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Todos eles contra o povo libanês

Manifestantes libaneses se reúnem na Praça dos Mártires e na Praça Riad Al Solh, durante um protesto contra o governo, as condições econômicas adversas e as taxações sobre serviços de mensagens como Whatsapp, em Beirute, Líbano. Em 19 de outubro de 2019. [Mahmut Geldi/Agência Anadolu]

Não há dúvida de que as manifestações massivas que se espalharam pelas cidades libanesas de norte a sul e leste a oeste, incluindo todos os grupos sociais libaneses pertencentes a diferentes contextos religiosos e ideológicos, surpreenderam a todos, especialmente aos príncipes das seitas no Líbano, que distribuem os despojos e riquezas do país entre eles.

Quem imaginaria, vendo fotos de líderes sectários pisoteados com sapatos e seus nomes amaldiçoados por seguidores e apoiadores que se rebelaram contra eles e exigiram sua partida, cantando o slogan: “Todos eles quer dizer todos eles”. Esse genial slogan libanês ecoou por todo o Líbano de Trípoli, ao norte, fortaleza sunita, até Sidon no sul, o local de nascimento da família Hariri e seu deputado no parlamento, Bahia Hariri. De Nabatieh, onde vivem os xiitas, de Keserwan, reduto dos maronitas, e Baabda, a sede da presidência e sua representação maronita no país.

As massas saíram para dizer “Todos eles”. Para eles, não há diferença entre Saad Hariri, Nabih Berri, Nasrallah e nenhuma diferença entre Michel Aoun, Samir Geagea e Jumblatt. Todos eles são corruptos. Não há mais santidade para nenhum deles. O povo libanês esmagou todos os tabus relacionados aos seus deuses vazios e segura a bandeira do Líbano nos escombros desses tabus.

O primeiro-ministro libanês Saad Hariri realiza uma conferência de imprensa sobre os protestos em andamento contra o governo em Beirute, Líbano. Em 18 de outubro de 2019. [Escritório do Primeiro Ministro Libanês/ Divulgação/ Agência Anadolu]

Não há dúvida de que o que está acontecendo no Líbano é majestoso e único, totalmente diferente de todos os eventos anteriores desde que os países coloniais estabeleceram os territórios libaneses a partir do útero da Grande Síria e da divisão do Levante em estados. Assim, o Líbano tornou-se dependente da França, que o fundou em uma base sectária.

Existem 18 comunidades religiosas no Líbano, onde conflitos internos e guerras civis são prolongados indefinidamente pela inteligência global, simulando conspirações, desenhando seus mapas territoriais da região e da distribuição da influência internacional e regional. O Líbano sempre foi destinado a permanecer sob o controle de potências externas. Em geral, o país é governado pelo equilíbrio dos interesses especiais dos dominadores sectários e geográficos dominantes.

No final, a questão é resolvida por compromissos e uma fórmula ganha-ganha, graças à presença de um patrocinador oficial. O arquivo libanês não é um assunto interno, mas um cenário regional primário para o conflito entre as potências internacional e regional interessadas no Oriente Médio. Assim, as guerras de outros são realizadas no território libanês e a rebelião do povo contra o domínio do sectarismo e a destruição de ídolos dessa maneira abalaram a classe política corrupta escondida por trás do fanatismo, que é sua única arma de controle permanente. além de desestabilizar e atrapalhar os cálculos de países específicos do Oriente Médio.

As massas tiraram as roupas sectárias e partidárias e envolveram seu corpo nu com a bandeira libanesa, para obter participação na riqueza de seu país saqueada pelos líderes do sectarismo. Não há mais as frentes 8 e 14 de março, pois as duas equipes uniram suas metas e demandas e se tornaram a essência da revolução.

Hassan Nasrallah apareceu na televisão a partir de seu bunker secreto subterrâneo, ameaçando os libaneses com vácuo, caos e guerra civil, reafirmando os três principais “Nãos”, declarados por Michel Aoun e Saad Hariri antes dele: não para a derrubada do antigo sistema, não para destituição do governo, não para eleições parlamentares antecipadas. Os três “nãos” unificaram suas palavras contra as demandas do povo libanês, embora os embelezassem com uma dose de ilusão de reforma e combate aos corruptos.

