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Genocidas não se rendem, devem ser rendidos – um olhar da resistência palestina

Israel continua a enviar soldados, tanques e veículos blindados perto da fronteira de Gaza em Sderot, Israel, em 24 de outubro de 2023 [Mostafa Alkharouf/Agência Anadolu]

É inimaginável supor que a contenção de um genocida ocorra por resoluções sem intervenção. Ainda menos quando o perpetrador é quem dita a diplomacia ou é protegido por elas.  Então, o que se esperar da comunidade internacional, dos Estados Unidos e de Israel em relação à Gaza, à ocupação, ao apartheid, aos crimes de guerra, à contínua Nakba, ao genocídio que todo mundo vê?

Essas questões estiveram embutidas na pergunta levada pelo MEMO em Doha, no Catar, a algumas lideranças, estudiosos e jornalistas da resistência palestina que acompanham as negociações pelo cessar fogo em Gaza. Entre elas foram ouvidas algumas lideranças do Hamas, como Sami Khater e Mousa Abu Marzook e o conselheiro do movimento Jamal Baker. MEMO quis saber quais os desfechos possíveis estariam no horizonte da resistência para o fim das violações a Gaza.

Sami Khater, dirigente do Hamas [Agencia de notícias Sawa]

Se esperávamos alternativas ou, minimamente, suposições sobre o que deve acontecer nas negociações para que a guerra de Israel contra palestinos acabe,  as opiniões frustraram.  “A resposta está com o Ocidente”, foi o que ouvimos de várias fontes. E o Ocidente continua sustentando com armas e verbas os crimes de genocídio de Israel, o que leva a outra pergunta: Por onde se rompe o ciclo vicioso?

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Não há dúvidas para os entrevistados de que somente a pressão internacional aliada à resiliência do povo palestino mudará as coisas na direção de uma solução justa. Israel não desistirá de violar a Palestina sem que seja forçado por instrumentos eficazes da comunidade internacional,  ou continuará enfrentando a resistência do povo palestino “que não pretende entregar sua terra e que, por isso, está sendo dizimado dentro dela”, como diz Jamal Bakr.

“A mudança vai acontecer, mesmo que demore”, aposta um pesquisador entrevistado e que prefere anonimato por implicações na pesquisa. Para ele, as revoltas de 2011 (a chamada Primavera Árabe) no Oriente Médio e Norte da África foram contidas por golpes e repressão mas não acabaram e continuam latentes. Na sua visão, é um processo histórico que agora tem uma adesão internacional em relação a Israel.

As entrevistas ocorreram entre os dia 23 e 24 de fevereiro, em Doha, quando 29.514 palestinos já haviam sido mortos em Gaza e negociações mediadas por Egito, Catar, com os chefes do Mossad e da CIA estavam em curso no Cairo e  Paris. Nesse ínterim, havia muita expectativa da mídia em relação ao que seria anunciado na semana seguinte,  já que aparentemente todos se aproximavam de um acordo para o período do Ramadã..

Mousa Abu Marzouk reafirmou o compromisso do Hamas em buscar a conclusão de um acordo para por fim às agressões à Gaza, algo que ele afirmara dias antes ao Coordenador Especial das Nações Unidas para o Processo de Paz no Médio Oriente, Tor Wennesland, que o visitou no Catar. O acordo, porém, estaria condicionado à saída das forças de Israel da Faixa de Gaza, volta dos deslocados, reconstrução das moradias, para devolver a “esperança” aos palestinos.

Palestinos são novamente deslocados em Khan Yunis, na Faixa de Gaza, em 26 de janeiro de 2024 [Ahmed Zaqout/Agência Anadolu]

No dia 24, um sábado, o chefe do Hamas, Ismail Haniyeh, ainda acompanhava ao telefone os desdobramentos. Mas o otimismo internacional não durou muito tempo. No domingo, Netanyahu anunciou na CNN seus “planos militares” de evacuar Gaza e conduzir  uma operação para destruir os “batalhões” do Hamas em Rafah, com ou sem acordo. Rafah é onde os palestinos deslocados à força por Israel se amontoam, privados de tudo.

Para Sami Khater, as negociações naquele momento não iam além de  um cessar-fogo temporário e não uma solução definitiva, rejeitada por Israel.  Na semana seguinte, o acordo foi descartado.

