A Diáspora Palestina em El Salvador

Em 2019, El Salvador elegeu pela segunda vez um presidente descendente de imigrantes palestinos, Nayib Armando Bukele Ortez, Mas a presença e organização de palestinos desde a imigração até seus descendentes atuais ainda não havia sido objeto de uma pesquisa abrangente.

A partir de 2017, a antropóloga Melissa Rivas Montoya iniciou o levantamento que resultaria no livro “Diáspora Palestina”, no qual tratou das “circunstâncias pessoais, regionais e internacionais que motivaram indivíduos e famílias a migrar e se fixar no país.

O que era no início uma encomenda de conteúdo para a revista Usul-Raíces, publicação oficial da Asociación Salvadoreña Palestina, com apoio do Ministério de Cultura, tornou-se uma proposta mais ampla, sobre o processo de configuração da comunidade de origem palestina em El Salvador.

A pesquisa avançou até 2019, partindo da década de 1880, quando apareceram registradas pela primeira vez pessoas originárias da Palestina em diferentes fontes. Por sua vez, 2019 foi estabelecido como o ano da segunda eleição de um descendente de palestinos a presidente.

O primeiro capítulo apresenta um resumo da história da Palestina, uma vez que a conexão com a terra natal marca fortemente a identidade dos palestinos na diáspora. O livro passa por períodos da Palestina milenar, os vários domínios sobre ela até o final do Império Otomando, com as migrações geradas pela imposição do serviço militar durante a Primeira Guerra Mundial. Menciona um segundo processo migratório  durante o Mandato Britânico, como aumento do influxo de judeus  para a Palestina, especialmente após a eclosão da Segunda Guerra Mundial e, finalmente, uma terceira onda  motivada pela guerra que se seguiu à Partição da Palestina em 1948.

A grande maioria dos imigrantes palestinos em El Salvador provinha de Belém e de lugares vizinhos, sendo muitos cristãos ortodoxos daquela região. Tanto que, de acordo com a autora,  o fato de Jesus e o cristianismo terem se originado na região que hoje constitui o estado da Palestina  é uma fonte de orgulho para a comunidade salvadorenha de origem palestina.

Na América Central, Honduras e El Salvador foram os principais receptores de imigrantes da Síria, do Líbano e da Palestina, mesmo que inicialmente essas pessoas estivessem ali de passagem para outros países ou pensando em voltar para a terra natal.

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Especificamente em El Salvador, os imigrantes da Palestina se tornaram o grupo majoritário. Encontraram no país características da cultura e das tradições árabes, deixadas pela Espanha, que por sua vez teve uma presença árabe prolongada entre os séculos VIII e XV.  A autora cita  como exemplos a arquitetura de influência mudéjar em várias  igrejas coloniais, danças mouriscas e cristãs, palavras como açúcar, arroz, assassino e alimentos como açafrão e gengibre.

Muitos palestinos chegavam à América Central com passaportes otomanos emitidos pela Turquia, e o fato de serem chamados de  turcos se repete em El Salvador. O livro busca registros em outros autores e constata que, juntando os palestinos que chegavam com outras nacionalidades no passaporte – alguns da América do Sul onde chegaram antes e se nacionalizaram – e outros registrados diretamente como palestinos, havia 1,051 palestinos  em Salvador em 1933, um número que baixou  para 658 palestinos em 1944.

Ou seja, na década de 30 houve um descenso abrupto do influxo de árabes e palestinos no país. E Melissa Montoya observa que isso provavelmente se deveu a uma Lei de Migração, promulgada em 1933, que proibiu a entrada de mais árabes no país.

Os árabes exerceram influência econômica e cultural desde o início, com suas lutas por sobrevivência no comércio ambulante ou nas zonas cafeeiras. Varios autores citados por Melissa Montoya afirmam que, “que, ao contrário da imagem tradicional de vendedores ambulantes pobres e analfabetos comumente atribuída a esses primeiros imigrantes, eles acreditam que a maioria vinha de famílias urbanas, embora algumas possuíssem terras agrícolas, cuja principal atividade econômica era o comércio. Além disso, desde que as escolas missionárias europeias foram estabelecidas, o nível educacional dos cristãos da região aumentou. E também, devido à existência de locais sagrados de diferentes religiões na Palestina, a região era visitada por turistas e peregrinos, o que fez com que os vendedores árabes aprendessem idiomas estrangeiros”.

O terceiro capítulo aborda a questão da xenofobia e da discriminação contra as primeiras gerações de imigrantes e seus descendentes. Não é preciso buscar muito as origens desses fenômenos  quando se observa o que dizia a Lei de Imigração aprovada em 21 de junho de 1933.

A nova lei proibia a entrada no país de pessoas com diversas características, como “ portadores de certas doenças contagiosas; vagabundos, ladrões, prostitutas; pessoas com ‘defeitos físicos ou mentais’ que as tornassem incapazes de trabalhar; criminosos condenados em países estrangeiros; anarquistas, terroristas e todos aqueles que “propagam doutrinas contrárias à família, à propriedade privada ou ao regime social e econômico estabelecido em El Salvador”; também incluia determinados grupos étnicos: os de origem chinesa ou mongol, os negrosmalaios, ciganos, bem como “novos imigrantes da Arábia, do Líbano, da Síria, da Palestina ou da Turquia, geralmente conhecidos como  turcos” .

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Em julho de 1941, a Assembleia Nacional ainda piorou as coisas, com o “objetivo de eliminar, na medida do possível, a concorrência nociva que numerosos indivíduos de raças sem afinidade com nosso agregado social”, proibindo a instalação de estabelecimentos comerciais ou industriais, bem como a abertura de filiais e agências que fossem

gerenciadas por árabes, palestinos, turcos, chineses, libaneses, sírios, egípcios e libaneses,

sírios, egípcios, persas, hindus e armênios, independentemente de sua nacionalidade.

Essas leis xenofóbicas só foram derrubadas em 1958.

A autora assinala que, assim como turco e palestino eram usados indistintamente no início do século XX, após os ataques de 11 de setembro, o mesmo ocorreu comos termos árabe e muçulmans” e “muitas opiniões negativas foram publicadas na imprensa internacional contra contra muçulmanos, árabes, fundamentalistas e qualquer coisa relacionada ao Islã”.

Apesar das adversidades, o  quarto capítulo trata do sucesso econômico alcançado pela comunidade palestina e sua inserção na elite nacional.  A autora observa que,  em quase todos os livros que tratam da economia ou da oligarquia salvadorenha, aparecem os sobrenomes das famílias de origem palestina mais bem-sucedidas economicamente no país. São empresas nos setores de manufatura, comercial e banqueiro.

A integração social e política é tratada no quinto capítulo, onde um evento importante chama a atenção: na eleição presidencial de 2004, ambos os candidatos Elías Antonio Saca, do partido de direita Alianza Republicana Nacionalista (ARENA), e Schafik Handal, do partido de esquerda Frente Farabundo Martí para la Liberación Na

cional (FMLN) eram de origem palestina. No final, Saca venceu as eleições, tornando-se o primeiro descendente de imigrantes palestinos a se tornar presidente em El Salvador.

Ele retirou a embaixada salvadorenha de  Jerusalém (onde ex-presidente Álvaro Magaña a havia instalado em 1948) e a transferiu a Tel Aviv. Também visitou a cidade de Belém, de onde tantos antepassados emigraram. Quinze anos depois, foi a vez de Bukele  – de quem a comunidade palestina em El Salvador disse esperar apenas que respeite as leis internacionais. Nesse ponto, a autora termina sua investigação.

 

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