O podcast Full Send, do canal de YouTube Nelk Boys perdeu mais de dez mil assinaturas em menos de um dia, em meio a uma tempestade de críticas nas redes sociais, após publicar, em 21 de julho, uma entrevista de uma hora com o primeiro-ministro de Israel e foragido internacional Benjamin Netanyahu.
O programa, apresentado por Kyle Forgeard e Aaron Steinberg, do coletivo de influencers canadense-americano Nelk Boys, conhecido por seu viés reacionário, é particularmente popular entre homens jovens.
A entrevista começou com Netanyahu agradecendo o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, por sua amizade “de décadas”, mas logo avançou a lamentar sobre as mudanças de postura de jovens americanos em relação a Israel.
“Estou preocupado que os jovens da América estão recebendo uma imagem errada de Israel”, insistiu o premiê.
Em seguida, reconheceu que sua aparição no programa seria parte de uma campanha abrangente de relações públicas: “A única forma de combater as mentiras é com a verdade [sic]. E é preciso contar a verdade com tanta firmeza quanto contam mentiras sobre você [sic]. Estou fazendo esse podcast, entre outras coisas, para alcançar os jovens”.
Enquanto grupos humanitários reportavam dezenas de crianças mortas de fome em Gaza sitiada, no programa, Netanyahu não hesitou em contar piadas sobre uma suposta paixão antiga. “Fui viciado em fast food por anos”, riu o premiê.
‘Fora da realidade’
Netanyahu seguiu a se lembrar de uma visita ocasional aos Estados Unidos, com sua esposa Sarah: “Sabe o primeiro lugar que fomos? McDonald’s. Mas para ser honesto, Burger King. Eu gosto mais do Burger King”.
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O tom casual, desconectado da catástrofe em Gaza, atraiu condenação online.
“Enquanto Gaza morre de fome, Netanyahu faz piada sobre o McDonald’s com a machosfera do Nelk Boys”, escreveu um usuário na rede social X (Twitter). “Mas que verdadeiro genocida de merda”.
“Imagine esses idiotas completes do Nelk Boys: pleno acesso a Netanyahu e o máximo que eles conseguem perguntar e se ele prefere Burger King ou McDonalds — enquanto Netanyahu mata de fome toda uma população”, disse outro.
A One Path Network, de sua parte, acusou o Nelk Boys de cumplicidade, na tentativa de melhorar sua imagem: “O Nelk Boys teve a oportunidade de contestar as forças no poder, de perguntar sobre o cerco, os bombardeios e a fome. Ao contrário, ofereceram fritas. Ao fazê-lo, ajudaram a lavar a imagem de um homem responsável por um dos piores desastres humanitários de nosso tempo”.
Outros denunciaram a entrevista por seu caráter “completamente fora da realidade”, ao garantir a Netanyahu um espaço destinado a compartilhar seu deleite em dividir hamburgueres com o incumbente americano: “Quando ele viaja para Israel, nós jantamos juntos. Trazemos um chef — um chef muito bom —, que faz um menu de sete pratos. Vou te dizer, sete pratos é o maior jantar que já tive. Eles trazem aquela louça chique com esse hamburguer montadinho. Eu olho pro Trump e ele olha pra mim [sic]. É o que a gente queria — um hamburguer afinal”.
“the normalization of Netanyahu, the constant whitewashing of Israel’s alleged war crimes… is why a man who has blood dripping from his hands…can be invited on to the Nelk Boys’ highly influential podcast to jokes about whether he prefers McDonald’s or Burger King.” https://t.co/pxnKXfD1Jh
— Mobeen Hussain (@amhuss27) July 25, 2025
Seguindo o roteiro
A entrevista também atraiu críticas por uma série de comentários inflamatórios de Netanyahu. Muitos se indignaram com sua descrição das mulheres de Gaza, caracterizadas como “propriedade” ao longo do programa.
“Você sabe o que são as mulheres de Gaza? São propriedade, são coisa nenhuma [sic]. Elas não têm direito nenhum. São completamente subjugadas [sic]. E, Deus me perdoe, são executadas se cometem o mínimo dos delitos”, mentiu o premiê.
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Alguns ressaltaram a ironia. “Falar de direitos das mulheres enquanto bombardeia seus lares, mata seus filhos de fome e lhes nega saúde e segurança. Não existe feminismo na ocupação. Imagina? Libertar as mulheres ao assassiná-las”.
A última onda de condenações se direcionou aos próprios Nelk Boys, após um clipe viralizar, no qual admitiam que a entrevista fora encomendada e até mesmo roteirizada pela Casa Branca — sem espaço para eventuais edições. Ativistas notaram que a confissão demonstrava que todo o episódio fora apenas “propaganda doente”, em vez de qualquer conversação genuína.
“Por que car**hos ninguém está falando que a equipe de comunicação da Casa Branca montou uma entrevista para Benjamin Netanyahu e a p**ra dos Nelk Boys?”, enfatizou um usuário. “Que tipo de propaganda é essa?”.
The Nelk Boys have confirmed that their softball interview with Benjamin Netanyahu was largely scripted as the PM’s team had handed them “a paper with questions to ask” in advance.
They also revealed the interview was set up by the White House. pic.twitter.com/kc8cawD503
— Furkan Gözükara (@GozukaraFurkan) July 23, 2025
Um cidadão observou que o episódio confirma o que muitos já diziam: “É prova absoluta de que Netanyahu só fez essa entrevista para fins de propaganda, ao tentar humanizar a si mesmo enquanto comete o crime de genocídio”.
Para muitos, os influencers não passaram de “marionetes”; para outros, são desinformados, incapazes de sequer reagir a Netanyahu ao longo da entrevista: “Os Nelk Boys deixaram fácil a Netanyahu vomitar sua propaganda a seu público”.
“Vocês não fizeram uma pergunta sequer — isso é loucura”, alertou um comentário na página do YouTube.
O canal, no entanto, perdeu mais de dez mil assinaturas em 24 horas. A entrevista recebeu mais dislikes do que likes até que os administradores removessem a visibilidade das notas conferidas ao vídeo.
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Publicado originalmente em inglês na rede Middle East Eye, em 25 de julho de 2025









