Porque Israel está mais perto do que nunca de construir seu ‘Terceiro Templo’

Lubna MasarwaHuthifa Fayyad
3 meses ago

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Preces entoadas em grupos ruidosos. Cantos e danças. Homens prostrados, rostos contra o chão. Bandeiras israelenses ao vento. Imagens da Mesquita de Al-Aqsa, um dos lugares mais sagrados para o Islã, durante uma recente invasão de colonos fundamentalistas judeus em meados de agosto.

Anos atrás, seria inimaginável. Mas desde outubro de 2023, tudo mudou. “Havia um número assustador de colonos presentes e alguns deles eram figuras de renome”, notou Aouni Bazbaz, diretor de assuntos internacionais do Departamento de Recursos Islâmicos (Waqf) de Jerusalém, que administra Al-Aqsa, em contato com a rede britânica Middle East Eye. “Este é um estágio crucial da busca por impor a soberania judaica sobre Al-Aqsa e dividi-la espacialmente entre muçulmanos e colonos”.

Al-Aqsa, na Cidade Velha de Jerusalém, repousa há décadas no âmago da colonização e ocupação israelense da Palestina. Para palestinos, árabes e muçulmanos em todo o mundo, a mesquita simboliza a luta por liberdade, identidade e independência. Para colonos israelenses é o local de um templo judaico prestes a emergir.

Por décadas, Al-Aqsa é gerida por um arranjo internacional para se manter como um santuário exclusivamente islâmico. Contudo, desde a tomada de Jerusalém Oriental, em 1967, Israel erodiu pouco a pouco este status, via restrições crescentes de acesso muçulmano e, sobretudo, palestino e ampliação da presença e controle de supremacistas judeus.

Esforços se intensificaram drasticamente no contexto do genocídio em Gaza. Neste entremeio, com enfoque regional e internacional no enclave, Al-Aqsa segue sob ameaça.  Muitos palestinos temem estar prestes perder sua identidade como mesquita, desfigurada em um temor longínquo: o “terceiro templo” da Antiguidade.

LEIA: O mito do Templo de Salomão I – A disputa por Jerusalém

Erosão do status quo

No final do século XIX, o Império Otomano, que então dominava a Palestina, instituiu um arranjo executivo sobre os santuários de Jerusalém. Nasceu o “status quo”, uma série de normas e regulamentações hoje vinculativa sob a lei internacional, acolhida como consenso pelas potências globais.

O decreto estipulou que a totalidade dos 144 mil metros quadrados do complexo da Mesquita de Al-Aqsa — incluindo o Domo da Rocha e outros edifícios — recaem sob gestão islâmica. Por décadas, a administração conhecida como Waqf segue sob custódia da Jordânia.

As regras são simples: apenas muçulmanos podem orar na mesquita; não-muçulmanos podem visitá-la, sob calendário e condições determinados pelo Waqf. A gestão da mesquita, incluindo sua manutenção, segurança e eventuais escavações arqueológicas, permanece unicamente responsabilidade do Waqf Islâmico.

Esta autoridade — por extensão de Amã — foi reconhecida formalmente por Israel em seu tratado de paz assinado com a Jordânia, em 1994.

Ao longo da ocupação israelense de Jerusalém, até meados de 2000, violações do status quo eram poucas e esparsas, à medida que as autoridades coloniais evitavam condenação global em caso de agressão à mesquita. Entretanto, a invasão do então líder oposicionista Ariel Sharon em 2000, junto de centenas de guardas armados, mudou tudo.

O incidente deflagrou a Segunda Intifada e, dali em diante, o regime israelense intensificou como nunca as violações do status quo. Primeiro, forças da ocupação foram empregues regularmente nos pátios e portões da mesquita, ao aplicar restrições de entrada, como a homens abaixo de 40 anos e palestinos de Gaza e Cisjordânia.

