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Intransigência e cessar-fogo: Os prisioneiros palestinos e relutância de Israel

29 de agosto de 2025, às 17h02

Prisioneiros palestinos chegam ao Hospital dos Mártires de Al-Aqsa, após soltura, em Deir al-Balah, Gaza, em 21 de agosto de 2025 [Mohammed Nassar/Agência Anadolu]

Mesmo enquanto propostas de cessar-fogo em Gaza viajam pelas vias indiretas de negociação, um ponto crítico permanece em aberto: os presos políticos palestinos nas cadeias de Israel.

De fato, a história das trocas de prisioneiros com o lado palestino sempre foi vista pela potência nuclear como um de seus dilemas mais cruéis. O peso moral de reaver colonos em custódia da resistência sempre colidiu com o duro cálculo de “dissuasão” e “segurança nacional”. Em 2011, Israel libertou 1.027 prisioneiros palestinos — incluindo Yahya Sinwar —, em troca de um único soldado, Gilad Shalit. 

Mesmo quando muitos israelenses celebraram o acordo, na ocasião, outros tantos expressaram receios de que fortalecesse o Hamas. Ambos estavam certos.

Agora, em meio a negociações sobre os soldados remanescentes em custódia na Faixa de Gaza, desde 7 de outubro de 2023, o regime israelense vê apelos pela soltura de alguns dos mais proeminentes palestinos em suas celas.

O custo, no entanto, desta vez, parece incomensuravelmente mais alto.

A resistência não pede apenas a libertação daqueles que atiraram pedras, ou dos milhares de civis sequestrados arbitrariamente ao longo do genocídio em Gaza. Pede, em vez disso, a soltura de homens cujos nomes são projetados na memória da ocupação israelense como arquitetos de alguns das mais contundentes ações de resistência, desde a Nakba de 1948.

Israel teme que soltá-los não constituiria apenas uma vitória simbólica à causa palestina, mas poderia permitir à resistência reescrever o futuro do campo de batalha, em escala global.

Entram os chefões militares

Entre os nomes especulados nas listas de troca está Ibrahim Hamed, chefe aprisionado do braço armado do Hamas na Cisjordânia ocupada, por vezes descrito como equivalente ao falecido Mohammad Deif — comandante máximo e figura mitológica das Brigadas Izz ad-Din al-Qassam em sua base em Gaza.

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Hamed, encarcerado desde 2006, enfrenta 45 penas perpétuas consecutivas, acusado de orquestrar uma série de ataques durante a Segunda Intifada

Para o Hamas, convencer a soltura de seu comandante junto de outros presos sob pena perpétua, via troca com o inimigo israelense, não representaria apenas sobrevivência contra todas as chances, mas a ideia de que perdas catastróficas não impedirão o grupo de se reerguer junto a sua liderança.

A Israel, no entanto, contemplar a liberdade de alguém da estatura de Hamed não pode se mensurar apenas em operações do passado.

O regime ocupante sabe muito bem que Ibrahim Hamed é visto nos círculos palestinos como um perseverante símbolo da resistência e hábil estrategista, capaz de reorganizar redes de resistência desde sua cela e, caso solto, do exílio.

Portanto, o dilema em voga está no destino de seus colonos em Gaza contra reaver ao campo de batalha um homem conhecido precisamente por saber reerguer a resistência do zero, com novo vigor a um movimento duramente debilitado — embora longe de ser derrotado.

Hamed, porém, não é o único veterano que carrega memórias.

Hassan Salameh, lembrado como braço direito do falecido Yahya Ayyash, serve múltiplas penas perpétuas desde 1997, por ajudar a dar forma à fase inicial das ações do Hamas contra Israel.

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Abdullah Bargouthi, professor e fabricante de explosivos sofisticados, durante a Segunda Intifada, é ainda outro nome. Suas penas perpétuas — a maioria, cumulativa — refletem a escala de suas capacidades. Israel poderia argumentar que sua libertação não apenas equivaleria à soltura de um homem, mas de uma enciclopédia da resistência.

Há ainda Abbas al-Sayed e suas 35 penas perpétuas consecutivas, desde 2006, também por ações da Segunda Intifada. Embora, assim como os dois militares citados anteriormente, incorpore uma árdua geração de guerrilha, seu retorno poderia providenciar ao Hamas o capital intelectual que precisa na Cisjordânia.

O debate tampouco se confina a figuras militares de Gaza.

 Marwan Barghouti, líder do Fatah ativo na Segunda Intifada, e Ahmad Saadat, secretário-geral da Frente Popular para a Libertação da Palestina (FPLP), pertencem à luta nacional como um todo, sem ligação com o Hamas.

Sua eminência é política, não militar, e Barghouti segue como potencial figura unificadora, cuja eventual soltura transformaria a paisagem política fragmentada da Palestina a algo além.

Mas, novamente, Israel vive um dilema: libertar Barghouti pode até minar o monopólio do Hamas sobre a resistência, mas daria nova face ao movimento palestino, especialmente em um momento em que divisões políticas parecem prevalecer como estratégia ampla da ocupação.

Entre o pragmatismo e princípios

Da maneira como está, o que verdadeiramente distingue o debate sobre a troca de prisioneiros de 2011 é a geografia.

Na época, a maioria dos prisioneiros libertados retornou a Gaza ou Cisjordânia. Hoje, Israel receia que figuras como Hamed, Salameh ou Barghouti poderiam operar mesmo do Irã, Iraque ou Líbano — ambientes onde o alcance israelense é limitado —, com redes de comunicação globais que amplificariam sua mensagem.

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O pesadelo que Israel teme não se refere apenas a renovada resistência na Cisjordânia, mas á emergência de células transnacionais que alvejem seus interesses no exterior, cujos recrutas, considerando a magnitude do morticínio em Gaza, certamente não seriam poucos.

Em um conflito cada vez mais globalizado, um comandante solto não precisa sequer pisar na Cisjordânia para causa impacto. Precisa apenas de um aparelho de comunicação devidamente encriptado e discípulos leais, prontos a executar suas ordens quase de imediato.

Contudo, diante da dinâmica em curso de uma guerra prevalente, a questão fundamental não é se Israel capitulará a uma troca de prisioneiros — é quase certo de que sim, dado o imperativo político e moral —, mas quão longe está disposto a ir?

O governo israelense vive uma pressão imensa para reavir vivos ao menos alguns dos prisioneiros de guerra ainda em Gaza.

Cada dia que passa ecoa como uma traição a famílias que escutam promessas. Entretanto, o cálculo final evidentemente não se trata de compaixão, mas sobrevivência. A soltura de um prisioneiro de alto perfil do Hamas pode reenergizar um movimento que Israel jurou destruir em Gaza.

Isso explica a sensação distinta da libertação de Shalit. Não se pode mais tratar eventuais trocas de prisioneiros sem coligá-las a inferência estratégica. 

Figuras como Ibrahim Hamed, Hassan Salameh e Abdullah Barghouti não são simplesmente nomes em uma lista. São catalizadores, cuja liberdade pode dar corpo à próxima década de resistência contra Israel.

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As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.