O genocídio de Israel em Gaza é o estágio terminal de uma colônia em crise

Joseph Massad
4 meses ago

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Multidões de palestinos buscam ajuda humanitária perto do checkpoint de Zikim, em meio ao genocídio israelense em Gaza, em 4 de agosto de 2025 [Mahmoud Issa/Agência Anadolu]

Em julho, o governo da França anunciou um novo acordo sobre o futuro da Nova Caledônia, sua remota colônia no Pacífico. O acordo redefine o território como “novo estado dentro da República francesa”, ao expandir os direitos de voto a colonos que vivem na ilha há apenas dez anos. Trata-se de uma nova tentativa de neutralizar a ameaça demográfica posta pelo povo nativo canaco. A medida, considerada resposta à luta da população nativa por independência, reflete uma duradoura estratégia colonial voltada a preservar dominância.

Em Gaza, neste entremeio, Israel acelerou sua campanha genocida de quase dois anos mediante fome e massacres dos palestinos nativos. O objetivo é reaver a maioria demográfica de sua colônia judaica de assentamentos — há muito perdida; no entanto, conquistada através da limpeza étnica do povo palestino desde 1948.

Israel é hoje uma das três colônias de assentamento — junto de Nova Caledônia e Irlanda do Norte — onde o supremacismo branco confronta a demografia. A conjuntura, entretanto, não se deve à falta de esforços por parte dos colonos, na busca obstinada por superar em números a população nativa.

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Em cada um dos casos, os regimes coloniais e suas nações matrizes entreteceram estratagemas mascarados de solução final ao colonialismo de assentamentos, enquanto preservavam a supremacia branca como seu âmago inegociável. Isso se aplica aos Acordos de Oslo de 1993, entre a ocupação israelense e a Organização para a Libertação da Palestina (OLP), sob os quais Israel se negou a reconhecer o direito à autodeterminação de um eventual Estado palestino — culminando no genocídio em curso em Gaza —, assim como o Acordo da Sexta-Feira Santa de 1998, na Irlanda do Norte, ou o arranjo recente na Nova Caledônia.

De fato, desde os primórdios da colonização europeia, no século XVI, dois tipos de colônias brancas emergiram: aquelas que sobreviveram ao século XXI e aquelas que não. A distinção é demográfica.

Colonialistas que sucederam em aniquilar a população nativa, importar massas de colonos europeus para superar os sobreviventes, ou ambas as instâncias foram capazes de assegurar sua supremacia e permanecer nas terras. Exemplos mais óbvios são Estados Unidos, Canadá, Austrália e Nova Zelândia, onde a hegemonia supremacista branca segue intacta até a atualidade.

Hoje, das três colônias sob ameaça demográfica, apenas Israel escolheu o genocídio como caminho para a sobrevivência. A destruição em curso de Gaza é nada menos que o último episódio de uma longa série de horrores coloniais, na qual o genocídio configura o estágio terminal de um projeto colonial em crise.

Legados coloniais

Diferente das colônias europeias remanescentes que estabeleceram maioria demográfica branca, as colônias na África e na Ásia — incluindo Marrocos, Líbia, Tunísia, Argélia, Rodésia, Namíbia, Quênia, África do Sul, Tanganica, Congo, Etiópia, Somália, Eritreia, Indonésia e grande parte da Ásia russa e do Cáucaso — viram seus conquistadores e colonos perderem o poder.

Dentre as minorias coloniais brancas, a maioria rejeitou a igualdade e se repatriou à Europa. Aqueles que permaneceram buscaram a um sistema no qual, pressionados pela resistência dos povos nativos e pelo escrutínio internacional, aceitaram a igualdade política em troca de uma dominância econômica racializada. É o caso de Zimbábue, Quênia, Namíbia e África do Sul.

Colônias na América Latina ocupam uma espécie de categoria intermediária. Os colonizadores europeus na região se mesclaram com as populações nativas e africanos escravizados trazidos do além-mar. Seus descendentes miscigenados — como os mestizos, na América do Sul, e os ladinos, na América Central — compuseram maioria e continuam a dominar a população efetivamente autóctone. Exceções são Bolívia e Guatemala, onde os povos nativos constituem mais de 40% da população.