Concomitantemente, Tel Aviv tirou do Waqf sua autoridade para controlar visitas, ao abrir as portas a colonos ultranacionalistas, sob pesada escolta militar. Invasões são convocadas por militantes do chamado Monte do Templo, incluindo entidades que pedem abertamente a destruição de Al-Aqsa, para construir seu santuário no lugar.

Desde 2000, como se não bastasse, Israel conduz escavações sob Al-Aqsa, violação marcante e perigosa do status quo.

Novo normal

Nas duas décadas seguintes, as violações de Israel estenderam suas raízes, ao convertê-las na nova realidade em campo.

A princípio, as invasões coloniais se restringiam em número e duração. Ao longo dos anos, no entanto, cresceram com firmeza. Em 2009, cerca de cinco mil colonos atendiam aos chamados. Em 2019, eram 30 mil invasores. Dois anos antes, sua incidência era diária, salvo sextas e sábados, com turnos imediatos às cinco preces do Islã: uma invasão pela manhã, após o Fajr; outra à tarde; e outra à noite, após o Dhuhr.

O controle crescente, até sua totalidade, sobre o acesso e os horários de visitação é o que os palestinos preconizam, há décadas, como o objetivo final. Para eles, autoridades ocupantes criam uma nova realidade, ao subverter a mesquita em um espaço compartilhado entre preces islâmicas e judaicas. Como resultado, as copiosas violações israelenses instigaram repúdio popular e mesmo da resistência armada não somente em Jerusalém como na região como um todo.

Em maio de 2021, as incursões coloniais à mesquita durante o mês islâmico do Ramadã catalisaram 11 dias de levante em toda a Palestina histórica, incluindo resposta do Hamas e bombardeios consecutivos das forças ocupantes contra Gaza. Dois anos depois, o movimento palestino mencionou as violações como razão fundamental para sua “Operação Tempestade de Al-Aqsa” — a operação transfronteiriça de 7 de outubro, que capturou colonos e soldados e deflagrou o genocídio desde então.

A escalada teve efeito dominó, para além da fome, destruição e dos cerca de 63 mil mortos em Gaza, com ataques israelenses não apenas a Cisjordânia, como Líbano, Síria, Iêmen e Irã. Sob o manto de tensões regionais em alta, as violações em Al-Aqsa prosseguiram inabaladas. Somente se agravaram, com os olhares internacionais em algum outro lugar.

Escalada

Em 13 de outubro de 2023, a primeira sexta-feira após os ataques do Hamas, Israel baniu todos com menos de 60 anos de idade entrar em Al-Aqsa. Centenas de soldados israelenses foram posicionados por toda a Cidade Velha. Nas entradas, forças ocupantes reprimiram violentamente qualquer aproximação, com milhares orando nas ruas ao redor.

O movimento Beyadenu, maior grupo do Monte do Templo, ameaçou impedir os muçulmanos de chegar ao local. Outras associações de extrema-direita puseram o imã de Al-Aqsa em uma lista de alvos de assassinatos em canais do Telegram.

Este dia deu o tom para o que veio a seguir. Desde então, autoridades israelenses e grupos fundamentalistas intensificaram seus esforços para angariar mais e mais controle sobre Al-Aqsa, sobre a estratégia básica de restringir o acesso palestino, incluindo proibições ou limitações ainda em curso contra fiéis de Cisjordânia e Gaza. Homens com menos de 50 anos costumam ter entrada negada.

Além disso, forças da ocupação emitem dezenas de proibições individuais todos os anos, contra palestinos de Jerusalém ou do território designado Israel. As medidas são abrangentes, contra imãs, jornalistas, ativistas e simples fiéis.

Al-Aqsa, que certa vez recebeu centenas de milhares, além de dezenas de milhares regularmente para as orações de sexta-feira, vê hoje poucos milhares às sextas e meras centenas de fiéis nas orações diárias.

