Com novo pacto de investimento, Índia amarra sua economia ao Estado de Israel

Azad Essa
2 meses ago

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Governistas na Índia carregam bandeiras israelenses em ato em Nova Delhi, em 15 de outubro de 2023 [Pradeep Gaur/SOPA Images/LightRocket via Getty Images]

A Índia assinou há pouco um pacto histórico de investimentos com Israel. Denominado Acordo de Investimento Bilateral (BIA, em inglês), o contrato visa fomentar a confiança de investidores e conferir maior fluidez a transações entre os países.

Na cerimônia de assinatura em Nova Delhi, em 8 de setembro, o militante colonial e ministro das Finanças de Israel, Bezalel Smotrich, insistiu que o acordo “abrirá novas portas a investidores indianos e israelenses, fortalecerá nossas exportações e gerará empregos a ambos os lados, com garantias e ferramentas para desenvolver um dos mercados que mais cresce no mundo”.

“A Índia é uma potencial econômica em ascensão e a cooperação é uma oportunidade tremenda a Israel”, acrescentou.

Em nota, o governo indiano do primeiro-ministro Narendra Modi alegou que o acordo reflete “o compromisso compartilhado rumo a uma maior cooperação econômica, e a criar um ambiente de negócios mais robusto e resiliente”.

Em suma, o pacto amarra as economias de Israel e Índia uma à outra, a perder de vista. Não apenas é o primeiro acordo do tipo entre a Índia e um Estado “ocidental”, membro da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), como leva à mesa a possibilidade de um acordo de livre comércio entre as partes.

É claro, se trata de dinheiro e segurança econômica.

Ao que parece, um eminente objetivo deste acordo é proteger investimentos do grupo Adani no porto israelense de Haifa, assim como tentar manter vivo o Corredor Índia — Oriente Médio (IMEC), que liga o país sul-asiático aos mercados ocidentais. Avalizado por Washington, como resposta à Nova Rota da Seda, de Pequim, o IMEC, no entanto, encara sucessivos obstáculos desde que Israel deflagrou seu genocídio em Gaza.

Contudo, dado o momento da assinatura deste acordo, trata-se igualmente de política, diplomacia e demonstração de força e confiança.

É ainda um veículo para um projeto em curso, voltado a facilitar a integração financeira de Índia e Israel ao Oriente Médio.

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Investimento e genocídio

Desde outubro de 2023, Israel matou, feriu e mutilou cerca de 200 mil pessoas na Faixa de Gaza. Toda uma população, ou dois milhões de pessoas, é tomada pela fome, criada deliberadamente por um bloqueio encomendado pelo regime israelense.

Frente às cenas de Gaza, milhões em todo o mundo tomaram as ruas.

Alguns governos levaram Israel ao Tribunal Internacional de Justiça (TIJ), com sede em Haia, ao indiciá-lo por genocídio. Outros firmaram embargo de armas. A Colômbia, por exemplo, decidiu congelar a exportação de carvão a Israel. Centenas de civis zarparam em dezenas de barcos carregando assistência humanitária a Gaza, incluindo comida e medicamentos, na esperança de romper o cerco.

Ao receber o ministro Smotrich e assinar um pacto econômico neste momento, a Índia não somente sinalizou apoio a Israel, mas acabou por vincular seu destino econômico e político à ocupação. Ao se tratar de Smotrich, banido de cinco países ocidentais por sua incitação racista contra palestinos da Cisjordânia, e cujo mandado de prisão já repousa sobre a mesa no Tribunal Penal Internacional (TPI), também em Haia, as ações indianas são ainda mais deploráveis.

Com crescente isolamento de Israel na Europa, a Índia ofereceu um ombro amigo, em termos de proteção e alternativa econômicas e securitárias. A medida abarca crescente aproximação entre as partes na última década — mesmo durante o genocídio. De fato, laços econômicos e culturais não desaceleraram, à medida que a Índia emprestou mão de obra aos colonatos de Israel, para compensar a revogação de vistos de palestinos da Cisjordânia, para além de assinar acordos acadêmicos e fabricar na imprensa cobertura e consentimento ao genocídio.

