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Enfermeira palestino-americana relata fome no último hospital de Gaza

20 de agosto de 2025, às 15h46

Amanda Nasser, enfermeira americana, atende vítimas de ataques israelenses no Hospital Nasser de Khan Younis, no sul de Gaza, em 13 de agosto de 2025 [Doaa Albaz/Agência Anadolu]

Nos corredores lotados do Hospital Nasser, último complexo operante em Gaza, em Khan Younis, ao sul, a enfermeira palestino-americana Amanda Nasser vive o iminente colapso do sistema de saúde, sob implacável bloqueio e bombardeio israelense que levou colegas e pacientes a absoluta insegurança alimentar.

Nasser, voluntária de 39 anos, chegou a Gaza na primeira quinzena de agosto, em missão humanitária, para trabalhar no setor de emergência do hospital homônimo.

“A situação aqui é catastrófica”, reportou Nasser à agência Anadolu. “O sistema de saúde está a margem do colapso, e este é o último hospital funcionando na Faixa de Gaza”.

A enfermeira notou que pacientes dão entrada com ferimentos devastadores: “São lesões horríveis, ferimentos a tiro na cabeça, torso, abdômen e pélvis. Temos muitos traumas de ortopedia, e fraturas, incluindo cirurgias complexas e amputações. Algumas cirurgias não podem ser realizadas, por falta de pessoal e suprimentos”.

Segundo Nasser, as vítimas são, em maioria, meninos adolescentes ou rapazes com vinte e poucos anos.

“Muitos não sobrevivem”, alertou Nasser. “Insumos são limitadíssimos e é comum termos de escolher entre aqueles que devem ser entubados ou aqueles que podem sobreviver ou não a entubação. A decisão é crítica e absolutamente difícil”.

Fome atinge médicos e crianças

Para além dos traumas, Nasser apontou à fome: “Vejo também muita gente desnutrida — mesmo pessoal. Todo mundo está muito, muito magro, desidratado e forçado a trabalhar por horas a fio. Vemos muitos casos de desnutrição infantil. No Hospital Nasser, tivemos crianças que morreram de fome”.

Segundo o Ministério da Saúde de Gaza, desde janeiro, quase 28 mil casos de desnutrição foram diagnosticados no enclave, com 263 mortes, incluindo 112 crianças.

Apesar das circunstâncias, Nasser expressou orgulho estar em Gaza: “Sinto orgulho como palestina de servir aqui a meu povo de Gaza. Tenho máximo respeito a todos aqui e quero continuar a tratar meus pacientes com dignidade. Sinto-me segura porque estou entre os palestinos, que me receberam com enorme hospitalidade”.

A enfermeira emitiu um apelo direto à comunidade internacional: “A mensagem que levo ao mundo é que precisamos de um cessar-fogo. E precisamos de um Estado da Palestina independente. Os palestinos querem apenas viver uma vida normal. Não merecem isso. É bárbaro e desumano como são tratados e precisa acabar — precisa acabar já”.

“Jornalistas devem continuar a falar sobre Gaza, falar a verdade, e emitir a mensagem ao mundo. Há muitas formas de agir: boicotar produtos que financiam o genocídio — muitos vendidos na Europa, nos Estados Unidos —, contactar seus parlamentares, por e-mail ou telefone, protestar e continuar protestando e denunciar sem parar”.

“Como trabalhadora de saúde, é meu dever estar aqui para ajudar as pessoas”, concluiu Nasser. “Espero poder contribuir com a causa”.

Israel ignora apelos internacionais ao manter ataques indiscriminados aos palestinos de Gaza há quase dois anos, com ao menos 62 mil mortos e dois milhões de desabrigados, sob cerco, destruição e fome. Entre as fatalidades, dezoito mil são crianças.

Em novembro, o Tribunal Penal Internacional (TPI), sediado em Haia, emitiu mandados de prisão ao primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, e seu ex-ministro da Defesa, Yoav Gallant, por crimes de guerra e lesa-humanidade em Gaza.

O Estado israelense é ainda réu por genocídio no Tribunal Internacional de Justiça (TIJ), também em Haia, sob denúncia sul-africana deferida em janeiro de 2024.

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