Preces públicas

Enquanto isso, incursões israelenses cresceram em escala, com 57 mil colonos em 2024, quase o dobro de cinco anos antes. O objetivo, segundo a Beyadenu, é cem mil participantes anualmente. A duração das invasões também aumentou mês após mês.

Um dos avanços mais preocupantes, porém, é a performance pública de orações judaicas durante as incursões coloniais. Embora tais preces — violação do status quo — já fossem realizadas, costumavam transcorrer silenciosa e individualmente, sob reprimenda da polícia acima de certos decibéis, para evitar confrontação direta com muçulmanos e palestinos.

Em abril de 2024, contudo, revelou-se que Itamar Ben-Gvir, ministro de Segurança Nacional e militante supremacista, cuja pasta administra a polícia de Jerusalém ocupada, havia implementado uma mudança de política contrária ao status quo, ao permitir preces judaicas, não importa como, dentro da mesquita, sem interrupção.

Em junho, colonos fundamentalistas disseram que Ben-Gvir os havia instruído: “De agora em diante, podem cantar e dançar no Monte do Templo [sic]”. Um artigo da rede israelense Ynet News reconheceu que a polícia está alterando o status quo de Al-Aqsa ao aplicar um critério de “mais judeus, menos policiamento”. O próprio Ben-Gvir foi vanguarda durante invasões à mesquita, em agosto, junto de centenas, em manifestação ruidosa, pouco comum, de ritos judaicos.

As incursões, agora, expõem cenas teatrais, de homens prostrados, leituras do Torá e bandeiras israelenses.

“Me lembro dos tempos em que, se movesse seus lábios, seria preso”, comentou Yehudah Glick, liderança do Monte do Templo e ex-deputado do partido Likud. “Lembro dos tempos em que éramos poucos, mas hoje crescemos”.

Mais recentemente, uma nova tendência igualmente inquietante, se não mais, surgiu neste entremeio, reportou uma fonte sênior do Waqf Islâmico, em condição de anonimato. A movimentação envolve orações e sermões do rabino Shimshon Elbaum, chefe da chamada Administração do Monte do Templo.

Soberania

Em junho deste ano, Israel assumiu um passo inédito.

Al-Aqsa foi fechada completamente por dias a fio. O pretexto para a medida foi a troca de disparos com o Irã, embora sem precedentes mesmo nos períodos mais voláteis da atribulada história israelense, de modo a sugerir segundas intenções. Para os palestinos, o verdadeiro intuito é asseverar “soberania” israelense sobre a mesquita, ao demonstrar que se abriria ou fecharia a seu bel-prazer.

O esforço se refletiu ainda em ações menores, porém consistentes, voltadas a erodir o papel e o alcance do Waqf Islâmico. O oficial supracitado notou que autoridades ocupantes não permitem ao departamento contratar pessoal ou conduzir manutenção dentro da mesquita, salvo eventual autorização prévia. Em uma ocasião, recordou, um cano estourou em seu escritório, mas foi proibido de contratar um encanador por mais de dois meses, deixando uma conta d’água de 50 mil shekels — quase US$15 mil — para um problema que levaria não mais que alguns minutos e US$3 em peças.

“Não podemos consertar as janelas ou qualquer outro problema que surja em nossos escritórios”, lamentou a fonte, em contato com o Middle East Eye. “Não podemos nem mesmo limpar os drenos para o inverno. Tudo demanda autorização e tudo que nos dizem é: seu pedido está pendente. Ninguém pode conduzir qualquer manutenção dentro de Al-Aqsa sem arriscar ser preso”.

Mesmo comprar sabonete requer autorização. Em 2022, após longa tramitação, autoridades israelenses impediram, na fronteira, a entrada de carpetes doados pelo rei da Jordânia, Abdullah II. Os carpetes cobririam aproximadamente sete mil metros quadrados, estimados em US$600 mil, pagos do fundo pessoal do rei — oficialmente, guardião de Al-Aqsa.

