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Como as regras israelenses permitem que soldados atirem em crianças pelas costas

Forças de segurança israelenses atiram contra palestinos durante manifestação em Ramallah, Cisjordânia, 23 de julho de 2017 [Issam Rimawi/Agência Anadolu]

A organização palestina de direitos humanos Adalah, com sede em Haifa, tem realizado importantes ações humanitárias no decorrer dos anos. Seu nome em árabe significa “justiça”. Grande parte do trabalho da entidade concentra-se nos direitos dos cidadãos palestinos de Israel, também conhecidos como “palestinos dos territórios de 1948”, como costumam descrever a si mesmos.

O grupo mantém um importante banco de dados que registra cronologicamente mais de 65 leis israelenses de discriminação sistemática contra vinte por cento de sua própria população. É fato que Israel sempre foi um estado de apartheid; não se trata de uma novidade consumada somente pela “Lei do Estado-Nação Judeu”, abertamente racista, aprovada pelo Knesset em julho de 2018.

A declaração da Lei Básica israelense não sofre de fato grandes alterações por essa medida. No entanto, a nova legislação efetivamente esclarece, preto no branco, os motivos por trás das inúmeras leis racistas vigentes no Estado de Israel. Torna as coisas mais claras, em outras palavras, ao emitir um alerta ao povo palestino de que a terra histórica da Palestina – cuja lei declara “Terra de Israel” – pertence aos judeus, somente aos judeus e ninguém mais.

Tamanha transparência elucida alguns dos desacordos táticos entre a lei e muitas figuras da esquerda sionista. Os sionistas liberais não discordam, contudo, do princípio racista de que “o direito à autodeterminação nacional no estado de Israel é unicamente do povo judeu,” como afirma a nova lei. Ao contrário, discordam somente da honestidade destes termos, o que leva a uma publicidade internacional negativa e ao subsequente declínio do apoio político a longo prazo.

Entretanto, o racismo nu e cru da Lei do Estado-Nação é, na realidade, apenas a última de tais medidas. Como registrado detalhadamente pela Adalah em seu banco de dados, o rastro dessas leis racistas remete à própria fundação do estado israelense.

Tome como exemplo a “Lei do Retorno”, de 1950. Essa medida em particular outorga a todo indivíduo judeu ao redor de todo o mundo o direito de migrar para a terra da Palestina e automaticamente se tornar cidadão de Israel. Aplica-se aos filhos e netos de judeus, assim como aos seus cônjuges e aos cônjuges de seus filhos e netos.

Não há nenhuma lei israelense similar que garanta os mesmos direitos aos palestinos, que são afinal o povo nativo daquele território. Ao contrário, os refugiados palestinos – expulsos à força por milícias sionistas no decorrer de anos e anos, a partir de 1947 – ainda são excluídos, apesar de possuírem o direito de retorno conforme as leis e convenções internacionais.

Em Israel, no entanto, as leis são aprovadas para garantir justamente que os refugiados jamais retornem ou sejam capazes de retornar, a começar pela chamada “Lei da Propriedade de Ausente”, também de 1950. Essa medida essencialmente oferece uma enorme desculpa jurídica para o roubo de terras, casas, contas bancárias e outras propriedades palestinas em escala de massa. Os 800.000 refugiados palestinos, em termos aproximados, – que foram expulsos à força, vale lembrar – foram declarados “ausentes” sob a legislação israelense e suas terras e propriedades foram confiscadas. De qualquer modo, centenas de aldeias palestinas já haviam sido demolidas e dinamitadas, apagando-as do mapa. Dessa forma, Israel sempre foi e continua a ser um estado de apartheid intrinsecamente racista.

A organização Adalah também realiza diversos projetos de destaque ao documentar os abusos de direitos humanos perpetrados por Israel contra Cisjordânia e Gaza, territórios da Palestina histórica invadidos e ocupados ilegalmente desde 1967. Parte desse trabalho é detalhado no banco de dados sobre as leis racistas de Israel, ao qual me referi nos parágrafos acima; este mesmo inventário registra também as leis israelenses discriminatórias contra os palestinos que vivem sob a ocupação das forças de Israel desde a chamada Guerra dos Seis Dias, de junho de 1967.

Recentemente, a Adalah obteve documentos oficiais israelenses elucidativos sobre as “regras de engajamento” do Exército de Israel, as quais são utilizadas para justificar sua violência contra manifestantes palestinos, em particular, neste caso, no território de Gaza. Tal regulamento demonstra que o Exército de Israel outorgou a si mesmo o direito de atirar contra manifestantes palestinos desarmados pelas costas, ao considerá-los e difamá-los como “agitadores”.

Os organizadores dos protestos da Grande Marcha do Retorno, realizados desde março de 2018, podem ser almejados mesmo quando não representam qualquer ameaça aos soldados israelenses; mesmo quando recuam e vão embora. A Adalah enfatiza: “Franco-atiradores israelenses… podem abrir fogo com munição real contra os chamados ‘instigadores chave’ ou ‘agitadores chave’, mesmo quando os manifestantes deixam de participar do protesto ou estão descansando.”

Muitos dos manifestantes em Gaza são crianças. A Adalah afirma que desde o início das marchas, no último ano, Israel assassinou 207 palestinos durante os protestos, incluindo 44 crianças. Também registra o assombroso número de 16.831 palestinos feridos, dos quais 3.905 são crianças.

Os documentos foram apresentados em uma série de audiências na suprema corte israelense. Em 2018, de forma absolutamente repugnante, a corte determinou que o Exército de Israel estava autorizado a utilizar munição real contra manifestantes desarmados. A medida jamais seria aceita caso fossem manifestantes judeus.

Suhad Bishara, advogado da organização Adalah, explicou que a categoria ficcional de “instigadores chave” foi “criada [por Israel] retroativamente para justificar o fuzilamento de pessoas que não representavam a menor ameaça real ou imediata aos soldados ou civis israelenses. O documento do exército tenta minimizar o ato de atirar indiscriminadamente contra manifestantes desarmados em total descaso com a vida humana.”

O estado de apartheid de Israel deveria ser responsabilizado por tais crimes contra a humanidade.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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