Quando ruínas são comercializadas de forma irresponsável como em mercado futuro

Ranjan Solomon
18 minutos ago

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A ideia de transformar Gaza em uma Riviera encontra poucos compradores hoje em dia. É obscena demais, exposta demais, marcada demais pela morte em massa para ser vendida à luz do dia. Por ora, permanece oculta – deixada de lado, silenciada, aguardando o momento em que a indignação diminua, as memórias se desvaneçam e a atenção do mundo se desvie. Mas esse ocultamento não deve ser confundido com abandono. É apenas uma pausa em uma agenda que acredita que o tempo, e não a justiça, é o aliado decisivo. É uma agenda em que o presente tangível de uma comunidade pode ser destruído em favor de ganhos futuros especulativos para investidores ou construtoras.

A referência de Jared Kushner ao “potencial costeiro” de Gaza, portanto, não foi uma proposta que buscava aprovação imediata. Foi um sinal — uma articulação precoce de intenções. Tais ideias raramente são lançadas quando as condições são hostis; elas são armazenadas, normalizadas silenciosamente e reintroduzidas quando o clima político o permite. O que não pode ser vendido hoje é simplesmente adiado para amanhã, envolto na linguagem da reconstrução, da oportunidade e da inevitabilidade.

Falar de uma Riviera em Gaza enquanto o território é assolado pela fome, bombardeado e esvaziado de vida não é apenas insensibilidade. É clareza ideológica. Revela como a lógica colonial sobrevive na linguagem contemporânea — não mais expressa através da superioridade racial, mas através das abstrações de imóveis, segurança e reconstrução pós-conflito. Gaza, nessa visão, não é uma pátria. É um local com valor não realizado. Intrusos sem qualquer enraizamento no cultural e no especial jamais poderão assimilar esse senso de pertencimento e identificação com a terra. Assim como para as tribos, os habitantes originais consideram a terra uma entidade viva, central para sua existência, identidade, cultura e estrutura social, e não uma mera mercadoria econômica. Gaza possui uma profunda conexão espiritual e emocional com suas terras ancestrais, que consideram um presente sagrado, ancestral, a ser protegido e transmitido às futuras gerações.

Kushner não domina esse idioma. Sua política sempre se apropriou do vocabulário do comércio para mascarar o exercício do poder. O conflito se torna ineficiência, a ocupação se torna “complexidade” e o deslocamento em massa se torna uma externalidade lamentável, porém administrável. Os palestinos não são apagados por completo; são silenciosamente eliminados da história, reduzidos a um inconveniente demográfico no horizonte de investimentos de terceiros. O fato de essa visão de mundo emanar de um homem sem experiência política ou diplomática, sem conhecimento de história ou direito internacional, sem autoridade constitucional e alçado ao poder unicamente por ser genro do presidente, torna sua influência não apenas alarmante, mas grotesca.

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Isso não é novidade. A história colonial está repleta de momentos em que a destruição precede a reformulação. Cidades arrasadas pelo império são posteriormente comercializadas como oportunidades de renovação, desde que os habitantes originais sejam removidos, controlados ou esquecidos. A observação de Kushner se encaixa perfeitamente nessa linhagem. O que a distingue não é a crueldade, mas uma falsa autoconfiança – a suposição de que a presença palestina é temporária, negociável e, em última análise, dispensável.

“O colonialismo não se contenta apenas em manter um povo sob seu domínio; ele se volta para o passado dos oprimidos e o distorce, desfigura e destrói.”

(Frantz Fanon era um radical político e panafricanista, preocupado com a psicopatologia da colonização.)

Essa confiança foi cultivada por meio de políticas. Os Acordos de Abraão, celebrados como avanços diplomáticos, tinham menos a ver com a paz do que com a reorganização. Eles normalizaram a posição regional de Israel, ao mesmo tempo que o isentaram de qualquer obrigação de resolver a questão palestina. Os palestinos foram excluídos não por descuido, mas propositalmente.

Ao redefinir a paz como uma transação de elite, os Acordos contornaram o consentimento público e o julgamento moral. Os regimes árabes foram incentivados a trocar solidariedade por sistemas de vigilância, acordos de armas e favores geopolíticos. A justiça foi reformulada como um obstáculo ao progresso. A responsabilidade histórica dissolveu-se no pragmatismo.

Kushner desempenhou o papel de facilitador com perfeição — nunca exigindo direitos, nunca invocando a lei, sempre pavimentando o caminho para a aceitação sem responsabilização. Era uma diplomacia desprovida de consciência, conduzida como uma série de transações em que a parte mais vulnerável não foi convidada à mesa de negociações.

