham caráter vinculativo às decisões do governo, esta provavelmente será efetivada: o Primeiro-Ministro do Iraque Adel Abdul Mahdi anteriormente fez um apelo para que o parlamento encerrasse a presença de tropas estrangeiras no país assim que possível.

Irã e Estados Unidos competem por influência no Iraque desde 2003, quando os Estados Unidos invadiram o território iraquiano e depuseram o ditador Saddam Hussein.

Antes dos comentários inflamatórios de Trump, uma porta-voz do Departamento de Estado americano havia declarado que os Estados Unidos esperavam por esclarecimentos de natureza legal e pelo impacto político à resolução iraquiana. O Departamento de Estado também aconselhou fortemente que os líderes iraquianos reconsiderem a importância das relações econômicas e de segurança entre as duas nações.

Cerca de 5.000 tropas americanas permanecem no Iraque, a maior parte em função consultiva.

Abdul Mahdi afirmou que, apesar de eventuais “dificuldades domésticas e externas” que o país possa enfrentar, cancelar o pedido de ajuda do Iraque às forças da coalizão liderada pelos Estados Unidos “continua a ser o melhor para o Iraque tanto em princípio quanto na prática.”

O primeiro-ministro iraquiano tinha uma reunião marcada com Soleimani no dia em que o general foi morto, na qual o comandante iraniano deveria repassar uma resposta de seu país a uma mensagem da Arábia Saudita, em conversas nas quais o Iraque é mediador. Segundo Abdul Mahdi, a Arábia Saudita, país oficialmente islâmico sunita, e o Irã, oficialmente xiita, estavam prestes a “alcançar um novo progresso sobre a situação no Iraque e região.”

Apesar de décadas de animosidade entre Irã e Estados Unidos, milícias apoiadas pelo Irã e tropas americanas lutaram lado a lado durante a guerra contra o Daesh (Estado Islâmico), entre 2014 e 2017, inimigo comum de ambas as partes. Abu Mahdi al-Muhandis, líder do grupo paramilitar iraquiano Hashd al-Shaabi também foi morto no ataque de sexta-feira.

A resolução parlamentar deste domingo foi aprovada por absoluta maioria de legisladores xiitas, à medida que a sessão de emergência legislativa foi boicotada por grande parte dos legisladores sunitas e curdos.

Um parlamentar sunita relatou à Reuters que ambos os grupos temem que expulsar forças lideradas pelos Estados Unidos do país possa deixar o Iraque vulnerável a insurgentes locais, além de prejudicar seu grau de segurança e aumentar o poder de influência de milícias xiitas apoiadas pelo Irã.

O grupo de potências europeias conhecido como G3, composto por Alemanha, França e Reino Unido emitiu um apelo para que o Irã evite qualquer ação violenta e respeite seus compromissos estabelecidos pelo acordo nuclear de 2015. As três nações também reafirmaram sua determinação em combater o Daesh e pediram às autoridades iraquianas que mantenham seu apoio necessário à coalizão.

As decisões unilaterais de Donald Trump de revogar os compromissos americanos com o acordo nuclear, em 2018, e retomar as sanções ao Irã foram responsáveis por criar um novo ciclo de tensões entre ambos os países, após uma breve trégua decorrente do acordo.

Também neste domingo, o Irã distanciou-se ainda mais do acordo previamente estabelecido, ao declarar que não mais respeitará os limites determinados para suas operações de enriquecimento de urânio, embora mantenha a cooperação com o observatório nuclear da ONU. Conforme divulgado pela televisão estatal, a declaração do governo iraniano reiterou: “Não haverá limites à capacidade e nível de enriquecimento de urânio, tampouco de pesquisa e desenvolvimento … serão baseados nas necessidades técnicas do Irã.” Entretanto, afirmou que tais recuos diante do compromisso nuclear podem ser revertidos caso Washington suspenda as sanções a Teerã.

Como chefe das Forças al-Quds, grupo de elite da Guarda Revolucionária do Irã, Qassem Soleimani foi a mente por trás de diversas operações militares e clandestinas por toda a região do Oriente Médio, criando um arco de influência xiita com ajuda de milícias que operam por procuração em confrontos diretos e indiretos com o poder regional dos Estados Unidos, Arábia Saudita e Israel.

Centenas de milhares de pessoas, muitos entoando cânticos, batendo nos peitos e marchando em luto, tomaram as ruas do Irã para demonstrar seu respeito ao general iraniano, considerado herói após seu corpo retornar ao país de origem.

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