A Flotilha Sumud é um chamado aos governos do mundo – entrevista com o presidente do FLP, Mohamad El Kadri, que embarca com mais 15 brasileiros rumo a Gaza

Rita Freire
3 meses ago

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Mohamad El Kadri, presidente do Fórum Latino Palestino [© Rodrigo Romeo/Alesp]

Nosso entrevistado embarcou neste domingo no Moll de Fusta, em Barcelona,  rumo à Gaza, ao lado do parceiro de jornada Magno de Carvalho Costa, dirigente Sindicato dos Trabalhadores da USP (Sintusp) e da central sindical ConLutas, com quem saiu do Brasil há poucos dias para encarar a travessia arriscada pelo Mediterrâneo.  Junto com eles, vão outros 14 brasileiros, entre eles a presidente do PSOL no Rio Grande do Sul, Gabrielle Tolotti, a vereadora Mariana Conti (PSOL), de Campinas,e também Thiago Ávila, que já participou da Flotilha Madleen, sequestrada em alto mar por Israel. Entre as figuras internacionais estão Greta Thunberg,  que já participou da flotilha com Ávila, personalidades políticas como a ex-prefeita de Barcelona, Ada Colau e  a parlamentar portuguesa Mariana Masagua, e artistas conhecidos como Susan Sarandon.  E uma maioria composta de militantes voluntários.

Chegada de um dos navios da Flotilha Sumud no Porto de Barcelona, em 31 de agosto de 2025

Presidente do Fórum Latino Palestino (FLP) e coordenador da Frente Palestina SP, Mohamad El Kadri calcula cerca de 500 pessoas de inúmeras organizações embarcando na mesma missão, parte zarpando do porto catalão, e daqui uns dias, outra  parte saindo da Turquia e juntando-se à flotilha integrada por dezenas de navios para os quais quase 30 mil pessoas se inscreveram, de 44 países. E obrigando seus governos a prestarem atenção à cobrança dos  embarcados. 

A Global Sumud Flotilha é uma coalizão que reúne esforços de outras flotilhas, especialmente a Flotilha da Liberdade, que fez várias tentativas de furar o cerco a Gaza nos últimos anos,  a Flotilha Sumud do Magreb, o comboio Sumud Nusantara e do Movimento Global Para Gaza e outras organizações e movimentos  internacionais. 

Kadri foi barrado outras vezes,  como na Missão Gaza ocorrida a partir do Fórum Social Mundial em 2015, quando o genocídio progressivo avançava violentamente sobre Gaza, bem antes portanto do 7 de outubro de 2023. Nesta entrevista, ele recorda os dias de apreensão no Brasil quando a missão em que estava  Thiago Avila foi interceptada por Israel,  em junho deste ano, e  sua própria ida ao Cairo logo depois para uma enorme marcha à Gaza por terra, desmantelada pelo governo egípcio.

A falta de ação da comunidade internacional tem deixado pessoas e organizações em todo o mundo desesperadas diante da passividade – em muitos casos cumplicidade – frente ao genocídio, e as flotilhas mostram que elas estão dispostas a se arriscarem sem proteção na urgência do socorro à Gaza. “Se representantes da sociedade podem enfrentar o cerco ao povo palestino, os governos do mundo também podem”, diz  Kadri.

Esta é uma viagem das mais arriscadas, entre as  viagens organizadas por ativistas para romper o cerco a Gaza por mar. Sempre houve  ataques violentos às várias flotilhas, mas hoje Israel explicita a determinação de eliminar até mesmo quem tente expor o que ocorre dentro desse cerco de bombardeios e destruição ou ajudar suas vítimas, e segue assassinando jornalistas, médicos, trabalhadores humanitários e matando de fome a população. Como esta flotilha pretende enfrentar os riscos envolvidos?

O que Israel está fazendo já não é genocídio, é um holocausto e precisa da reação mundial para um basta. Nosso plano é  chegar a Gaza dia 3 de setembro, com apoio de movimentos de todo mundo. O sentimento que nós temos é de que a viagem é sim muito arriscada. Temos exemplo de outras Flotilhas da Liberdade, como a do Marmara, que  teve ativistas assassinados a bordo. E teve a barco Madleen, da qual participou Thiago Ávila, e que teve algumas pessoas presas e torturadas, antes da Flotilha Handala. A gente sabe que pode acontecer novamente, porque isso foi amplamente debatido entre nós. Mas estamos preparados psicologicamente e decidimos, conscientemente, enfrentar isso para  levar solidariedade a Gaza porque que o povo palestino está precisando, desesperadamente.

