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Hamas propõe cessar-fogo em três fases para encerrar a guerra

Brigadas Izz al-Din al-Qassam, braço armado do Hamas, no campo de Maghazi, em Gaza, em 19 de julho de 2023 [Ahmed Hasaballah/Getty Images]

O grupo palestino Hamas respondeu a uma proposta de cessar-fogo enviada na semana passada por mediadores do Catar e do Egito com um plano de três fases cujo intuito é encerrar a guerra israelense a Gaza em até quatro meses e meio.

A proposta foi autorizada por Israel e Estados Unidos.

Segundo o Hamas, a contraproposta especifica prazos de maneira “razoável e realista”, de modo que é hora de “retificar” divergências.

De acordo com um esboço ao qual a agência de notícias Reuters teve acesso, o plano do Hamas busca estabelecer três fases de desescalada com 45 dias cada.

Neste período, os prisioneiros de guerra israelenses remanescentes em Gaza, capturados em 7 de outubro, devem ser trocados por presos políticos palestinos, mantidos em custódia nas celas da ocupação israelense — muitos dos quais, sob detenção administrativa, sem julgamento ou sequer acusação; reféns por definição.

O plano abrange ainda retirada das tropas ocupantes, início da reconstrução de Gaza e troca de corpos e restos mortais.

O secretário de Estado dos Estados Unidos, Antony Blinken, chegou na noite desta terça-feira (6) a Israel após se reunir com líderes do Egito e Catar — fiadores do acordo —, para aquela que é vista como sua visita mais importante desde a deflagração do genocídio em Gaza.

Termos do acordo

 O Hamas propôs uma troca escalonada de prisioneiros: na primeira fase, mulheres, menores de 19 anos, idosos e doentes; na segunda fase, homens adultos; na terceira fase, restos mortais. Ao fim do último estágio, o grupo espera já haver um acordo para o fim da guerra.

O lado palestino inseriu um adendo ao plano inicial no qual detalhou a soltura de 1.500 presos políticos nas cadeias de Israel, um terço dos quais sentenciados a prisão perpétua.

A trégua deve aumentar ainda o fluxo de assistência alimentar e outras à população carente de Gaza, sujeita a fome generalizada e epidemias, sem água, luz ou medicamentos, em meio a um cerco absoluto imposto por Israel.

A proposta do Hamas reivindica o acesso humanitário de ao menos 500 caminhões por dia, com remessas de itens básicos e combustível. Além disso, prevê o estabelecimento de 60 mil lares temporários e 200 mil tendas ainda no primeiro mês.

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Na primeira fase, deve haver ainda o retorno dos deslocados de Gaza a suas casas e garantias de salvo-conduto entre as áreas norte e sul do território costeiro.

Sobre a reconstrução, o Hamas exige a aprovação de um plano abrangente à infraestrutura civil, para retomar os serviços públicos e restabelecer a economia de Gaza, com um prazo máximo de três anos.

O Hamas pediu ainda o fim das incursões militares e coloniais à Mesquita de Al-Aqsa, na cidade ocupada de Jerusalém, e o retorno do status do santuário islâmico aos parâmetros anteriores ao ano de 2002.

Rede internacional

 Como avalistas do acordo, o grupo palestino instou apoio e garantias de cinco países: Egito, Catar, Estados Unidos, Turquia e Rússia — além das Nações Unidas. Os três primeiros trabalharam na presente proposta.

A Turquia tem relações políticas com o Hamas há anos. A Rússia, por sua vez, recebeu líderes do grupo para debater a conjuntura e se posicionou como mediador em potencial.

 Respeito à trégua

 Muhhamad Nazzal, membro sênior do gabinete político do grupo nacional palestino, comentou à rede Al Jazeera: “A proposta que recebemos após a conferência de Paris e a réplica do Hamas contêm detalhes e prazos específicos — prazos explicitados pelo próprio Hamas”.

“Dentre esses detalhes, nenhum pode ser comprometido”, acrescentou. “A máquina de morte israelense tem de parar. Queremos ver a retirada completa das forças ocupantes de Gaza. Nossa resposta é realista e nossas demandas são razoáveis”.

