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Apoio dos EUA a Israel mira gás natural de Gaza, alertam analistas

Bombardeios israelenses a áreas residenciais de Khan Yunis, no sul de Gaza, 17 de janeiro de 2024 [Jehad Alshrafi/Agência Anadolu]

O apoio dos Estados Unidos aos cem dias de ofensiva israelense a Gaza vai além da manutenção de seu aliado histórico no Oriente Médio, buscando domínio sobre os recursos naturais do povo palestino e uma alternativa comercial ao megaprojeto chinês da Nova Rota da Seda, explicaram analistas à rede de notícias Sputnik Brasil.

Segundo os observadores, no entanto, há possibilidade de aumento nos preços dos insumos de petróleo e gás natural caso a situação continue a se agravar.

Apesar da veemente pressão interna, em pleno ano eleitoral, o presidente americano Joe Biden mantém seu apoio às violações de Tel Aviv, incluindo ao contornar o parlamento para abastecer o arsenal ocupante e vetar sucessivas resoluções por cessar-fogo no Conselho de Segurança das Nações Unidas.

Segundo Filipe Ribeiro, criador do canal Geopolítica em Português, as ações israelenses em Gaza não se limitam ao gás natural. “Relatórios das Nações Unidas explicam que alguns dos objetivos de Israel são [também] controlar a água, as terras produtivas, e, de fato, o gás natural na região […] estimado em vários trilhões de pés cúbicos, não só na zona marítima, mas também na zona terrestre”.

Para Ribeiro, o chamado “Ocidente coletivo” — incluindo a Europa — parece ter uma estratégia calcada em dois objetivos: o controle dos hidrocarbonetos no Oriente Médio e o afastamento de Rússia e Irã em relação às economias europeias, sobretudo no setor energético.

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Conforme sua análise, no entanto, o plano demandou manobra: “Quanto ao primeiro objetivo, na minha opinião, a estratégia do Ocidente foi de arredondamento, porque na sua fase normal de implementação, necessitava […] remover e substituir Bashar al-Assad [na Síria], controlar o Líbano, manter a Arábia Saudita sob influência e derrubar economicamente o Irã”.

Em Gaza, dois grandes campos de gás natural ganham destaque: Tamar e Leviatã, com cerca de 200 trilhões de metros cúbicos em reservas, descobertos em 2009 e 2010 e já explorados pela empresa norte-americana Chevron. Há ainda interesses da corporação italiana ENI e da gigante britânica British Petroleum, diante do potencial de novas reservas.

Para Ribeiro, a presença europeia deve se evidenciar uma vez que a reocupação de Gaza por Tel Aviv se consolide. “Se for preciso, dinheiro da União Europeia será utilizado para a reconstrução […] Em última análise, os principais valores para reconstrução de Gaza serão norte-americanos”, incluindo “valores ainda mais avultados” destinados a Israel, conforme os “objetivos propostos”.

“O objetivo em Gaza é ser um ponto de ligação de energia à Europa […] Aquilo que eles querem fazer são grandes terminais de energia, criar gasodutos para interligar o Chipre, a Grécia, a Itália, e construir um grande hub energético, como alternativa à Rússia, agora desligada da Europa”.

Ribeiro enfatiza a “necessidade urgente” de uma nova fonte energética ao continente europeu, voltando-se a Israel como “representação do Ocidente no Oriente Médio”.

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“Israel é o último projeto colonial europeu naquela região. É uma questão de poder, de manter ligações com o grande ponto geográfico de energia global. Não interessam os direitos humanos, [estes] não falam acima dos interesses econômicos e financeiros”, concluiu o analista.

Transbordamento do conflito

Para Luiza Guitarrari, pesquisadora do Centro de Estudos de Energia da Fundação Getulio Vargas (FGV), caso a crise no Oriente Médio continue a se agravar, não apenas em Gaza, mas também no Iêmen, pode haver uma desestabilização dos preços de gás natural, estacionados ao alcançar um pico em 2022.