‘Interesse nacional’

Há mais de uma década, a Índia é o maior comprador de armas israelenses do mundo, sem deixar que o genocídio afetasse a gastança.

Nos últimos dois anos, ambos os países assinaram acordos em setores como tecnologia hídrica, segurança digital e agricultura — indústrias inteiras construídas sobre as costas arqueadas dos palestinos sob brutal ocupação.

Em 2024, trocas comerciais entre Índia e Israel chegaram a US$4 bilhões. Investimentos mútuos foram estimados em US$800 milhões, com o grosso no setor militar. A Índia, de sua parte, exportou joias, minerais, químicos e bens de engenharia, em troca de armas, maquinário fertilizante.

Além disso, a Índia aprovou uma crescente coprodução de armas, desenvolvidas por Israel, em fábricas de todo país. Desde outubro de 2023, empresas indianas enviaram drones de combate, foguetes e explosivos para reabastecer o genocídio. No fim do ano passado, a rede Middle East Eye revelou que o sistema de armamentos por inteligência artificial (AI) usado pela infantaria israelense em Gaza foi cofabricado pela Índia.

Diante das críticas, o Ministério de Relações Exteriores em Nova Delhi apegou-se à tese de “interesse nacional”. A certa altura, alegou o chanceler, Subrahmanyam Jaishankar: “A questão das exportações da Índia, incluindo quaisquer exportações com implicações diretas ou indiretas no campo militar, é guiada por nossos interesses nacionais, assim como nossos compromissos com diversos governos. Sobre Israel, é um país com quem temos um forte histórico de cooperação em segurança. É também um país que ficou ao nosso lado diante de diferentes ameaças”.

Sobre os mandados de prisão emitidos pelo TPI contra o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, e seu ex-ministro da Defesa, Yoav Gallant, Jaishankar insistiu que, dado que a Índia não é signatária da corte, não exige posição formal.

O acordo de proteção de investimentos, portanto, abrange esforços por um ambiente mais eficaz a novas parcerias entre ambas as partes. A conta fecha.

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Afinidade ideológica

Como Estados marcados pelas ideologias supremacistas do sionismo e do nacionalismo hindu (Hindutva), Israel e Índia promovem uma agenda de exclusão e expansionismo. É notório o paralelo, por exemplo, nos assentamentos exclusivamente judaicos em terras ocupadas da Cisjordânia e a busca por análogos hindus na Caxemira. O mesmo se nota na Lei de Estado-nação e no Ato de Emenda de Cidadania (CAA), que tornam a filiação ao Estado, em Israel e Índia, respectivamente, contingente à religião.

Tamanha agenda autoritária se manifesta ainda em regimes de vigilância, uso arbitrário de leis de contraterrorismo, contra críticos e dissidentes, e violência militar, em ambos os casos, contra cidadãos comuns.

Na Caxemira, o Estado indiano impôs uma rede ampla de câmeras de segurança, assim como delatores locais e mesmo invasões de casas de jornalistas e ativistas, no objetivo de instaurar um clima de medo e silêncio por todo o vale.

E, como se tornou norma, é também evidente nas tentativas compartilhadas de impor mudanças demográficas ao marginalizar comunidades, demolir casas e atacar locais de culto. Tanto Índia quanto Israel veem essas táticas como estratégia para dar como fato consumado seus respectivos etnoestados.

Com o novo acordo, o vínculo se torna ainda mais institucionalizado.

A investidores, oligarcas e lideranças políticas, transmite a mensagem: a Índia não tem problema em fazer negócios com quem conduz um genocídio. Ao assinar o acordo, o país expressa compromisso com o futuro de Israel. Para ultranacionalistas hindus, é um marco significativo.

Contudo, para aqueles em todo o mundo que se importam com os direitos humanos, a justiça e a democracia, o que se testemunha é a um dos líderes do chamado Sul Global escolhendo comércio, guerra e supremacismo sobre as vidas palestinas. Para o restante do mundo, confirma que alguns não apenas enriquecem com a ocupação, a violência e o apartheid, como também com o genocídio.

Publicado originalmente em inglês pela rede Middle East Eye, em 14 de setembro de 2025

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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