Na Bolívia, a eleição de Evo Morales em 2006 e seu mandato até 2019 introduziram uma forma de igualdade política entre colonos e nativos. Na Guatemala, em contraste, o regime de hegemonia ladina ainda controla a maioria indígena, que vivenciou massacres mais de 200 mil pessoas entre os seus, das décadas de 1960 a 1980.

Veto demográfico

Na Irlanda, a obsessão colonial com a demografia tomou cores institucionais, ao engendrar os próprios termos de soberania e partilha.

O Ato da Irlanda, aprovado pelo Parlamento britânico em junho de 1949, concedeu aos colonos protestantes um poder de veto sobre a independência ou unificação da República da Irlanda. Efetivamente, garantiu que a colônia de assentamento permaneceria vinculada à Coroa britânica. Sua redação serviu de resposta direta ao Ato da República da Irlanda, assinado em dezembro de 1948, promulgado em abril seguinte, que enfim conferiu independência à maior parte do país — dois meses antes de o Reino Unido retaliar com sua própria legislação.

Este veto protestante se justificou por uma maioria demográfica de fronteiras facciosamente estipuladas, que os colonos e seus descendentes possuíam nos seis condados que então constituíram a Irlanda do Norte.

Em 1951, a população da Irlanda então anexada pelos britânicos era pouco mais que 1,37 milhão de pessoas, da qual 34.39% denominavam-se católicos, contra 60.55% protestantes, incluindo presbiterianos, anglicanos e metodistas. Foi a tática histórica de falseamento de fronteiras por parte dos britânicos que possibilitou essa maioria demográfica. Apesar de os colonos perderem a maioria nas décadas seguintes, eram a princípio, apesar da alta natalidade católica, à medida que muitos fugiam de discriminação endêmica.

Ao antever a ameaça demográfica ao domínio colonial protestante, os regimes britânico e irlandês assinaram o Acordo da Sexta-Feira Santa em 10 de abril de 1998. O tratado introduziu uma administração descentralizada, de poder compartilhado, com provisões ao desarmamento, além de estabelecer que quaisquer mudanças no status constitucional da Irlanda do Norte deveriam passar por “consenso popular”.

O acordo reafirmou ainda o direito norte-irlandês à autodeterminação, ao insistir em sua “escolha” em permanecer parte do Reino Unido, sem qualquer promessa de futura unificação da Irlanda, apesar de aspirações neste sentido.

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Em 2001, católicos e protestantes atingiram paridade demográfica na Irlanda do Norte. No censo de 2021, pela primeira vez desde a partilha, católicos superaram os protestantes, com 42.31% dos 1,9 milhão de habitantes — contra não mais do que 30%. Notavelmente, dezenove porcento negou filiação religiosa, índice crescente desde 1971, em parte devido aos 4% de sino e indo-irlandeses dentre a população.

O acordo se mantém até então, mas permanece frágil e pouco eficaz. Com a Irlanda do Norte fora da União Europeia e a República da Irlanda ainda membro, o Brexit efetivamente prejudicou os termos de compartilhamento de poder.

Protestos unionistas reemergiram, enquanto o sectarismo prevalece um traço marcante da colônia, sem resolução no horizonte.

Engenharia demográfica

Na Nova Caledônia, apesar de sua quase aniquilação pela França, os canacos recuperaram números e permaneceram maioria devido à pequena população da colônia. No entanto, em 1956, diante do influxo de colonos franceses pós-Segunda Guerra Mundial, os canacos perderam sua maioria, e desde então seguem abaixo de 50%.

Tamanha mudança demográfica pode ser traçada às autoridades coloniais francesas, que buscaram impedir a população nativa de reaver maioria, motivadas por medo de insurreições ou dominância eleitoral — uma vez conquistado direito de voto. Tais apreensões datam dos primeiros anos de colonização e refletem uma estratégia mais ampla para neutralizar o poder político autóctone.

Em 19 de julho de 1972, o então primeiro-ministro da França, Pierre Messmer, ressaltou essa estratégia demográfica em carta ao secretário de Estado para territórios e departamento ultramarinos: “A presença francesa na Caledônia só pode ser ameaçada, salvo uma guerra global, pela reivindicação nacionalista das populações nativas, com o apoio de uns poucos aliados em outras populações étnicas do Pacífico. A curto e médio prazo, a imigração em massa de cidadãos francesas da terra-mãe ou de outros departamentos ultramarinos deve nos permitir evitar este perigo, ao manter ou ampliar a proporção numérica das comunidades”.

