Os apelos de Donald Trump, presidente dos Estados Unidos, para que o rei da Jordânia receba palestinos de Gaza em seu país refletem plena ignorância da natureza da questão palestina e da história política da região. Trump não conseguiria entender que os palestinos que buscaram refúgio na Jordânia, em um primeiro instante, eram cidadãos jordanianos da Cisjordânia ocupada, então integrada à monarquia hachemita pouco antes da ocupação israelense. Quando esta veio à tona, foram então deslocados à força à margem leste do rio Jordão — hoje, a Jordânia.
As declarações de Trump não são, porém, um improviso. Trata-se de parte da estratégia dos Estados Unidos em apoiar a limpeza étnica conduzida por Israel contra o povo palestino, agravada sob a batuta do antecessor de Trump, Joe Biden — uma missão, no entanto, que a ocupação fracassou em cumprir totalmente, por meio de seu poderio militar. A menção de Trump de ter tratado do assunto com o presidente egípcio, Abdel Fattah el-Sisi, ao sugerir que o país norte-africano aceite 1.5 milhões de palestinos — isto é, cerca de 70% da população de Gaza — deixa claro o intento de implementar um plano de ação criminoso, independentemente da posição de seus aliados históricos na região e, sobretudo, da lei internacional. Tudo isso ressalta o fato de que os Estados Unidos não são meramente apoiadores de Israel, mas sim um parceiro ativo e proativo de suas políticas hostis e expansionistas, assim como de seus crimes contra a humanidade.
Ironicamente, Trump emprega como carro-chefe uma política que restringe ou impede a imigração aos Estados Unidos, muito embora seu país tenha sido construído por imigrantes, como é o caso de sua própria família. Enquanto prega pelo direito americano de fazê-lo, busca expulsar à força o povo palestino nativo de suas terras ancestrais, para que imigrantes exclusivamente judeus possam expandir o território de seu Estado fascista e reacionário de apartheid.
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Trump não é, de maneira alguma, uma exceção a essa estratégia desvairada. Desde os primórdios, os Estados Unidos apoiam diplomaticamente o Estado israelense no Conselho de Segurança, ao ameaçar o Tribunal Internacional de Justiça (TIJ), radicado em Haia, e tentar criminalizar seus membros, enquanto inundam Israel com bilhões e bilhões de dólares em recursos e armamentos — apesar das sucessivas crises no próprio país, como os incêndios na Califórnia, que expuseram a precariedade da infraestrutura americana. Em termos militares, Washington empregou porta-aviões e até mesmo submarinos nucleares na região, ao conceder asmas letais de última geração à ocupação, incluindo bombas inteligentes de mais de 900kg, cujo uso, até então, se concentrava em fortificações militares e não em infraestrutura civil, como ocorreu na Faixa de Gaza. Os Estados Unidos tampouco hesitaram em compartilhar informações de inteligência e diretrizes militares a Israel.
Além disso, Washington exerceu um papel proeminente na manipulação da mídia, ao distorcer fatos e encobrir os crimes israelenses, como os ataques diretos à infraestrutura civil e mesmo a bebês recém-nascidos, ao adotar de bom grado toda a propaganda de guerra da ocupação, seja por seus porta-vozes de Segurança Nacional, pelo Departamento de Estado ou mesmo pelo próprio presidente Biden. Logo após o cessar-fogo entrar em vigor, evidências claras surgiram de que Israel já planejava, desde o primeiro momento, expulsar a população de Gaza ao destruir sistematicamente hospitais, universidades, escolas, mercados, estradas, ruas e redes de água e eletricidade, ao forçar os habitantes a migrar ao sul, enquanto promovia a compra de terras em Gaza como se o território já estivesse vago.
Isso não foi apenas um delírio propagado por sionistas extremistas, mas uma política oficial que recebeu apoio da gestão dos Estados Unidos, incluindo Trump, que considera a causa palestina nada mais do que uma transação imobiliária. O chamado “acordo do século” promovido por Trump nada mais é do que uma realização de sonhos fascistas do primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, ao tentar extorquir os Estados árabes a financiar o suposto desenvolvimento dos palestinos em troca de que abandonem suas aspirações nacionais. A ideia foi pesadamente propagandeada pelo ex-embaixador dos Estados Unidos em Israel, David Friedman, e pelo genro de Trump, Jared Kushner, que declarou abertamente — com claro racismo — que os palestinos seriam incapazes de governar a si mesmos.
Tais políticas encorajaram extremistas judeus a intensificar seus ataques à Mesquita de Al-Aqsa e expandir seus assentamentos ilegais, ao atacar a população nativa na Cisjordânia ocupada e incitar reações inevitáveis da resistência palestina. Neste entremeio, países árabes e islâmicos passaram a sofrer imensa pressão dos Estados Unidos para que normalizassem laços com a ocupação israelense, em franco detrimento da Iniciativa de Paz Árabe, ao reiterar um duro sentimento palestino de abandono regional e internacional, sem soluções políticas viáveis.
Todos esses fatores culminaram nos eventos de 7 de outubro de 2023 — uma consequência direta das políticas de Trump. Suas ações — ao contrário do que afirma acreditar — não são capazes de extinguir conflitos, mas sim provocar o caos, a turbulência política e guerras regionais.
Hoje, o deslocamento à força dos palestinos não é mais uma suposta teoria da conspiração, mas sim uma política aberta de Israel e Estados Unidos que descaradamente despreza a lei internacional e todos os princípios de direitos humanos. Tudo isso expôs, como nunca, uma abordagem de dois pesos e duas medidas que incidiu em críticas globais aos Estados Unidos e seus aliados, ao erodir todo o senso de credibilidade de que desfrutavam.
Portanto, enquanto Trump se vangloria de “Tornar a América Grande de Novo”, conforme seu slogan político, suas ações — na prática — contribuem para nada mais que manchar a imagem e reputação de seu país. O povo palestino, que tanto sobreviveu a massacres e décadas de ocupação, todavia, não será dissuadido de seus anseios pelas bravatas de Trump. Sua resistência prevalecerá como uma evidência de que as políticas americanas sobre a causa palestina não apenas feriram os palestinos, mas também foram desastrosas à posição global dos Estados Unidos.
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