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Obrigado, Macron???

O presidente francês Emmanuel Macron é recebido no Aeroporto Internacional Rafic Hariri de Beirute em 17 de janeiro de 2025 em Beirute, Líbano. [ Houssam Shbaro/AgÊncia Anadolu]

Durante a tradicional Conferência dos Embaixadoras/es da França, em 6 de janeiro de 2025, o presidente Emmanuel Macron afirmou que os países africanos onde seu país manteve presença militar “se esqueceram de agradecer”. A declaração reflete o total desânimo de um rei mesquinho, que sequer foi capaz de respeitar o resultado do processo democrático que ele mesmo convocou, com as eleições legislativas de 7 de julho de 2024, recusando-se a nomear como primeira-ministra Lucie Castets, da Nova Frente Popular (NFP), coligação que ficou em primeiro lugar.

Os africanos não precisam agradecer à França por crimes contra a humanidade, como a escravidão, a colonização, a pilhagem de seus recursos naturais, nem pelas centenas de milhares de soldados africanos que morreram nas duas primeiras guerras mundiais, servindo de carne de canhão e lutando por liberdades às quais não tinham acesso, por serem sujeitos coloniais.

A França continua esvaziando a África de seus médicos e pesquisadores, que estão em hospitais franceses. Na incapacidade de formar um número suficiente de médicos em seu território, ela vai buscar profissionais em suas antigas colônias ou protetorados (Argélia, Tunísia, Togo, entre outros países do continente que, no passado, já foram martirizados pelas conquistas francesas).

Também durante esse encontro, Emannuel Macron tomou a liberdade de dizer que a Argélia “se desonrava” ao prender um escritor de 75 anos, ex-funcionário de alto escalão do Estado argelino, que sempre foi argelino, mas se tornou francês há um mês: Boualem Sansal, um militante da extrema-direita francesa, islamofôbico e defensor fervoroso do genocídio palestino cometido por Israel, que sustentou, em setembro de 2024, que parte da Argélia pertencia historicamente ao Marrocos. Falsa e negacionista, a declaração do intelectual franco-argelino fez com que ele fosse preso assim que desceu do avião. Eu não aprovo a prisão do escritor, alçado ao status de musa pela ala mais radical da extrema-direita francesa; mas o que dizer das centenas de prisões de cidadãos franceses pelo regime de Macron, simplesmente por terem denunciado o genocídio palestino?

As declarações de Emmanuel Macron são falas de um presidente repudiado por seu povo, com taxas de desaprovação de quase 70%, cujo atual governo conta com políticos abertamente racistas e supremacistas da extrema-direita, que governa o país à revelia do resultado das urnas, das quais a esquerda saiu vitoriosa.

A retirada das tropas francesas dos países africanos é um golpe de misericórdia na chamada “Françafrique”, conceito forjado por François-Xavier Verschave para designar, com um toque de crítica e ironia, as relações neocoloniais que a França mantém com os países do seu antigo domínio colonial na África. No rastro das independências, vários casos ilustraram uma mistura duvidosa de interesses políticos e econômicos, desacreditando a atuação francesa na África.

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Isso fica evidenciado no julgamento de Nicholas Sarkozy, ex-presidente da França, iniciado no mesmo dia 6 de janeiro de 2025, sob as acusações de “financiamento ilegal da campanha por fundos provenientes do Presidente da Líbia, Muammar Gaddafi”; “ocultação de desvio de fundos públicos”; “corrupção passiva”, e; “formação de quadrilha”. O mesmo presidente líbio que, poucas semanas antes de morrer, admitiu abertamente ter financiado a campanha de Sarkozy. Como sabemos, Muammar Gaddafi foi assassinado, sem dúvida por conta de suas revelações.

O jornal investigativo francês Médiapart aponta que, desde 1963, 22 presidentes africanos foram assassinados com a cumplicidade dos serviços secretos franceses: o SDECE (Serviço de Documentação Externa e de Contra-Espionagem), o DGSE (Direção Geral de Segurança Externa) e o DST (Direção de Vigilância do Território). Foram essas três forças armadas que arquitetaram golpes de Estado na África, valendo-se dos serviços de capangas e traidores africanos, dentre os quais muitos seguem no poder.

São os africanos que têm o direito de exigir um pedido de desculpas, além do reconhecimento dos tantos massacres e genocídios que a França cometeu em seu solo. Um país cujos museus ainda estão cheios de crânios africanos, que os cientistas franceses conservavam para provar a existência da desigualdade das raças. É a França que deveria agradecer aos africanos que lutaram contra o nazismo e ajudaram a reconstruir o país, destruído pela Segunda Guerra Mundial, o que só foi possível graças ao trabalho dos milhões de africanos que se estabeleceram na metrópole a pedido do empresariado francês. Franceses há quatro gerações, os seus descendentes ainda são vistos como estrangeiros que vivem no continuum colonial, a menos que ganhem uma Copa do Mundo de futebol… Zidane, Benzema e Mbappé.

É uma pena que a França continue fazendo uma leitura racial de sua história: tem hipermnésia quando se trata do Holocausto e sua responsabilidade na deportação de judeus, mas amnésia total quando se trata de seus antigos colonizados. A retirada das forças militares francesas simboliza o início de um verdadeiro processo de descolonização da África francófona, cujas independências conquistadas na década de 1960 haviam sido confiscadas pela presença neocolonial francesa. Mais uma vez, a França perdeu seu encontro com a História!

Obrigado, africanos, por tudo o que vocês fizeram pela França!

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As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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