Essa fragmentação do consenso árabe não gerou estabilidade. Gerou impunidade. Israel emergiu com mais liberdade para intensificar o conflito, e Gaza ficou mais exposta à destruição. O que testemunhamos hoje não é o colapso desse modelo, mas sua consumação. Quando a ocupação é normalizada, a violência se intensifica. Quando o apartheid é recompensado, ele se fortalece.

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A guerra atual não começou em 7 de outubro de 2023. É o culminar de um cerco que durou mais de dezesseis anos e, antes disso, de uma desapropriação que teve início em 1948. Desde 2007, Gaza tem sido submetida a um controle quase total de suas fronteiras, espaço aéreo, litoral, registro populacional, eletricidade, água, combustível e importações. As calorias foram contadas, a circulação reduzida a permissões, a sobrevivência terceirizada para isenções humanitárias. Gaza foi transformada em um laboratório de privação controlada.

Ataques repetidos — em 2008-09, 2012, 2014, 2021 e agora — garantiram que a destruição superasse a reconstrução. Cada ciclo reforçou a dependência. O que distingue o momento atual é a intenção. A linguagem mudou da dissuasão para a eliminação, da contenção para o apagamento. Hospitais se tornaram campos de batalha, comboios de ajuda humanitária, alvos, política de fome. O direito internacional não foi apenas violado; foi tratado como um mero inconveniente.

E, no entanto, enquanto Gaza persiste, o eco das palavras do falecido poeta Mahmoud Darwish ressoa: “Sofremos de uma doença incurável: a esperança”.

Essa persistência é o que a fantasia da Riviera não consegue compreender. Gaza não é apenas escombros; é continuidade. São famílias reconstruindo casas que sabem que podem desabar novamente. São médicos operando sem anestesia, jornalistas reportando enquanto enterram seus próprios filhos, professores dando aulas em tendas em meio às ruínas. A própria sobrevivência se torna um ato de recusa.

A resiliência aqui não é romântica. É custosa, exaustiva e impregnada de dor. Mas também é política. Cada ato de resistência contradiz a premissa colonial de que a destruição abre caminho para a reinvenção por outros. O povo permanece e, ao permanecer, rompe com a fantasia de que a terra pode ser separada daqueles a quem pertence.

A persistência dessa fantasia nas capitais ocidentais exige o confronto com a história não resolvida da Europa. O antissemitismo não nasceu no mundo árabe. Foi cultivado, institucionalizado e industrializado na Europa. Contudo, a Europa deslocou sua culpa, transformando o sionismo em redenção, enquanto transferia o custo para os palestinos.

Esse deslocamento continua hoje por meio da mediação política. A liderança europeia — particularmente sob Ursula von der Leyen — ofereceu a Israel cobertura moral enquanto esvaziava o direito internacional de significado. O alinhamento substituiu o princípio. O poder substituiu a responsabilidade.

O que une a ilusão da Riviera de Kushner e a postura diplomática da Europa é uma lógica compartilhada: a legitimidade pode ser fabricada posteriormente. Primeiro vem a força, depois a normalização, depois a reconstrução. A violência limpa o terreno; a diplomacia o higieniza; o capital consolida o resultado. Os habitantes originais, se sobreviverem, tornam-se marginais à sua própria terra.

É por isso que a Riviera jamais surgirá em Gaza.

Não porque o capital seja insuficiente ou as medidas de segurança incompletas, mas porque os alicerces necessários para tal fantasia não existem. Não se pode construir lazer sobre valas comuns. Não se pode vender pores do sol sobre ruínas que ainda gritam. E não se pode apagar um povo simplesmente imaginando que sua ausência seja lucrativa.

A visão de Kushner ruirá sob o próprio vazio. Ela confunde exaustão com rendição e devastação com consentimento. Confunde dinheiro com permanência. Nenhum investimento pode transformar genocídio em desenvolvimento, e nenhuma mudança de imagem pode converter limpeza étnica em oportunidade.

Gaza permanece — sem marinas, sem hotéis de luxo, sem a promessa vulgar de uma Riviera — mas com algo muito mais duradouro: um povo enraizado em sua terra, munido de memória e que se recusa a trocar a existência pela fantasia de outrem.

Impérios não caem quando lhes falta poder. Caem quando acreditam que esse mesmo poder não é suficiente para sustentar seu reinado.

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As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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