Sua postura explicitamente racista denota o contexto histórico das políticas de imigração projetadas para manter a hegemonia colonial francesa na Nova Caledônia.

Como exportadora de níquel, a nação insular vivenciou uma nova onda de assentamento durante o boom do produto entre 1968 e 1971. Entre 1968 e 1976, entre 15 e 20 mil colonos aportaram no país, incluindo colonialistas europeus em fuga da possibilidade de igualdade na Argélia recém-independente.

Foi neste contexto que, em 1984, os canacos se viram diante das propostas de eleições por parte da França, ao reconhecê-las como estratagema colonial para minar sua demanda por independência.

Menos de um mês após a assinatura do Acordo da Sexta-Feira Santa na Irlanda do Norte, franceses e canacos firmaram o Acordo de Numeá, em 5 de maio de 1998. O plano envolvia um suposto processo de 15 a 20 anos para devolver poderes executivos de Paris à Nova Caledônia, ao possibilitar a independência e estreitar a desigualdade posta sobre os direitos ao voto. Apenas cidadãos locais, que haviam residido no arquipélago de 1988 a 1998, ou descendentes diretos desses habitantes, poderiam votar.

O processo pelo qual os canacos obtiveram seu direito ao voto foi contingente, entretanto, a conter sua ameaça demográfica. Embora um decreto fora emitido em 1945 para estender o voto a algumas categorias de melanésios — veteranos, chefes de costumes, missionários e gestores educacionais —, foi somente em maio de 1951 que este direito de fato se distendeu. Em 26 de julho de 1957, por fim, todos os melanésios obtiveram direito ao voto.

Não é coincidência que o sufrágio universal chegou aos canacos apenas após perderem sua maioria demográfica, sob o crescente advento de colonos brancos — uma mudança que, na prática, prejudicou sua luta por independência.

Isso é evidente na última “concessão” francesa, que abrange o estabelecimento de uma “nacionalidade neocaledônia”, em não canaca — nomenclatura que antevê os alicerces de futura manipulação do eleitorado, facilitada pela estratégia de longo prazo de assentamento francês.

Maioria via massacres

Israel é o terceiro Estado colonial de assentamento onde a ameaça demográfica se impôs pela população nativa. Neste caso, no entanto, culminou em genocídio.

O movimento sionista colaborou com as autoridades em Londres para garantir que, sob o Mandato Britânico — e em violação das regulações então instituídas pela Liga das Nações —, a população palestina não recebesse direito a representação legislativa ou mesmo voto, em qualquer que fosse a forma de governo estabelecida em âmbito local.

Os sionistas temiam que, dado que os palestinos nativos constituam ampla maioria da população, quaisquer direitos políticos que lhe fossem porventura outorgados obstruiriam seu projeto colonial de assentamento, cujo fundamento seria precisamente desalojar as comunidades nativas. Para evitar essa possibilidade, os sionistas implementaram um programa de expulsão com início em 30 de novembro de 1947, que seguiu a 1948 e muito além.

À véspera da Nakba — a catástrofe de 1948 —, a Palestina histórica continha 608 mil colonos judeus, ou cerca de 30% da população, oriundos da Europa, a maioria dos quais chegou ao país nas duas décadas anteriores. Os palestinos eram então 1.364.000 pessoas. Durante a conquista, no território a ser declarado “Estado judeu”, forças paramilitares sionistas mataram ao menos 13 mil pessoas — ou 1% da população — e expulsaram, mediante violência, outras 760 mil — ou 80% da população.

Foi esta amálgama de assassinatos em massa e limpeza étnica que instaurou a superioridade demográfica judaica no incipiente Estado israelense, entre 1948 e 1967.

Em novembro de 1948, apenas 165 palestinos haviam permanecido na Palestina histórica — então Israel —, enquanto a população de colonos havia ascendido a 716 mil habitantes, ao ampliar a proporção, quase subitamente, de 30 a 81%.

