O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, voltou a escalar tensões com o Brasil na sexta-feira (5), ao rotular o atual governo como “esquerda radical” e sugerir que lideranças e oficiais brasileiros sejam impedidos de participar da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), em Nova York, nesta semana. A declaração surgiu em coletiva de imprensa na Casa Branca, em que Trump voltou a atacar posições políticas de Brasília, incluindo seu apoio expresso à Palestina.
“Estamos muito furiosos com o Brasil”, disse Trump. “Já impusemos duras tarifas porque eles estão fazendo algo muito infeliz”.
O comentário aludiu, em parte, a uma série de tarifas de até 50% sobre bens exportados do Brasil aos Estados Unidos, a partir de agosto, no que Trump admitiu como retaliação a posicionamentos políticos da presidência de Luiz Inácio Lula da Silva. A ira de Trump não se deu apenas pela política interna brasileira, como o julgamento por golpe de Estado do ex-presidente Jair Bolsonaro, mas também sua diplomacia, que vem divergindo, cada vez mais, da subordinação a Washington.
Donald Trump disse estar “chateado” com o Brasil porque Lula seria “comunista”.
É sempre assim: quando falta argumento, sobra rótulo vazio.
Chamar Lula de comunista é como chamar Trump de intelectual não faz sentido nenhum.
O que realmente incomoda Trump é ver o Brasil… pic.twitter.com/wubTmo8bkH
— Beta Bastos (@roberta_bastoss) September 5, 2025
O apoio declarado do Brasil à Palestina emergiu como ponto de atrito no relacionamento com Trump. Lula condenou mais de uma vez a campanha militar de Israel em Gaza, pediu por cessar-fogo e defendeu o reconhecimento de um Estado palestino na arena global — contrariamente à postura linha-dura de Trump a favor de Israel.
Ainda em outubro de 2023, o Brasil presidiu um encontro do Conselho de Segurança das Nações Unidas no qual pressionou por uma resolução humanitária em Gaza — proposta vetada por Washington, ainda sob gestão do democrata Joe Biden, antecessor de Trump. Lula também passou a expressar solidariedade ao povo palestino em discursos e viagens internacionais.
Tais posições atraíram ataques de figuras de direita e extrema-direita, seja no Brasil ou em Israel e Estados Unidos, que passaram a caracterizar o posicionamento brasileiro como supostamente alinhado a países ideologicamente opostos, incluindo Venezuela, Cuba e Irã. Para Trump, a guinada brasileira a uma diplomacia não-alinhada é parte do que define agora como “esquerda radical”.
Israel is a talisman for fascists around world for a reason: they see their ideology realised in the entity
I was in Brazil recently + went to a Bolsonaro rally. 1 thing was immediately noticeable: there were more Israeli flags than Brazilian flags
Same for Trump, Milei, Orbán pic.twitter.com/BAqoqGydIp
— Matt Kennard (@kennardmatt) August 30, 2025
Trump insiste em defender Bolsonaro, seu igual ideológico no Brasil, julgado por tentativa de golpe de Estado no Supremo Tribunal Federal (STF), após perder as eleições de 2022 — quando era presidente — e incitar ataques à democracia. O caso é chefiado pelo ministro Alexandre de Moraes, conservador frequentemente atacado por reacionários brasileiros e americanos, que alegam “perseguição política”.
O alinhamento de Trump e aliados de Bolsonaro se robusteceu ainda mais pela presença nos Estados Unidos do filho do ex-presidente, o deputado Eduardo Bolsonaro (PL–SP), em ausência remunerada do parlamento brasileiro. Eduardo é também investigado na Justiça brasileira, por colaboração com grupos extremistas no exterior.
Em resposta, Trump não apenas impôs tarifas arbitrárias a bens brasileiros como sugeriu revogar os vistos diplomáticos a emissários brasileiros que queiram atender à Assembleia Geral, em ameaça sem precedentes a um colega membro da ONU. Tradicionalmente, é o Brasil quem abre os discursos na Assembleia Geral.
A possibilidade de os Estados Unidos negar acesso de diplomatas estrangeiros por razões políticas fomenta alarde entre observadores internacionais. Uma medida como essa não somente estabeleceria um precedente perigoso, como alimentaria dúvidas sobre o papel de Washington como anfitrião e sede do fórum global.
Em seu âmago, o atrito entre Estados Unidos e Brasil sob Trump e Lula reflete uma fissura político-ideológica no mundo contemporâneo. O desdém de Trump ao apoio brasileiro à Palestina, suas críticas a Israel e suas relações diplomáticas com movimentações do Sul Global, contrasta com a agenda antiglobalista, sionista e beligerante que define a política externa trumpista e, por extensão, da extrema-direita.
Para o Brasil, a posição hoje adotada é parte de uma reafirmação ampla de sua soberania e independência, com ênfase no multilateralismo, nos direitos humanos e em uma ordem global mais equilibrada. Porém, essa mudança pôs o país em rota de colisão com regimes de extrema-direita, como é o caso de Trump.
Trump’s irrational Brazil tarrif’s have given Lula a bump in the polls, but have also given hope to the far right Liberal Party, who are waging an uphill battle trying to get their leader, Jair Bolsonaro, out of Jail. My story @telesurenglish pic.twitter.com/vsoOjHBQC9
— BrianMier (@BrianMteleSUR) August 15, 2025
Se as tensões levarão a um afastamento diplomático de longo prazo permanece incerto. No entanto, por ora, o papel do Brasil na arena global, incluindo declarações e eventuais ações frente à palestina, recai ao centro do debate internacional.
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.
![Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva [Fotomontagem/Agência Anadolu]](https://www.monitordooriente.com/wp-content/uploads/2025/09/merged_presidents_cropped.webp)