Fabricante de armas de Israel usa matança em Gaza em campanha de marketing

Oscar Rickett
5 meses ago

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A estatal israelense Rafael, fabricante de armas, divulgou um novo vídeo promocional no qual seu sistema de drones, denominado Spike Firefly, rastreia e executa um cidadão na Faixa de Gaza.

O vídeo, compartilhado em todas as páginas de redes sociais da empresa, mostra o pequeno drone kamikaze sobrevoando escombros espalhados por um bairro palestino no enclave, quando suposta identifica um cidadão descendo a rua e então o ataca. O registro, com a legenda “Spike Firefly na guerrilha urbana”, é acompanhado por uma música em estilo militar.

Segundo letreiros na tela, o drone “identifica o alvo, rastreia e neutraliza a ameaça”. O vídeo documenta a célere sequência de ações do Firefly israelense, voando silencioso, antes de mergulhar atrás de uma pessoa, que vê o aparelho e corre por sua vida. Em seguida, uma explosão toda a tela e “neutraliza a ameaça”. 

Jamais fica claro se o indivíduo era afinal um combatente da resistência palestina ou não. De fato, não parece estar armado. Parecia caminhar ao longo da estrada, sozinho, sem impor qualquer ameaça a quem quer que seja.

Anno Nemo, analista de código aberto, examinou as imagens compartilhadas nas redes da Rafael e identificar a área de al-Tawam, no norte de Gaza.

“Com base em imagens de dois satélites do Google Earth, o vídeo parece ter sido gravado entre 4 de junho e 1º de dezembro de 2024”, reiterou a perícia, ao observar que pequenas mudanças são visíveis na área, nos registros obtidos a partir de novembro do mesmo ano.

A postagem da Rafael foi eufórica: “Celebramos dois anos desde que o SPIKE FIREFLY foi empregue operacionalmente em campo — ao dar início a uma nova era de precisão para forças táticas de combate. Testado. Confiável. Tático”.

“O FIREFLY provou seu valor em alguns dos ambientes mais desafiadores — ao realizar ataques de máxima precisão com danos colaterais mínimos [sic], até mesmo em ambientes que confundem os sistemas de GPS e em condições climáticas adversas”, prosseguiu a empresa em seu Facebook.

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O drone militar Rafael, operado em tempo real por um único soldado, foi projetado para ser usado por forças de infantaria em áreas urbanas de alta densidade demográfica, onde o “conhecimento situacional é limitado, o inimigo combate sob cobertura e elementos favoráveis à eficácia dos disparos são reduzidos pela proximidade com não-combatentes”.

Nenhuma dessas condições aparece no vídeo.

O Middle East Eye tentou contactar a estatal israelense — sem resposta.

Mercado armamentista

Israel vende equipamentos militares a ao menos 130 países e é hoje o oitavo maior exportador de armas de todo o mundo.

Empresas israelenses propagandeiam seus armamentos e sua tecnologia, empregue sobre populações civis palestinas na Cisjordânia e Gaza, como “testados em batalha” — algo que se nota no vídeo da Rafael.

A empresa foi criada em 1948, junto do Estado ocupante de Israel, na Palestina histórica, então sob a alcunha de Science Corps. Seu projeto mais famoso é o Domo de Ferro, sistema antimísseis de Israel, posto à prova recentemente por disparos do Irã, bem como mísseis teleguiados.

A companhia armamentista tem seu histórico de marketing pouco ortodoxo. Ainda em 2009, a Rafael divulgou um clipe musical a la Bollywood para vender armamentos à Índia. No registro, um homem de jaqueta de couro e óculos de sol representa Israel, enquanto uma mulher vestida com um sari — tradicional indumentária hindu — representa a Índia. Os personagens cantam um para o outro, enquanto mulheres indianas dançam a seu redor. “Preciso me sentir segura; ter abrigo, segurança, proteção”, canta a moça indiana. ‘Acredite em mim”, responde o homem. “Juntos, para sempre estaremos”, entoam em coro. 

Ronny Dana, que fez a direção de fotografia do vídeo e compartilhou em seu portfólio do YouTube, insiste que “apesar das controvérsias, a peça foi muito bem-sucedida e contribuiu para bilhões de dólares em contratos”.

Crime de guerra

Em 2024, a Rafael registrou vendas de US$4.8 bilhões, um aumento de 27% em relação ao ano anterior. A empresa afirmou que “aproximadamente metade” dessas vendas se deu a “consumidores internacionais” — vinte dos quais Estados-membros da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN).

A Rafael é a maior empregadora do norte do território designado Israel — isto é, a Palestina histórica, ocupada via limpeza étnica em 1948 — e usufrui de dez escritórios no exterior, incluindo nos Estados Unidos, Reino Unido, Índia e Emirados Árabes Unidos. Um assessor do governo indiano — em condição de anonimato pela sensibilidade da matéria — reconheceu que o ataque do Firefly ao cidadão palestino, no vídeo de Gaza, constitui “crime de guerra”. 

“Trata-se de um crime de guerra: executar o que parece ser um indivíduo desarmado, caminhando na rua, sem qualquer engajamento em ações militares”, argumentou Nimer Sultany, acadêmico palestino em direito público na Escola de Estudos Orientais e Africanos (SOAS) da Universidade de Londres. 

O Artigo 3 da 4ª Convenção de Genebra não deixa dúvidas: “Indivíduos sem qualquer participação ativa nas hostilidades, inclusive membros das forças armadas … devem, em todas as circunstâncias, serem tratados humanamente, sem qualquer distinção adversa”.

O Estatuto de Roma, documento fundador do Tribunal Penal Internacional (TPI), com sede em Haia, na Holanda, acrescenta: “Direcionar intencionalmente ataques contra a população civil, coletiva ou individualmente, sem parte direta nas hostilidades, é crime de guerra”.

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“Neste caso, tais execuções integram um genocídio”, enfatizou Sultany. “Então são assassinatos genocidas”.

Durante a agressão a Gaza, o exército israelense fez uso extensivo de mísseis teleguiados Spike, da Rafael, para alvejar indivíduos dentro de edifícios civis, tanto do ar quanto do solo. O Orbiter 4, drone desenvolvido por uma subsidiária, fez sua estreia em campo na Faixa de Gaza, ainda em novembro de 2023.

Em março, a Rafael Systems Global Sustainment, sucursal da empresa israelense nos Estados Unidos, anunciou acordos de cooperação com o Pentágono, para desenvolver conjuntamente a famílias de mísseis Spike, incluindo “melhorias futuras e americanização” das armas.

Artigo publicado originalmente em inglês pela rede Middle East Eye, em 14 de julho de 2025

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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