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Novo Império Romano: A História de Bizâncio

Autor do livro(s) :Anthony Kaldellis
Data de publicação :1° de fevereiro de 2024
Editora :Oxford University Press
Número de páginas do Livro : 1.104 páginas
ISBN-13 :9780197549322

Para a maioria das pessoas, o Império Romano acabou em 476 d.C., quando o estadista bárbaro Odoacro se declarou governante da Itália. O fato de que o Império Romano do Oriente manteve sua capital em Constantinopla — hoje Istambul, na Turquia — costuma ser tratado como apenas uma nota de rodapé na História, quase sem importância alguma; como se fosse um impostor no lugar do verdadeiro. Pode haver inúmeras razões para tanto, mas nas últimas décadas, o Estado de Bizâncio encontrou cada vez mais pesquisadores dispostos a explorar sua história e reaver o interesse público e acadêmico sobre a matéria.

The New Roman Empire: A History of Byzantium — em português, O novo Império Romano: A História de Bizâncio —, de Anthony Kaldellis, é talvez a pesquisa mais ambiciosa sobre a história da “outra” Roma, desde o estudo de 2008 de Judith Herrin. Ambos facilmente me convenceram que a história não acabou em 476, mas se estendeu ao menos até o ano de 1453. Poderíamos até mesmo argumentar que continua até hoje, para além dos sultões otomanos, dos czares da Rússia e até mesmo do Vaticano contemporâneo.

O esquecimento generalizado da história bizantina diante do público é chocante. Se visitarmos qualquer universidade no mundo ocidental, sobretudo nos departamentos de estudos clássicos — com um enfoque particular na Grécia e Roma —, dificilmente encontraremos cursos sobre o Império Bizantino. É este o tamanho do ostracismo imposto aos bizantinos sobre compreensões hegemônicas em torno da histórica.

É também este o contexto no qual a obra de Kaldellis foi escrita. Basicamente, se trata de cobrir a história de Bizâncio de seu nascimento até sua morte, em um período de mil anos.

Kaldellis proporciona três pressupostos. Primeiro, a opinião pública importava — todos, seja na zona urbana ou rural, exerciam um papel na sociedade e os governantes costumavam buscar ter legitimidade aos olhos do povo. Segundo, era esperado das elites que cumprissem devidamente seus papéis na sociedade, conforme virtudes aplicadas pelo público geral, de modo que estudá-las abre uma janela às esperanças, valores e frustrações da maior parte do povo. Terceiro, que o Império Bizantino foi de fato um exercício de grande governança, capaz de moldar vidas, conter eventos e administrar uma vasta extensão do tempo e do espaço. Tudo isso, foi um verdadeiro ponto de inflexão na história humana.

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Avaliar o êxito de Kaldellis em defender tais posições cabe àqueles com maior embasamento na história bizantina e, sem dúvida, surgirão argumentos de um lado ou de outro. Independente de teses e outras teorias, acredito que o assunto demanda nova seriedade.

Diferente dos persas sassânidas, do Império Otomano e das monarquias europeias, os líderes bizantinos não provinham todos de uma mesma família. De fato, qualquer um poderia ascender a imperador. Escreve Kaldellis:

Romania [Bizâncio] não era um Estado dinástico

É claro, havia condições a se tornar imperador, reafirma o autor, mas trata-se de uma estrutura única de governo dada sua longevidade. A conversão a modelos de grande governança sob um Estado centralizado é talvez o aspecto mais importante a ser estudado, a partir de Diocleciano e suas reformas. “Seu governo mobilizou um sistema mais racional, uniforme, eficaz e até mesmo equitativo de taxação nacional, ao dispensar a distinção entre conquistadores romanos na Itália e os povos conquistados nas províncias”. O Estado cresceu tanto sob a gestão de Diocleciano que um “analista hostil se queixou que havia mais funcionários públicos do que contribuintes”.

O que poderia ter facilitado a ascensão de um sistema de governo centralizado e pré-moderno, algo dificílimo de obter muito antes da Revolução Industrial? Bem, parte da resposta, observa o autor, é que o mundo bizantino era menos diverso que o mundo que orbitava Roma antes dele. A cristianização, a romanização e a helenização já haviam criado raízes e as populações das mais diversas províncias e cidades sob o Império já compartilhavam uma mesma identidade que suas elites. Deste modo, os laços com o Estado pareciam mais fortes, sobretudo em comparação aos tempos dispersos da Roma antiga. Contudo, isso não denotou apagamento de culturas distintas. Kaldellis aponta que os costumes locais eram frequentemente respeitados e mesmo integrados às estruturas de governo. Quem sabe, isso ajuda a explicar a longevidade do Estado, até chegar ao advento do Império Otomano.

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The New Roman Empire… deixará ao leitor caminhos interessantes de pesquisa a percorrer, não importa se concorda ou discorda de seus pontos. O livro é uma narrativa histórica que procura alcançar o público geral. Trata-se, portanto, de uma introdução abrangente ao assunto. Não é, porém, uma cartilha, mas sim um conjunto de análises e estudos para apoiá-las, incluindo uma série de relatos detalhados sob a vida no império.

“A história da România foi de resiliência, marcada por extraordinária capacidade de se recuperar de revezes e se adaptar a novas circunstâncias”, observa Kaldellis. Quem sabe, essa obra incite novo interesse e compreensão sobre o papel dos bizantinos na história humana.

 

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