Genocídio em Gaza expõe ‘cisma’ entre os Brics, apontam analistas

Azad Essa
5 meses ago

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Diante de sua cúpula anual no Rio de Janeiro, a relutância dos Brics em se mobilizar contra o genocídio israelense em Gaza abriu um buraco na credibilidade do bloco que se apresenta como porta-voz do Sul Global, alertaram acadêmicos e especialistas.

A incapacidade dos Brics de assumir uma posição firme e construir consenso diante de um cenário global perigoso — com múltiplas guerras e uma crise escalonada no Oriente Médio, incluindo o ataque não-provocado de Israel ao Irã, Estado-membro — revela tanto as limitações do bloco quanto sua incapacidade estrutural de desafiar seriamente a ordem mundial encabeçada pelos Estados Unidos.

Desde sua criação em 2009, os Brics se promovem como uma iniciativa voltada a consolidar a cooperação econômica e reformar o sistema internacional em benefício das economias em desenvolvimento.

Seus resultados, no entanto, têm sido — na melhor das hipóteses — irregulares, incluindo contradições e interesses divergentes entre seus membros — problemas que parecem apenas ter se aprofundado na última década.

A cúpula do Rio, que teve início em 6 de julho, já nasceu enfraquecida, com a ausência confirmada tanto Vladimir Putin quanto de Xi Jinping, cujos motivos sintetizam a ambivalência em torno da eficácia e do teatro político do próprio bloco.

Dado que o Brasil é signatário do Tribunal Penal Internacional (TPI), sediado em Haia —compelido, portanto, a prender Putin caso este pise no país — o presidente russo confirmou sua ausência, ao participar do evento por videoconferência, em vez de transformá-lo em uma dor de cabeça diplomática que ambos os países desejam evitar. 

Da mesma maneira, com um convite estendido a uma visita de Estado do primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, ao Brasil, a ótica do premiê sendo serenado paralelamente ao fórum dos Brics supostamente levou o presidente chinês a mitigar a importância do fórum, ao enviar, em seu lugar, seu primeiro-ministro.

Como resultado, não se espera muito da cúpula.

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“Sinto que o evento terá como foco apenas manter as coisas alinhadas, por assim dizer, sem considerações contundentes ou linguagem direta em seus documentos resultantes, concentrada no panorama, nas questões geopolíticas mais imediatas”, comentou Priyal Singh, pesquisador do Instituto de Estudos de Segurança em Pretória, na África do Sul, em contato com a rede Middle East Eye

Outros analistas, como Farwa Aamer, diretor da Iniciativa Sul da Ásia do Instituto de Política da Sociedade Asiática, radicado em Washington DC, caracterizou como “importante” a ausência de Xi Jinping, além de oportunidade perdida para que Pequim e Nova Delhi falassem cara a cara.

Sem Xi ou Putin, pode ser Modi assuma o protagonismo do fórum, o que traz seus próprios desafios.

Índia e o Brics

Como um dos membros centrais dos Brics, Nova Delhi foi fundamental para o desenvolvimento do bloco.

A Índia aproveitou sua longa trajetória no Movimento dos Não-Alinhados (MNA) e agora nos Brics, além de sua proximidade crescente com potências ocidentais, para se posicionar como cabeça de chave no Sul Global e interlocutor com o Ocidente.

Porém, sob o governo Modi, o país tem se aproximado cada vez mais dos Estados Unidos. Analistas observam que Nova Delhi deixou claro que enxerga os Brics como um projeto econômico, não geopolítico.

A Índia insiste ainda em frear a expansão do bloco — uma forma de conter a influência chinesa sobre novos membros que já estão sob sua esfera —, ao moderar o que vem sendo interpretado como um grupo destinado a desafiar a hegemonia ocidental.

Apesar das discussões sobre uma moeda própria para os membros dos Brics, a fim de substituir a supremacia do dólar, a Índia deixou claro que não tem interesse, ao favorecer o comércio entre as partes em moedas nacionais.

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Mas é a questão do genocídio conduzido por Israel na Faixa de Gaza — e a aparente incapacidade do bloco de liderar o Sul Global — que expôs sua fragilidade.

“Se o objetivo dos Brics é criar um polo alternativo de poder político e econômico, Gaza revelou uma profunda divisão dentro da organização”, argumentou Somdeep Sen, pesquisador do Centro de Estudos Asiáticos da Universidade de Pretória.

Apesar do apoio coletivo dos Brics à denúncia de genocídio da África do Sul contra Israel, deferida em janeiro de 2024 pelo Tribunal Internacional de Justiça (TIJ), radicado em Haia, os únicos outros países-membros que endossaram formalmente o caso foram Egito e Brasil.

