Apesar de um frágil cessar-fogo na agressão israelo-americana contra o Irã, não é possível dizer o que o futuro espera, sobretudo no que concerne a volátil administração do presidente Donald Trump, que elevou a contradição e a reviravolta a uma espécie de arte do caos geoestratégico.
Muito depende dos próximos passos do primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, e da reação do Irã; menos repousa sobre a Casa Branca.
Desde sua reeleição, Trump assumiu o banco dos passageiros de Netanyahu. Em grande parte, reagiu, muitas vezes com um semblante irritadiço diante dos avanços estratégicos e das manipulações cínicas de seu aliado — de modo semelhante à maneira com que o presidente russo, Vladimir Putin, brincou por muito tempo com seu homólogo americano.
Os ataques de Netanyahu ao Irã, em meados de junho, apenas agravaram o “problema Israel” enfrentado pelo Ocidente, ao sacrificar os interesses nacionais de Washington e projetar desconfiança na postura de um “aliado” histórico.
Trump — que buscou se retratar em campanha como um líder antiguerra — proclamou, ainda em 2019, que grandes nações não começam conflitos que durem para sempre. O presidente republicano tampouco se mostrou interessado, no decorrer dos anos, em exportar liberalismo ou “democracia”.
Netanyahu, contudo, rendeu o não-intervencionismo de Trump ao encurralá-lo sobre Teerã — em uma situação na qual se sentiu sem alternativa senão intervir, ao menos para manter as imagens, sob duro risco pessoal. Pressionado implacavelmente por Netanyahu, Trump optou por ataques “cirúrgicos” a centros nucleares do Irã. Às pressas, declarou que o bombardeio seria o fim da crise, sem intenção de avançar em trocas militares.
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No entanto, resta a dúvida: Netanyahu acatará ao recuo a longo prazo? Embora ainda seja um agente decisivo no Oriente Médio, os Estados Unidos de Trump já não é mais uma força motriz nas mutações que correm pela região. Israel, lamentavelmente, ocupou este espaço.
Guerra contraproducente
Apesar do caos que envolveu o mês de junho, parece que pouquíssimos — se é que algum — dos objetivos militares declarados foram alcançados no sentido de remover a “ameaça” nuclear iraniana. O que transcorreu provavelmente sairá pela culatra, tanto para Israel quanto aos Estados Unidos, por várias razões.
Primeiro, pode consolidar, de maneira indireta, o regime iraniano, ao unir a população em torno da defesa nacional diante da agressão israelo-americana. Em seguida, pode encorajar Teerã a acelerar seu programa nuclear e, em última instância, desenvolver uma bomba como sobrevivência. Por fim, pode convencê-lo a abandonar o Tratado de Não-Proliferação — do qual, diferente de Israel, é signatário. Teerã já suspendeu sua cooperação com a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), ao congelar suas inspeções.
Dito isso, não há como negar que Netanyahu, ao bombardear o Irã, matou numerosos coelhos com uma só cajadada. No mínimo, atrasou o programa nuclear do país, ao menos por ora, além de sabotar as negociações diplomáticas entre Estados Unidos e Irã, assim como uma cúpula franco-saudita prevista para reconhecimento formal, por parte da Europa, de um Estado palestino.
Netanyahu igualmente distraiu o mundo da crise em Gaza, ao permitir que seu regime acelerasse o processo de limpeza étnica e genocídio contra o povo palestino, não apenas no enclave, como na Cisjordânia.
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Ademais, à medida que países europeus começavam a criticá-lo sobre Gaza e muitos deles — incluindo Espanha e Reino Unido — suspendiam, pouco a pouco, os acordos comerciais com Israel, Netanyahu silenciou seus detratores, ao restabelecer, do dia para a noite, um consenso ocidental contra o Irã.
Mais importante ainda para o autocrata israelense, suas taxas de aprovação doméstica decolaram, graças aos ataques contra a República Islâmica, ao atenuar sua situação política extremamente precária entre seu eleitorado.
Por último, mas não menos importante, conseguiu algo que almejava havia décadas: manipulou os Estados Unidos a bombardearem o Irã — por si só, uma vitória política para Netanyahu.
Objetivos maiores
De um ponto de vista geoestratégico, a escalada de Netanyahu contra Teerã é meramente o último de seus avanços em múltiplos fronts por todo o Oriente Médio. Após se voltar contra o Hamas em Gaza, o Hezbollah no Líbano e os houthis no Iêmen — “os tentáculos de um polvo” —, Netanyahu prometeu extirpar a cabeça do “eixo de resistência”: o próprio Irã.
Muito embora tenha apresentado suas agressões como “defesa”, o verdadeiro objetivo de Netanyahu sempre foi manter a região em um estado de vulnerabilidade, ao desestabilizar regimes e disseminar o caos. A maior evidência de que o predatismo de Israel não se motiva, de modo algum, por “autodefesa” repousa nos recentes ataques de Netanyahu à Síria pós-Assad.
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Através de incursões de infantaria, ataques a recursos militares e conquistas de terra, para além de manipular comunidades minoritárias contra o governo central — na velha tática de “dividir e conquistar” —, Netanyahu deseja meramente enfraquecer a Síria cada vez mais, muito embora o novo regime não demonstre qualquer hostilidade em relação a Israel.
Em último caso, o intuito de Netanyahu é instaurar uma nova ordem regional centrada na supremacia e dominação israelense. Para ele, segue aberta a janela a um “novo Oriente Médio”, o qual — vendido como “pacificação” — envolve esmagar todo e qualquer adversário — sobretudo o povo palestino.
No mapa que Netanyahu brandiu na Assembleia Geral das Nações Unidas, em setembro de 2023, toda a Palestina desaparecera, e tanto Gaza quanto a Cisjordânia ocupada foram retratadas como partes de Israel. Tel Aviv se tornara centro gravitacional de toda a região, reduzida a alguns poucos Estados do Golfo, junto de Sudão, Jordânia e Egito — países que capitularam à normalização. Os outros vizinhos sequer foram identificados em seu projeto.
Tamanha prepotência é remanescente da antiga Pax Romana. E assim como ocorreu às populações que resistiram aos avanços do então império, não é difícil ponderar o destino de qualquer que rejeite sua hegemonia. A nova ordem mundial de Netanyahu supera em muito os limites geográficos do Oriente Médio. Abrange, sim, dominar Estados Unidos e Europa, cujos Estados racistas neocoloniais usam, há décadas, a ocupação militar israelense como cão de ataque, para manter populações nativas debilitadas, vulneráveis e divididas.
Este fato foi admitido em um momento de marcante candura do chanceler da Alemanha, Friedrich Merz, quando, na última cúpula do G7, agradeceu a Israel por “fazer o trabalho sujo para todos nós”.
Se alguém quer saber qual o semblante do novo mundo, dominado por Israel, é fácil: basta olhar para Gaza.
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Artigo publicado originalmente em inglês pela rede Middle East Eye, em 13 de julho de 2025
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