clear

Criando novas perspectivas desde 2019

Fabricante de armas de Israel usa matança em Gaza em campanha de marketing

16 de julho de 2025, às 06h00

Vídeo postado pela estatal armamentista Rafael registra drone executando cidadão palestino em Gaza [Captura de tela/Reprodução]

A estatal israelense Rafael, fabricante de armas, divulgou um novo vídeo promocional no qual seu sistema de drones, denominado Spike Firefly, rastreia e executa um cidadão na Faixa de Gaza.

O vídeo, compartilhado em todas as páginas de redes sociais da empresa, mostra o pequeno drone kamikaze sobrevoando escombros espalhados por um bairro palestino no enclave, quando suposta identifica um cidadão descendo a rua e então o ataca. O registro, com a legenda “Spike Firefly na guerrilha urbana”, é acompanhado por uma música em estilo militar.

Segundo letreiros na tela, o drone “identifica o alvo, rastreia e neutraliza a ameaça”. O vídeo documenta a célere sequência de ações do Firefly israelense, voando silencioso, antes de mergulhar atrás de uma pessoa, que vê o aparelho e corre por sua vida. Em seguida, uma explosão toda a tela e “neutraliza a ameaça”. 

Jamais fica claro se o indivíduo era afinal um combatente da resistência palestina ou não. De fato, não parece estar armado. Parecia caminhar ao longo da estrada, sozinho, sem impor qualquer ameaça a quem quer que seja.

Anno Nemo, analista de código aberto, examinou as imagens compartilhadas nas redes da Rafael e identificar a área de al-Tawam, no norte de Gaza.

“Com base em imagens de dois satélites do Google Earth, o vídeo parece ter sido gravado entre 4 de junho e 1º de dezembro de 2024”, reiterou a perícia, ao observar que pequenas mudanças são visíveis na área, nos registros obtidos a partir de novembro do mesmo ano.

A postagem da Rafael foi eufórica: “Celebramos dois anos desde que o SPIKE FIREFLY foi empregue operacionalmente em campo — ao dar início a uma nova era de precisão para forças táticas de combate. Testado. Confiável. Tático”.

“O FIREFLY provou seu valor em alguns dos ambientes mais desafiadores — ao realizar ataques de máxima precisão com danos colaterais mínimos [sic], até mesmo em ambientes que confundem os sistemas de GPS e em condições climáticas adversas”, prosseguiu a empresa em seu Facebook.

LEIA: Indignação: Em vídeo, mercenários dos EUA celebram ao atirar em palestinos

O drone militar Rafael, operado em tempo real por um único soldado, foi projetado para ser usado por forças de infantaria em áreas urbanas de alta densidade demográfica, onde o “conhecimento situacional é limitado, o inimigo combate sob cobertura e elementos favoráveis à eficácia dos disparos são reduzidos pela proximidade com não-combatentes”.

Nenhuma dessas condições aparece no vídeo.

O Middle East Eye tentou contactar a estatal israelense — sem resposta.

Mercado armamentista

Israel vende equipamentos militares a ao menos 130 países e é hoje o oitavo maior exportador de armas de todo o mundo.

Empresas israelenses propagandeiam seus armamentos e sua tecnologia, empregue sobre populações civis palestinas na Cisjordânia e Gaza, como “testados em batalha” — algo que se nota no vídeo da Rafael.

A empresa foi criada em 1948, junto do Estado ocupante de Israel, na Palestina histórica, então sob a alcunha de Science Corps. Seu projeto mais famoso é o Domo de Ferro, sistema antimísseis de Israel, posto à prova recentemente por disparos do Irã, bem como mísseis teleguiados.

A companhia armamentista tem seu histórico de marketing pouco ortodoxo. Ainda em 2009, a Rafael divulgou um clipe musical a la Bollywood para vender armamentos à Índia. No registro, um homem de jaqueta de couro e óculos de sol representa Israel, enquanto uma mulher vestida com um sari — tradicional indumentária hindu — representa a Índia. Os personagens cantam um para o outro, enquanto mulheres indianas dançam a seu redor. “Preciso me sentir segura; ter abrigo, segurança, proteção”, canta a moça indiana. ‘Acredite em mim”, responde o homem. “Juntos, para sempre estaremos”, entoam em coro. 

Ronny Dana, que fez a direção de fotografia do vídeo e compartilhou em seu portfólio do YouTube, insiste que “apesar das controvérsias, a peça foi muito bem-sucedida e contribuiu para bilhões de dólares em contratos”.

Crime de guerra

Em 2024, a Rafael registrou vendas de US$4.8 bilhões, um aumento de 27% em relação ao ano anterior. A empresa afirmou que “aproximadamente metade” dessas vendas se deu a “consumidores internacionais” — vinte dos quais Estados-membros da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN).

A Rafael é a maior empregadora do norte do território designado Israel — isto é, a Palestina histórica, ocupada via limpeza étnica em 1948 — e usufrui de dez escritórios no exterior, incluindo nos Estados Unidos, Reino Unido, Índia e Emirados Árabes Unidos. Um assessor do governo indiano — em condição de anonimato pela sensibilidade da matéria — reconheceu que o ataque do Firefly ao cidadão palestino, no vídeo de Gaza, constitui “crime de guerra”. 

“Trata-se de um crime de guerra: executar o que parece ser um indivíduo desarmado, caminhando na rua, sem qualquer engajamento em ações militares”, argumentou Nimer Sultany, acadêmico palestino em direito público na Escola de Estudos Orientais e Africanos (SOAS) da Universidade de Londres. 

O Artigo 3 da 4ª Convenção de Genebra não deixa dúvidas: “Indivíduos sem qualquer participação ativa nas hostilidades, inclusive membros das forças armadas … devem, em todas as circunstâncias, serem tratados humanamente, sem qualquer distinção adversa”.

O Estatuto de Roma, documento fundador do Tribunal Penal Internacional (TPI), com sede em Haia, na Holanda, acrescenta: “Direcionar intencionalmente ataques contra a população civil, coletiva ou individualmente, sem parte direta nas hostilidades, é crime de guerra”.

LEIA:  Ajuda humanitária e violência colonial

“Neste caso, tais execuções integram um genocídio”, enfatizou Sultany. “Então são assassinatos genocidas”.

Durante a agressão a Gaza, o exército israelense fez uso extensivo de mísseis teleguiados Spike, da Rafael, para alvejar indivíduos dentro de edifícios civis, tanto do ar quanto do solo. O Orbiter 4, drone desenvolvido por uma subsidiária, fez sua estreia em campo na Faixa de Gaza, ainda em novembro de 2023.

Em março, a Rafael Systems Global Sustainment, sucursal da empresa israelense nos Estados Unidos, anunciou acordos de cooperação com o Pentágono, para desenvolver conjuntamente a famílias de mísseis Spike, incluindo “melhorias futuras e americanização” das armas.

Artigo publicado originalmente em inglês pela rede Middle East Eye, em 14 de julho de 2025

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.