Greta ladeada por Yasemin Acar, ao microfone, e Thiago Ávila durante entrevista no porto de Barcelona, pouco antes do embarque na Sumud Global Flotilla rumo a Gaza, em 31 de agosto de 2025

Você e o sindicalista Magno Costa já participaram de outras missões rumo a Gaza, inclusive uma humanitária, como integrantes do movimento brasileiro e internacional pela Palestina. Como foram essas experiências?

Sempre fomos barrados, na missão de 2015 e na marcha de 2025.  Eu pessoalmente já fui impedido até mesmo de entrar na Palestina ocupada, por duas vezes, não apenas na Faixa de Gaza, mas decidi estar junto com essas pessoas que querem agir para acabar com esse bloqueio. Acompanhei também o esforço do Thiago Avila no Madleen, sua detenção após o sequestro do barco e seu relato no retorno ao Brasil, esperado por uma aglomeração no aeroporto de Guarulhos. Foram dias de tensão enquanto ele esteve preso, mas ele reafirmou a determinação em seguir pressionando Israel para que pare o genocídio. Conversamos bastante sobre a Flotilha e recebemos o convite para esta missão. Levamos a bandeira do Brasil e de nossas organizações, porque esta é uma representação coletiva de nossos movimentos e também de nosso sentimento como brasileiros.

E como a Flotilha pretende ajudar?

O propósito é romper um cerco ilegal e criminoso. Mas não só isso. Embarcarão 500 pessoas, em 40 ou 50 barcos, levando ajuda. Essa carga que levamos é simbólica, porque temos o objetivo de não apenas levar nosso apoio e das 30 mil pessoas que se inscreveram e apoiaram, mas queremos chamar ajuda internacional de todo tipo, a que seja necessária para por fim ao genocídio.  O chamado é urgente e mobiliza as pessoas inclusive individualmente para fazer algo que leve ao fim dos ataques e da ocupação. Várias pessoas que estão embarcando vieram financiadas por suas organizações, mas outras estão aqui por esforço pessoal. 

Há toda uma delegação brasileira embarcando desta vez. O que vocês esperam do governo brasileiro? 

Esperamos que a flotilha dê para o Brasil uma sinalização de que é preciso tomar atitudes mais firmes contra o genocídio. É preciso romper relações comerciais, econômicas, militares e acadêmicas com Israel .  E também, dependendo do que vai acontecer com esta flotilha e de qual será o resultado dela, que o Brasil tome atitudes severas em relação a Israel. Principalmente tem o fato de que o Brasil tem fornecido muito combustível que Israel precisa para continuar bombardeando Gaza e matando palestinos. O Brasil pode tomar medidas que realmente parem de alimentar esse massacre e rompam efetivamente com o genocídio.

Poucos países têm tomado medidas concretas, além de posições na ONU, por sua vez sempre barradas pelo veto dos Estados Unidos no Conselho Internacional…

Todos sabemos que os governos precisam agir, e a comunidade internacional precisa agir,  porque Israel não vai parar se não for obrigado.  Ontem, a Turquia deu um passo importante e não apenas rompeu todas as relações com o Estado genocida, mas também impediu Israel de usar seu espaço aéreo, e isso deveria influenciar outros países a fazer o mesmo ou tomar medidas que tenham impacto. Essa flotilha é para mostrar que, se nós da sociedade civil podemos fazer isso enfrentando as barreiras, é obrigação dos governos fazê-lo com sua capacidade de agir para romper com esse bloqueio, acabar com esse genocídio, esse holocausto. A Flotilha Sumud é um chamado aos governos. Nós vamos fazer uma tarefa que deveria ser deles.

Você estará enviando boletins para o MEMO, que tem linha editorial clara de apoio ao povo palestino. Mas como a flotilha está repercutindo na mídia?

 Vários jornalistas estão solicitando entrevistas e informações. Neste dia 31, organizadores e algumas figuras internacionais deram entrevista coletiva, com muitos aplausos no momento em que o primeiro barco atracava no porto de Barcelona para início do embarque da ajuda a Gaza. Com tudo isso, acho que a flotilha é um fato político novo para o mundo criar vergonha e literalmente acabar com esse genocídio, que use qualquer tipo de forma necessária para acabar com ele. Álguns jornais tentarão estigmatizar a participação na Flotilha, abertamente ou nas entrelinhas, porque as mídias alinhadas com Israel se mostram cúmplices do genocídio  quando tentam fechar os olhos para os mais de 60 mil mortos palestinos e preferem, de um jeito ou de outro, criminalizar a resistência ao cerco da prisão a céu aberto que é Gaza. Mas a solidariedade ativa representada pela flotilha já é um fato midiático.

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