Quanto ao vácuo com o qual Nasrallah está ameaçando o povo libanês, o Líbano nunca conheceu esse problema, mesmo em meio à guerra civil de 17 anos. Instituições, interesses governamentais e bancos não foram fechados. O parlamento também continuou suas atividades e as eleições foram realizadas em meio a tiros. O Palácio Baabda não ficou vago nem por um dia sem um presidente. Os presidentes Elias Sarkis o ocuparam e o então Bashir Gemayel, que foi morto dias após sua eleição, foi sucedido por sua irmã, Amine Gemayel, seguida por Rene Mouawad, que foi assassinado 17 dias após sua eleição. Posteriormente, o sírio Elias Hrawi ocupou o cargo por dois mandatos completos.

Foi apenas durante a era de Hassan Nasrallah que o escritório presidencial permaneceu vago por dois anos, após o final do mandato do presidente Emile Lahoud, e mais dois anos após o final do mandato de Michel Suleiman. Mais tarde, Nasrallah nomeou Michel Aoun como seu fantoche. Durante o mandato deste último, as eleições parlamentares e o tempo parlamentar foram prorrogados por dois anos.

Analistas iranianos dizem que a Arábia Saudita e os Estados Unidos estão envolvidos nos protestos no Líbano [Getty Imagens]

Nasrallah acusou o movimento popular,como ele o chama (ele não vê uma verdadeira revolução), de estar vinculado às agendas de inteligência estrangeira, países e embaixadas que financiam essas manifestações, para acertar suas contas com a autoridade atual. Ele alegou que os protestos têm uma liderança oculta que administra a situação por dentro e que não é aparente para o público! Isto é ridículo. O mundo inteiro sabe que o Irã está financiando o Hezbollah, sendo um de seus braços na região, pela qual os iranianos controlam quatro capitais árabes, incluindo o Líbano. Nasrallah havia admitido isso anteriormente e disse que era dinheiro limpo. Os fundos do “halal” são islâmicos (legítimos) e os fundos de outras partes estrangeiras são “haram” (sujos)? O Irã também não é estrangeiro? Isso é escandalosamente flagrante e vergonhoso.

Nasrallah também exortou o exército a abrir as estradas e os seus partidários a sairem para as praças, esquecendo ou fingindo esquecer que ele paralisou completamente e perturbou os interesses do país e do povo por um ano inteiro, durante as manifestações em que seus seguidores protestavam em frente ao Conselho de Ministros, durante o mandato de Fouad Siniora em 2007.

As palavras de Nasrallah não são diferentes das palavras de todos os tiranos árabes, contra os quais ocorreram as revoluções da primavera árabe. Justiça e dignidade são imediatamente acusadas de serem uma conspiração externa contra o país e uma tentativa de derrubar o Estado. É o pensamento dogmático dos ditadores.

Portanto, as massas responderam a Nasrallah chamando-o de ‘um deles’.

A posição do Secretário-Geral do Hezbollah não era incomum ou improvável para alguém que enviou suas milícias à Síria para matar os rebeldes sírios e incendiar o país, com o objetivo de enterrar a recém-nascida revolução síria.

Não podemos separar a revolução libanesa das revoluções árabes que foram vistas e ainda estão ocorrendo nos países árabes. Somos uma nação e um povo dividido pelo ocupante estrangeiro, usando arame farpado para fazer pequenos países e estados. A dor e o sofrimento dessas pessoas por ditadores corruptos são comuns, desde a chamada era da independência, a grande mentira com a qual enganaram o povo.

Os ocupantes estrangeiros foram substituídos por um vigário de dentro dos países árabes para governar em seu nome. No entanto, esse vigário não conseguiu estabelecer um estado real baseado na cidadania e no comprometimento dos direitos e deveres entre o governante e o povo. Portanto, os confrontos continuarão a ocorrer entre os povos e seus governantes. O conflito não terminará até que as pessoas obtenham um estado real, um estado equilibrado, governado por lei, em vez do domínio de famílias e gangues.

Protestos no Líbano – cartum [Sabaaneh/Monitor do Oriente Médio]

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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