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Jordânia é a primeira vítima do plano de paz de Jared Kushner

Jared Kushner, conselheiro sênior do presidente americano, discursa durante evento da Time 100, que condecora as cem pessoas mais influentes do ano, em Nova Iorque, 23 de abril de 2019 [Don Emmett/AFP/Getty Images]

Duas semanas atrás, o arquiteto do plano de paz dos Estados Unidos para o Oriente Médio – o chamado “acordo do século” – pousou na Jordânia. Jared Kushner esteve no Reino Hashemita como parte de sua turnê pela região com o objetivo de mobilizar apoio ao seu plano antes do seminário econômico do Bahrein, marcado para 25 e 26 de junho.

A administração do presidente americano Donald Trump parece deliberadamente guardar para si todos os detalhes relativos à agenda política da proposta, provavelmente porque suspeita que não será recebida com entusiasmo pelos árabes, sem contar os palestinos que não esperam “prosperidade”, mas sonham com uma paz duradoura.

“Um dia antes da visita de Kushner a Amã, um enviado especial do Rei Hamad do Bahrein esteve na Jordânia,” contou-me, Jawad Anani, ex-chefe da corte real jordaniana. “O enviado encontrou-se com o Rei Abdullah II e discutiu o seminário ‘Paz para Prosperidade’ com Sua Majestade.” Anani enfatizou que Kushner representa somente uma parcela da pressão exercida sobre a Jordânia. “Isso é devido à nossa posição no conflito.”

Embora a Jordânia seja geograficamente pequena, a monarquia tenta há algum tempo exercer certa influência regional ao agir efetivamente no Oriente Médio. A Jordânia acolhe refugiados das zonas de guerra na região, sedia diálogos entre os partidos conflitantes do Iêmen, e tenta preservar as relações entre Riad e Doha, apesar da crise vigente no Golfo. No entanto, este plano americano, compelido à Jordânia para aceitá-lo, ameaçaria este papel regional construído com o tempo e representaria um risco direto à sua segurança nacional.

“Seja um oficial do governo em seu escritório ou um civil comum em um café, o único assunto na Jordânia é o tal do ‘acordo do século’ e suas implicações tanto ao reino quanto à região,” explicou Kamel Abu Jaber, ex-ministro jordaniano de Relações Internacionais. “A questão a ser respondida é: Amã tem a opção de rejeitar este plano? Caso o aceitamos, haverá consequências; caso o rejeitamos, haverá consequências também. É um dilema.”

Talvez a Casa Branca tenha pensado que, dada a má conjuntura econômica da monarquia hashemita, os jordanianos aceitarão qualquer plano que atenue sua crise atual. Entretanto, considerando a Jordânia como o único país que detém custódia dos locais sagrados islâmicos e muçulmanos em Jerusalém, é improvável que esteja pronta para alterar sua posição, independente do custo.

A Jordânia reitera há tempos o chamado pela solução de dois estados para o conflito Israel-Palestina. No ano passado, em discurso na Assembleia Geral da ONU, o Rei Abdullah afirmou que somente dois estados baseados na lei internacional e nas resoluções relevantes das Nações Unidas poderiam conciliar as necessidades de ambas as partes. Apesar da Jordânia de fato manter este princípio, as políticas de Trump deixam-no cada vez mais inalcançável.

Rei Abdullah II da Jordânia discursa ao parlamento em Amã, capital jordaniana,
em 14 de outubro de 2018 [Khalil Mazraawi/AFP/Getty Images]

Ficam duas perspectivas: a solução de um estado ou de uma confederação, ambas rejeitadas com firmeza pelo governo jordaniano. Isso destaca o fato de que os esforços anteriores para alcançar a paz foram frustrados pela posição tendenciosa do governo Trump sobre o conflito.

Significativamente, as autoridades palestinas reconhecem o papel da Jordânia e se coordenam em conformidade com Amã. Em conversa com o Secretário Geral da Organização de Libertação da Palestina em abril, ele me disse que a Jordânia tem um papel central e estratégico. “A posição da Jordânia é baseada em uma compreensão completa dos fatos regionais e da geopolítica, do equilíbrio e flutuação de interesses”, destacou Saeb Erekat. “O que a política do Presidente Trump representa são mudanças drásticas que violam o direito internacional e a legitimidade. A posição jordaniana tornou-se um ponto focal na manutenção do princípio dos dois estados nas fronteiras de 1967. ”

Além disso, o enviado dos EUA ao Oriente Médio, Jason Greenblatt, sugeriu no mês passado que a Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina (UNRWA) , que fornece serviços essenciais a milhões de refugiados palestinos, deveria ser efetivamente fechada. Dado o fato de que a Jordânia abriga o maior número de refugiados palestinos na região, isso teria um sério impacto sobre o Reino, que pode então precisar assumir o dever da UNRWA de cuidar deles. Embora isso seja extremamente difícil, a Jordânia terá poucas alternativas a não ser garantir que os refugiados sejam tratados de maneira apropriada. Isso pode ser visto como outro sinal da pressão dos EUA sobre Aman para aceitar o plano de Kushner ou lidar com as consequências por si só.

Desde que Trump chegou à Casa Branca no início de 2017, a política externa dos EUA mudou para um rumo que os governos anteriores nunca tomaram. No passado, havia considerações especiais para o importante papel desempenhado pelos aliados da América no Oriente Médio. No entanto, o atual governo parece ter abandonado isso e virou as costas para um de seus amigos de longa data na região, tornando a Jordânia uma primeira vítima do plano de paz de Kushner. Isso só pode ser devido à posição tendenciosa de Washington pró-Israel sobre o conflito do estado sionista com os palestinos.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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