No extremo oposto, Nova Delhi se converteu em um dos maiores defensores de Israel desde outubro de 2023. A Índia não somente enviou armas para a campanha israelense em Gaza — incluindo drones de combate e armas por inteligência artificial —, como também forneceu trabalhadores da construção civil para substituir os palestinos e se recusou a apoiar qualquer embargo militar a Israel.

O posicionamento indiano chegou a levar analistas a sugerir que Washington veja os Brics como parceiros em vez de rivais.

Primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, comparece à 17ª Cúpula dos Brics no Rio de Janeiro, em 7 de julho de 2024 [Murat Gök/Agência Anadolu]

“Embora os Brics incluam adversários geopolíticos dos Estados Unidos, como Rússia e China, também agregam Estados parceiros, incluindo Brasil, Índia, Indonésia e Emirados Árabes Unidos, que têm interesses distintos de Moscou e Pequim”, comentou Sarang Shidore, do Instituto Quincy, na última semana.

Para Shidore, o bloco pode até “moderar” China e Rússia.

Patrick Bond, da Universidade de Joanesburgo, contudo, alerta que o alinhamento com os Estados Unidos vai além de alguns países. Em conversa com o Middle East Eye, Bond destacou que os esforços para retratar os Brics como contrapeso à hegemonia ocidental ignoram um fato crucial: todos os membros do bloco — exceto Irã — lucram com o complexo militar-industrial israelense.

Bond confirmou que, apesar dos apelos internacionais por embargo militar e boicote econômico a Israel, companhias russas, sul-africanas e brasileiras continuam exportando energia aos tanques e batalhões utilizados em Gaza. De mesmo modo, a estatal chinesa DJI segue vendendo drones ao exército israelense.

Como se não bastasse, corporações chinesas e indianas operam ainda portos israelenses que recebem continuamente armas e recursos.

Desafios estruturais 

Para Singh, apesar dos obstáculos no percurso, os Brics têm conseguido estabelecer uma plataforma “minilateral”, em potencial, entre os países do Sul Global, para coordenar uma resposta à ordem internacional liderada pelo Ocidente.

“Para alguns países, sobretudo África do Sul, os Brics também são vistos como componente crucial de política externa para avançar sua agenda ‘Sul-Sul’, que visa aprofundar relações bilaterais com nações do Sul Global com base em valores comuns e experiências históricas compartilhadas”, complementou Singh.

No entanto, Singh reconhece que essa agenda tem dificuldade em se consolidar. Segundo sua análise, isso se deve à inclusão de novas iniciativas que desviam do que considera o objetivo central: refinar uma agenda comum para reformar o sistema de governança global e as instituições financeiras internacionais.

Em outras palavras, o problema dos Brics é estrutural.

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Embora o grupo tenha pedido um cessar-fogo e proteção a civis em Gaza — onde mais de 56 mil pessoas foram assassinadas—, nenhuma dessas decisões coletivas é vinculativa aos Estados-membros e, portanto, não seus objetivos individuais de política externa.

É essa “disparidade”, esses “interesses conflitantes”, diz Singh, que impedem os Brics de avançar em uma maior institucionalização, seja através de um secretariado permanente ou de decisões de cúpula juridicamente obrigatórias.

As contradições e a falta de ação coletiva deixaram acadêmicos como Sen profundamente céticos em relação ao bloco.

“Com a Rússia globalmente isolada e a Índia — hoje governada pela extrema-direita — priorizando interesses nacionais em detrimento de uma visão coletiva dos Brics, podemos esperar um enfraquecimento da organização”, alertou Sen.

Contudo, Singh ressalva que, mesmo correndo o risco de colapsar sob “o peso acumulado de suas contradições”, o bloco provavelmente persistirá — mesmo que de forma meramente simbólica.

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“Sua utilidade, mesmo que apenas no plano simbólico, não pode ser subestimada — não somente para Índia ou África do Sul, mas para todos os cinco membros fundadores”, destacou Singh. “O grupo é um componente essencial da política externa de cada membro original, especialmente no que tange a conceitos como a cooperação Sul-Sul, internacionalismo progressista e não-alinhamento estratégico”.

Embora esses não sejam necessariamente denominadores comuns para todos”, concluiu o analista, “elementos desses princípios permeiam as relações internacionais de cada membro, tornando os Brics um bloco singular — por que não dizer irresistível — para o qual se deve manter um compromisso”.

Artigo publicado originalmente em inglês pela rede Middle East Eye em 5 de julho de 2025, com pesquisa adicional de Amber Rahman.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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