À véspera da ocupação de Gaza, Cisjordânia e Jerusalém Oriental, em 1967, a população de Israel havia alcançado 2,7 milhões, das quais 2,4 milhões eram colonos e seus descendentes, com dominância demográfica em torno de 89%.

Pulsão de morte demográfica

Desde 1967, quando expulsou uma segunda onda de 350 mil palestinos de suas terras, Israel não consegue, entretanto, solucionar seu problema demográfico, que insiste em ameaçar sua supremacia judaico-europeia.

Mesmo após a expulsão, em setembro de 1967, o censo israelense registrou 661.700 pessoas na Cisjordânia e 354.700 em Gaza, além de 68.600 palestinos em Jerusalém Oriental. Os números denotavam um alerta: o total de palestinos no território considerado Israel e nas terras recém-ocupadas era de 1.385.000, ao reduzir a presença de colonos de 89% a 56% da população.

A tendência de queda perseverou até 1990, ao alimentar um senso de ansiedade dentre os israelenses. Apesar da imigração de um milhão de judeus — ou que clamam representar o judaísmo — da antiga União Soviética, entre 1990 e 2000, este influxo não foi páreo ao crescimento estável da população palestina nativa.

No ano 2000, a população de Israel chegou a 6,4 milhões, com cinco milhões de judeus e 1,2 milhão de palestinos. A população da Cisjordânia ocupada alcançou então 2,12 milhões de habitantes e 1,13 milhão em Gaza, com queda da proporção judaica, na totalidade dos territórios, a não mais que 52%. Em 2010, o Estado israelense chegou a 7,6 milhões de habitantes, incluindo 5,75 milhões de colonos judeus e 1,55 milhão de palestinos; na Cisjordânia e em Gaza, eram 2,48 milhões e 1,54 milhão, respectivamente, com uma proporção total de colonos abaixo de 49% — pela primeira vez desde a limpeza étnica em massa perpetrada em 1948.

Em 2020, a população de Israel havia crescido a 9,2 milhões de habitantes, entre os quais 6,8 milhões de judeus e 1,9 milhão de palestinos; na Cisjordânia e em Gaza, 3,05 milhões e 2,04 milhões, respectivamente — um arrefecimento ainda maior na proporção de colonos e descendentes, a apenas 47% do quadro total.

Este é o panorama demográfico que fez do genocídio a única opção aos olhos de Israel, bem como de seus patrocinadores na Europa e nos Estados Unidos.

O fracasso das supostas conversas em curso para cessar o extermínio tem base nas chamadas “concessões” de Washington e Tel Aviv, sob os quais o ultimato israelense para interromper a matança seria expulsar os sobreviventes, tomar Gaza e ampliar a colonização supremacista judaica, em troca da rendição completa — ou autoaniquilação — da resistência nacional palestina.

Derrocada genocida

Enquanto os franceses tentaram mais uma rusga para reagir à ameaça demográfica em seu acordo recente na Nova Caledônia, e os britânicos seguem apreensivos com a situação mal resolvida na Irlanda do Norte, apesar da Sexta-Feira Santa, é o status minoritário dos colonos judeus que motiva o genocídio em curso na Faixa de Gaza, bem como os persistentes planos para expulsar os palestinos de todo o território.

Entre as três coloniais que hoje lutam por sua supremacia branca, são os israelenses os únicos a preferirem o genocídio.

Precedentes de tamanho extermínio abrangem os genocídios cometidos pela Alemanha na Namíbia e em Tanganica no início do século XX. O assassinato em massa de judeus e católicos poloneses pelos nazistas alemães tampouco se exclui, sem mencionar a matança de 26 milhões de soviéticos que Hitler associou a “peles vermelhas”, cujo pressuposto era precisamente assentar os alemães em seu território.

O genocídio pós-guerra realizado pela França em sua colônia na Argélia teve intuito similar, de manter a dominância branca diante da resistência nativa.

O genocídio conduzido por Israel em Gaza é o mais recente capítulo dessa história sangrenta. Alemães e franceses foram, em último caso, derrotados, com a maior parte de seus colonos repatriados. Israel e seus patronos, em contraponto, creem que o genocídio em curso bem augura a sobrevivência de sua colônia racista.

A resistência palestina, porém, segue determinada a impedir este fim.

Publicado originalmente em inglês pela rede Middle East Eye, em 30 de julho de 2025

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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