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Na memória do Holocausto, ajuda ao financiamento de outro

Corpos de palestinos mortos em ataques israelenses são enterrados em valas comuns em Jabalia, Gaza, em 18 de dezembro de 2023 [Abdulqader Sabbah/Agência Anadolu]

Com a crescente crise internacional que questiona o apoio da Alemanha ao massacre em Gaza perpetrado por Israel, o governo alemão anunciou que destinará US$ 27 milhões aos sobreviventes do Holocausto em Israel para ajudá-los a enfrentar os impactos do ataque do Hamas e da “guerra”.

De acordo com a organização responsável por reivindicar indenizações para os sobreviventes do Holocausto, a Claims Conference – guarde este nome –, cada uma das 113 mil pessoas que se enquadram nesse critério receberá um pagamento único de cerca de 220 euros, equivalente à R$ 1.199.

Segundo o Deutsche Welle, uma porta-voz do Ministério das Finanças alemão afirmou que “Numerosos sobreviventes do Holocausto foram particularmente afetados pelos ataques do Hamas”. O objetivo do pagamento de fundos adicionais é auxiliá-los durante esse “terrível situação de guerra”, explicou ela, destacando que seus problemas foram agravados pelo crescente “antissemitismo”.

A Alemanha tem historicamente destinado consideráveis recursos para indenizações relacionadas aos crimes cometidos durante a Segunda Guerra Mundial, um gesto consideravelmente justo, mesmo que não restitua com todo sofrimento causado nem salde a dívida histórica para com essas pessoas. Tal prática deveria servir de exemplo e ser estendida a todas as vítimas de massacres contra a humanidade, como os ocorridos em Ruanda, Camboja, Paquistão, Iraque, Afeganistão e atualmente na Palestina. O que não será, nem nunca foi cogitado, já que essas vítimas não recebem indenização devido a questões de origem étnica, em outras palavras: racismo!

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Quanto as “recompensas” feitos pela Alemanha às vítimas do Holocausto, o livro “A Indústria do Holocausto”, escrito pelo professor e cientista político Norman G. Finkelstein, denuncia que esses pagamentos foram explorados para o enriquecimento econômico e cultural de políticas sionistas racistas e genocidas.

Finkelstein argumenta que muitos aproveitadores, que nem mesmo eram judeus ou vítimas do Holocausto, se beneficiaram dos pagamentos destinados às vítimas. Ele também aponta como lobby, empresas e empresários que roubaram o dinheiro das vítimas, enquanto milhares de verdadeiras vítimas nunca receberam nada. Segundo ele, “A resposta mais óbvia é que ele ‘o dinheiro’ tem sido usado para justificar políticas criminosas do Estado de Israel e o apoio americano a tais políticas.”

Voltando ao nome Claims Conference, em 19 de maio de 2006, o The Jewish Chronicle divulgou que o vice-presidente executivo da organização, Gideon Taylor, foi o funcionário mais bem remunerado, recebendo US$ 437.811 em salário e pensão (dados de 2004). O Dr. Pinto-Duschinsky, conselheiro de sobreviventes britânicos em questões de indenização nos anos 90, comentou: “É inaceitável que o vice-presidente executivo receba anualmente uma quantia equivalente à compensação de várias centenas de ‘ex-trabalhadores escravos’. O alto salário dos executivos de organizações judaicas enfraquece seriamente sua eficácia.”

No site da organização Judeus Sem Fronteiras (Jews sans fronteires), os autores Jenni Frazer e Simon Rocker questionam: “O homem da esquerda ‘Gideon Taylor’ ganha US$ 437.811 por ano cuidando das reivindicações da Shoah. Então, por que tantos sobreviventes alegam pobreza?” Como afirma também o The Jerusalem Post, “a fundação judaica mais rica do mundo ‘Claims Conference’ ainda não conseguiu fornecer assistência financeira adequada aos idosos e doentes sobreviventes do Holocausto que vivem em pobreza abjeta no crepúsculo de suas vidas. atualmente detém US$ 900 milhões em ativos”.