Para Mousa Abu Marzook,  a história de acordos que determinaram o futuro da Palestina sempre foi amarga para os palestinos, reduzindo seus direitos,  e a resiliência é o que faz a causa palestina se manter viva e cada vez mais reconhecida no mundo.

Musa Abu Marzook, oficial sênior do Hamas [foto do arquivo]

No vai e vem de negociações que avançam mas não se efetivam, aliados de Israel fazem o jogo de cena de uma boa vontade que não existe. O ocidente naturaliza o genocídio como  direito de defesa. A mídia reforça a naturalização quando chama de  “planos militares” os crimes de guerra anunciados para Rafah.  Mas os entrevistados concordam que essa narrativa está desmoronando frente à opinião pública, e isso é o que muda na cena internacional, apesar do alto preço pago pelos palestinos.

Alguns fatos novos ocorreram desde as entrevistas. Joe Biden, pressionado por eleitores na Filadélfia – suficientes para fazer balançar seu apoio eleitoral – sentiu a necessidade de agir mais concretamente por uma questão de sobrevivência política.  Seu último ato foi abster-se pela primeira vez de vetar uma resolução do Conselho Internacional pelo cessar-fogo, mas ainda sem comprometer-se com ela.  Israel usou a situação para interromper conversas e visitas ao aliado e adiar mais uma negociação.  Há quem aposte, como o analista do Oriente Médio Trita Parsi, na Al Jazeera, que Biden está apostando no colapso do governo de Netanyahu, sobre quem recai a revolta de parcela dos americanos. Mas o presidente Biden sabe que os possíveis substitutos podem ser tão ou mais monstruosos, declarando coisas como “vamos matá-los agora no Ramadã porque estão fracos pelo jejum”

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Na quinta-feira (27), os dirigentes do Hamas,  Ismail Haniyeh, e da Jihad Islâmica Palestina, Ziyad al-Nakhalah, consideraram que os Estados Unidos são parte do crime, se reuniram para tratar dos objetivos da resistência em uma negociação que são o cessar fogo imediato, a saída total das forças israelenses de Gaza; volta dos deslocados às suas casas, aumento da ajuda a Gaza e troca de prisioneiros e reféns.

A narrativa do medo tem sido usada pelo senador Kennedy ao justificar o apoio dos Estados Unidos a Israel como um braço do ocidente no Oriente Médio.. Seu argumento é que, em caso de derrota de Israel para os palestinos,  o petróleo do Irã, da Rússia e da Arábia Saudita será controlado por eles próprios e até pelo Brasil através dos BRICS, deixando os Estados Unidos de fora.

A novidade desta semana foi a última decisão do Tribunal Internacional de Justiça ao  determinar que Israel garanta o acesso dos palestinos a comida  Desde que o mesmo TIJ cobrou Israel a provar que não está cometendo genocídio, a tarefa de barrar a entrada de comida foi emcampada pelos colonos sionistas, que cercam e barram os caminhões de ajuda  já na fronteira.

Francesca Albanese, em 3 de janeiro de 2024, em Ariano Irpino, Itália [Ivan Romano/Getty Images]

Foto: Francesca Albanese, em 3 de janeiro de 2024, em Ariano Irpino, Itália [Ivan Romano/Getty Images]

Uma resolução de cessar-fogo do Conselho de Segurança da ONU e a decisão do TIJ vão apertando o cerco não apenas em torno de Israel, mas da própria comunidade internacional que precisa dar consequência ao que decidiu. Na ONU, a relatora da organização sobre os Territórios Palestinos Ocupados, Francesca Albanese, apresentou seu relatório chamado ‘a anatomia de um genocídio”, afirmando que a “intenção genocida é tão evidente, tão ostensiva, como em Gaza, que não podemos desviar os olhos, devemos confrontar o genocídio; devemos evitá-lo e puni-lo”  .

O risco da imobilidade da comunidade internacional é desmoronar junto com Israel. “Para sobreviver, a ordem internacional terá de mudar”, afirma o pesquisador, lembrando que genocidas não se rendem sem punição. “A situação palestina terá de ser considerada em sua história e não somente a partir de outubro passado”, diz Mousa Abu Marzook.  É o que leva a pressão internacional a ir além da defesa do cessar fogo e a exigir uma Palestina livre da ocupação, do apartheid e do genocídio, e a responsabilização de Israel.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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Palestina: quatro mil anos de história
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