Tudo isso é parte de uma agenda de longa data, por mais e mais controle, encabeçada por figuras como Ben-Gvir e seus correligionários do Monte do Templo, entre os quais deputados e ex-deputados de Israel.

Ao empregar ações como atraso na manutenção, embargo a itens essenciais e fechamento arbitrário dos portões, o regime israelense busca tomar do Waqf a pouca autoridade que ainda tem, ao impor ao santuário seus próprios arbítrios.

Essa é a realidade hoje, em que a administração do Waqf existe apenas no papel, enquanto, na prática, Israel controla tudo e todos dentro da mesquita.

“Nossa autoridade é zero”, corroborou a fonte. “Falar em ‘soberania compartilhada’ não é mais um sonho distante desses grupos do Monte do Templo. Tornou-se um projeto concreto, implementado passo a passo”.

O Terceiro Templo

Com Israel próximo do controle total de Al-Aqsa, e seu status quo “morto e enterrado”, como alertam alguns analistas, a questão que resta é: o que vem a seguir?

Em meados de 2023, meses antes do ataque do Hamas, Amit Halevi, deputado do partido governista Likud, propôs um plano de partilha para Al-Aqsa, com 30% da seção sul destinada aos muçulmanos e restante — incluindo a área do Domo da Rocha — a colonos judeus. Seu projeto abarcava rescindir a tutela jordaniana, em consonância com as demandas do Monte do Templo.

Um ano depois, Ben-Gvir expressou seu apoio. Embora não exija explicitamente a divisão material da mesquita, pede a construção de uma sinagoga dentro do complexo.

Apelos para demolir Al-Aqsa e substitui-la por um templo judaico — o terceiro de uma suposta genealogia bíblica — são um componente de longa data da retórica dos militantes extremistas do Monte do Templo. Nos anos recentes, porém, muitos desses grupos angariaram cada vez mais influência, com apoiadores e membros com assento cativo no gabinete e parlamento de Israel, incluindo o próprio Ben-Gvir.

Em maio, em discurso da Marcha da Bandeira — manifestação supremacista israelense, marcada por cantos de “Morte aos árabes”, entre outros —, o ministro da Finanças, Bezalel Smotrich, prometeu “expandir as fronteiras, redimir e reconstruir o Templo”.

Um mês antes, Yitzhak Wasserlauf, ministro do Negev e membro do partido Otzma Yehudit (Poder Judeu), de Ben-Gvir, ecoou o apelo em vídeo gravado durante uma invasão a Al-Aqsa: “Oramos pela construção do templo e sua completa redenção”.

Os palestinos temem que, após obter êxito em impor uma divisão temporal de facto sobre a mesquita, ao alocar certos horários a judeus e muçulmanos, o próximo passo é a partilha espacial. Como a primeira, ocorrerá em fases, a começar por obras ilegais para edificar uma sinagoga dentro do santuário islâmico, para então expandi-la.

A referência é a gradual expropriação da Mesquita de Abraão — também conhecida como Túmulo dos Patriarcas — na cidade de Hebron, na Cisjordânia ocupada. Durante o Ramadã de 2025, autoridades israelenses impediram acesso de muçulmanos à mesquita nas sextas-feiras, em medida sem precedentes.

Segundo relatos, autoridades israelenses já estudam como destituir oficialmente o Waqf Islâmico também de sua função administrativa. “O que está acontecendo não é meramente uma série de violações passageiras”, concluiu a fonte ao Middle East Eye. “É um projeto de judaização total, cujo objetivo é impor uma absoluta soberania israelense sobre a mesquita. O mundo islâmico, não somente os palestinos, devem entender a magnitude desse desafio e se preparar para uma corrida contra o tempo, antes que essa realidade forçosa se torne, de algum modo, irreversível”.

Publicado originalmente em inglês pela rede Middle East Eye em 19 de agosto de 2025

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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