Em 2010, o Ministério Público dos EUA acusou 11 funcionários da Claims Conference e outros indivíduos de desviar mais de US$ 42 milhões da organização. Dois anos depois, foi revelado que o valor desviado aumentou para US$ 57 milhões. Em 2013, o ex-diretor de dois fundos, Semen Domnitser, recebeu uma sentença de oito anos de prisão.

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Dado um breve histórico do vasto curriculum de corrupção da Claims Conference, voltemos as críticas de Finkelstein. Segundo o autor, a atual campanha da indústria do Holocausto por mais dinheiro da Europa, em nome das “necessitadas vítimas do Holocausto”, compara-se a um cassino em Monte Carlo.

É importante notar que Finkelstein é judeu estadunidense, filho de sobreviventes do gueto de Varsóvia que nunca receberam compensação da Alemanha, assim como outros milhares, talvez milhões de vítimas.

[…] “era um suposto idealista de esquerda incorruptível que, por princípios, recusou uma compensação alemã após a guerra. Por acaso, veio a se tornar diretor do Museu do Holocausto de Israel, Yad Vashem. Com muita relutância e evidente desapontamento, meu pai teve de admitir que mesmo este homem havia sido corrompido pela indústria do Holocausto, desvirtuando suas crenças em favor do poder e do lucro.” Norman G. Finkelstein

Seria preciso mais do que um único artigo para citar as dezenas de casos e fontes que Norman G. Finkelstein referencia em seu trabalho. Quando li o livro “A Indústria do Holocausto”, quase não sobraram linhas originais devido aos inúmeros grifos, destaques e anotações que marquei em suas páginas. Dessa forma, para entender por que tantas vítimas morrem sem ver a recompensação milionária que a Alemanha envia para Israel, recomendo que você, leitor, leia o livro e faça seus próprios grifos, destaques e anotações.

Norman Finkelstein não é o primeiro, nem será o último, a examinar e expor as consideráveis somas de dinheiro que circulam entre os grupos de lobby sionistas. Aqui no Brasil, o jornalista André Lobão tem se destacado ao investigar o fluxo financeiro nas mãos manchadas de sangue e pólvora do sionismo. É relevante observar que, embora seguir o rastro do dinheiro da Indústria do Holocausto não seja uma tarefa complexa em termos de sua dificuldade, dada a arrogância desta rede criminosa que a impede de ocultar suas atividades corruptas, é uma empreitada reservada apenas aos mais corajosos.

Antecipando possíveis respostas do lobby sionista brasileiro, deixo claro, por mais que seja óbvio, que não estou negando o Holocausto. Estou questionando se os 27 milhões que a Alemanha enviará para Israel servirá realmente para as vítimas do Holocausto nazista, ou se irá para o financiamento do Holocausto sionista na Palestina.

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É importante reconhecer que Hitler, além dos judeus, causou um número significativo de vítimas entre ativistas, políticos de esquerda, comunistas, pessoas com deficiência, homossexuais, negros, ciganos e outras minorias. Concordo que todas as vítimas merecem ser indenizadas, independentemente de sua identidade, e não apenas os ricos judeus sionistas como Gideon Taylor da Claims Conference.

Em um mundo minimamente humano, não seria necessário compensar sobreviventes se não houvesse genocídios, mas infelizmente essa não é a realidade. Portanto, é imperativo que a “recompensação” pelos crimes cometidos contra a humanidade seja realizada. No entanto, que essas recompensações sejam feitas para todos, e não de modo seletivo, ou pior, como faz a Alemanha, usando da memória dessas vítimas e desses sobreviventes para enviar 27 milhões de euros; para gerar ainda mais vítimas e sobreviventes. A pergunta que deve ser feita é: Quando a Alemanha irá enviar 27 milhões de euros para os palestinos vítimas do Holocausto, financiado em parte por sua contribuição?

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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