De acordo com Nazzal, contudo, há receios de que oficiais israelenses “não estejam seriamente comprometidos com o acordo”, razão pela qual as negociações por um cessar-fogo permanente foram postas ainda no segundo estágio da trégua — isto é, dentro de três meses.

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“Esperamos que as negociações comecem”, observou. “Uma vez iniciadas, quaisquer obstáculos ou divergências podem ser retificados ao longo do caminho, para chegarmos a um acordo final, no qual poremos os pontos nos is e traços nos tês”.

Nazzal criticou, no entanto, o comentário do presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, de que a resposta do Hamas fora “um pouco exagerada”.

“Não esperávamos outro comentário do presidente americano. Ele está totalmente enviesado e é parte da guerra travada contra Gaza. Biden deu cobertura política e legal a Israel e concedeu apoio a todas as medidas de [Benjamin] Netanyahu, com quem trabalha de mãos dadas, ao lhe assegurar assistência militar e financeira”.

“No entanto”, complementou Nazzal, “esperamos que o governo dos Estados Unidos tome uma decisão: estão dispostos a deixar que a guerra continue? Ou realmente querem um cessar-fogo?”

 Refugo israelense

 Hussein Haridi, ex-assessor do Ministério de Relações Exteriores do Egito, diz que há uma janela para uma trégua em potencial, mas que o anúncio pode não ser imediato.

“Talvez seja um pouco cedo para esperarmos um acordo final”, observou Haridi à Al Jazeera, ao avaliar que a contraproposta do Hamas inclui “posições maximalistas”, de modo que o governo israelense deve “diluir ainda alguns elementos”.

“Não esperamos que Israel diga sim a tudo”, reiterou.

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Sobre a visita de Blinken aos territórios ocupados, Haridi alegou crer que o chanceler americano “buscará conseguir alguma coisa” da liderança israelense. “Entretanto, há uma certeza: a gestão americana está ansiosa em obter uma pausa humanitária assim que possível”.

A agência de espionagem israelense Mossad confirmou ter recebido a réplica do Hamas. O gabinete do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, por sua vez, afirmou “avaliar meticulosamente seus detalhes”. O premiê não comentou os avanços até então.

Todavia, analistas receiam que Netanyahu — réu por corrupção — postergue uma trégua para preservar seu governo e sua carreira política, à medida que membros de extrema-direita de sua coalizão devem deixar o gabinete uma vez que as hostilidades cessem.

Em seus comentários mais recentes sobre Gaza, antes da visita de Blinken, insistiu Netanyahu: “Estamos a caminho da vitória e não vamos parar”.

Morte e destruição

 Israel lançou sua ofensiva brutal sobre Gaza em 7 de outubro de 2023, em retaliação a uma ação transfronteiriça do Hamas que capturou colonos e soldados. Segundo Israel, em torno de 1.200 pessoas foram mortas na ocasião.

Reportagens investigativas de agências israelenses, no entanto, revelaram mais tarde que boa parte das baixas se deu por “fogo amigo”, ao flagrar ordens expressas de oficiais para que tanques de guerra disparassem a residências no envelope de Gaza

O movimento palestino justificou sua operação de resistência devido à brutal escalada colonial nos territórios ocupados da Cisjordânia e de Jerusalém, além dos 17 anos de cerco militar imposto a Gaza.

Em quatro meses, o exército israelense matou 27.708 pessoas em Gaza, além de 67.147 feridos — em ampla maioria, mulheres e crianças. Dois milhões de pessoas, ou 85% da população civil, foram desabrigadas, sob escassez crítica de comida, água e medicamentos.

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Aproximadamente 60% da infraestrutura do enclave foi danificada ou destruída, segundo dados da Organização das Nações Unidas (ONU).

Nas últimas 24 horas, foram 123 palestinos mortos e 169 feridos por ataques israelenses.

Mahmoud al-Khor — um dos palestinos expulsos da Cidade de Gaza a um campo de refugiados em Deir el-Ballah, mais ao sul — reiterou: “Basta! Nós não queremos mais guerras. Estamos ao relento há 115 dias. Fomos abandonados. Temos crianças e estamos doentes”.

As ações israelenses são punição coletiva, crime de guerra e genocídio.

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Palestina: quatro mil anos de história
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