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Zulaykha al-Shihabi e luta das mulheres palestinas a partir dos anos 1920

Zulaykha al-Shihabi [Biblioteca Interativa]

O protagonismo histórico das mulheres palestinas tem raízes profundas e segue a se dar em diversas frentes nestes 76 anos da Nakba – catástrofe cuja pedra fundamental é a formação do Estado racista e colonial de Israel em 15 de maio de 1948 –, inclusive agora em sua nova fase, diante de quase 200 dias de genocídio em Gaza e limpeza étnica avançada na Cisjordânia.

Uma das pioneiras é Zulaykha al-Shihabi (1903-1992). Nascida em Jerusalém, ela está entre aquelas que lideraram a luta das mulheres a partir dos anos 1920 contra o mandato britânico sobre as terras palestinas e a colonização sionista. O salto nesse protagonismo feminino se dá a partir de 2 de novembro de 2017, quando a Grã-Bretanha se declara favorável à constituição de um lar nacional judeu na Palestina por meio da Declaração Balfour. O Império Turco-Otomano que dominava o Oriente Médio e Norte da África havia quase 400 anos agonizava e à iminência de sua derrota na Primeira Guerra Mundial (1914-1918), os aliados dividiam a região como espólio. A Grã-Bretanha ficaria com o mandato sobre a Palestina.

Sob esse signo, Zulaykha al-Shihabi tem papel destacado na organização do movimento de mulheres. Um acontecimento amplia seu engajamento à luta nacional: a revolta de al-Buraq, em Jerusalém, sua terra natal. A revolta começou em 15 de agosto de 1929, após um grupo de colonos sionistas, estimulado pelo apoio britânico, dirigir-se ao Muro de al-Burak de forma provocativa, portando bandeiras sionistas, entoando o hino Hatikva (A esperança) e reivindicando o dia como aniversário da destruição do Templo de Salomão naquele lugar, na busca por construir uma origem étnica e religiosa a partir de representação bíblica. A repressão britânica foi violenta. Centenas de homens foram presos e dezenas deles condenados à morte, além disso, centenas de casas foram destruídas e crianças se tornaram órfãs.

O 1º. Congresso de Mulheres Árabes

Na esteira desse acontecimento, em 26 de outubro de 1929 ocorre o 1º. Congresso de Mulheres Árabes em Jerusalém, com a presença de 200 delegadas. Zulaykha al-Shihabi participa ativamente e é uma das 14 mulheres eleitas para o Comitê Executivo de Mulheres Árabes. Do congresso de 1929, extraíram-se resoluções que exigiam a rejeição da Declaração Balfour, o fim da imigração judaica com fins de colonização, das punições coletivas pelo mandato britânico e dos maus tratos aos prisioneiros árabes, bem como a constituição de um centro de informação para o mundo sobre a situação na Palestina. Após o evento, as delegadas saíram em carreata, com paradas em frente a consulados estrangeiros e à sede do mandato.

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Do congresso nasceram diversas associações, nos principais centros urbanos da Palestina, instituídas em conformidade com as resoluções aprovadas. Uma delas foi a Sociedade de Mulheres Árabes em Jerusalém, estabelecida em 1929 por um grupo de jovens mulheres liderado por Zulaykha al-Shihabi.

Através dos Comités de Mulheres Árabes, conforme consta da Enciclopédia Interativa da Questão Palestina, ela desempenhou papel proeminente durante outro acontecimento chave e histórico: a greve geral e a chamada Grande Revolta Árabe de 1936 a 1939. Na repressão britânica a essa verdadeira revolução, segundo a mesma fonte, Zulaykha teve a ideia de “organizar uma grande audiência para assistir aos julgamentos dos rebeldes para elevar o seu moral e mostrar às autoridades que os heróis do povo não estavam sós”.

Ela integrou também delegação de 40 mulheres palestinas que participaram de conferência no Cairo em outubro de 1938 organizada pela líder feminista egípcia Huda Sha’rawi, com o propósito de apoiar a causa palestina. Zulaykha al-Shihabi discursou em nome da Sociedade de Mulheres em Jerusalém, denunciando a colonização sionista e o imperialismo britânico. E encerrou com essas palavras: “Voltamos convencidos de que o povo palestino não está sozinho enquanto trava a sua luta sagrada para salvar a sua terra natal.”

Junto a sua organização, criou comissão de primeiros socorros encarregada de tratar os feridos, bem como abriu “uma clínica para tratar os necessitados, fornecer vacinação gratuita contra doenças infecciosas e cuidar de mulheres grávidas e creches; também participou na obtenção de abrigos para órfãos. […] As pessoas se lembram dela como uma mulher que costumava visitar prisões e campos de detenção para encorajar os prisioneiros políticos, quando lhes dava presentes simbólicos para que soubessem que o povo os apoiava”.

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Ainda de acordo com a Enciclopédia Interativa, após a Nakba de 1948, Zulaykha redobrou suas atividades, representando as mulheres em fóruns internacionais para denunciar a situação de seu povo e angariar solidariedade a sua causa.

Em Damasco, na Síria, foi criada uma organização voltada ao suporte para obtenção de emprego a refugiados palestinos, e no Líbano formou-se a União de Mulheres Árabes, que em 1950 convocou uma conferência na capital Beirute. No ensejo, Zulaykha al-Shihabi reivindicou o estabelecimento de uma filial na Palestina, uma vez que não pôde representar sua terra natal no evento, tendo que se apresentar como delegada pela Jordânia. Ela viria a presidir essa filial.

Anos depois, em 1964, participou do Primeiro Congresso Nacional Palestino que deu origem à Organização para a Libertação da Palestina (OLP). Em fevereiro de 1965 organizou uma reunião geral em Jerusalém de lideranças das associações locais “para preparar uma conferência geral que incluísse mulheres da diáspora e de dentro da Palestina, com o objetivo de constituir a União Geral das Mulheres Palestinas” – a qual seria criada cinco meses depois, sob o guarda-chuva da OLP.

Na Naksa (revés), em junho de 1967, quando Israel ocupou militarmente Gaza, Cisjordânia e Jerusalém Oriental, Zulaykha al-Shihabi chegou a ser deportada, mas a intervenção “de diversos estados e das Nações Unidas forçou Israel a permitir seu retorno”. Ela seguiu atuante até sua morte, aos 89 anos, em Jerusalém. Não viu a libertação de sua terra do jugo do colonizador, por que tanto lutou, mas seu legado segue vivo na resistência também de jovens mulheres.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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