Guitarrari dá destaque às ações houthis no Mar Vermelho, que instituíram um embargo de facto a remessas comerciais ligadas a Israel, em solidariedade a Gaza. A analista confirma os danos ao fluxo comercial global.

“O que é a grande preocupação de nós, analistas de energia, mas também de pessoas envolvidas no comércio marítimo e em logística, é esse conflito escalonar e acabar criando gargalos para o trânsito desses navios-tanque e também navios de gás, como o GNL [o gás de cozinha]”, alertou Guitarrari. “Pode ser, sim, um motivo de elevação dos preços nos próximos meses.”

A pesquisadora aponta a fragilidade da situação no Iêmen e a ascensão geopolítica do Irã, que apoia o governo houthi estabelecido em Sanaa.

“Tem alguns dados que comprovam que os houthis são apoiados em termos de tecnologia, de aparatos digitais, como os próprios drones, e economicamente pelo Irã. Então, se a comunidade internacional entender que o Irã esteja tendo uma atuação um pouco mais proeminente, mais direta nesse conflito, a gente pode ver também uma entrada do Irã [na guerra], que é um ator muito importante para a economia global e também para o setor de óleo e gás.”

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Guitarrari deu ênfase à “produção pujante” de gás natural iraniano, com 260 bilhões de metros cúbicos, ao alertar: “Um transbordamento do conflito seria extremamente preocupante […] não somente para os países na região, mas ao mundo inteiro, dado que o Oriente Médio concentra hoje 40% das reservas mundiais de gás e 48% de petróleo”.

Em retaliação às ações iemenitas, Estados Unidos e Grã-Bretanha conduziram ataques aéreos a Sanaa. Para Guitarrari a escala da operação — 18 drones e dois mísseis cruzeiros — confirma a preocupação dos analistas frente ao comércio internacional de insumos variados.

Guitarrari observou que a possibilidade de o conflito escalar se tornaria maior se Arábia Saudita e Irã se envolvessem diretamente no conflito. Para a pesquisadora, o cenário, porém, vai contra interesses da Europa, Estados Unidos e Israel.

Sobre os objetivos de expropriação de recursos, Guitarrari reconheceu que, ainda em outubro, o Ministério de Energia de Israel concedeu 12 licenças de exploração a empresas estrangeiras no Mediterrâneo, sobretudo a oeste de Leviatã, situado no norte de Gaza.

“Leviatã é um campo já explorado há muitos anos por Israel, com reservas acima de 600 bilhões de metros cúbicos […] Além desse campo, Israel pretende seguir explorando Tamar e Karish. A produção [contudo] pode não ocorrer nesse transbordamento do conflito, dada a insegurança dos trabalhadores e dos operadores que ficam na região.”

Sobre a atuação do Brasil na conjuntura atual, Guitarrari aponta que o papel do país, em termos históricos, é o de buscar moderação e diplomacia.

“O Brasil sempre buscou trazer as partes em conflito para a mesa de negociações. Não à toa o Brasil sempre é convidado como observador do Conselho de Segurança da ONU e outros órgãos associados”, comentou Guitarrari.

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Entretanto, segundo sua análise, a atuação nem sempre têm êxito, em particular, em momentos de crise extrema. “[Vemos] uma perda da credibilidade nas instituições, como o próprio direito internacional, então urge aos Estados que cooperem e atuem, com um caráter cada vez mais diplomático, para enfim chegar às vias pacíficas de fato.”

O governo brasileiro de Luiz Inácio Lula da Silva chegou a reconhecer que a situação em Gaza é “genocídio”, assim como ao apoiar a queixa sul-africana neste sentido no Tribunal Internacional de Justiça (TIJ). Todavia, mantém-se hesitante sobre ações diretas, como suspensão de acordos comerciais e militares com a ocupação israelense.

Israel lançou seus bombardeios indiscriminados a Gaza em 7 de outubro, em retaliação a uma operação transfronteiriça do grupo Hamas, que capturou colonos e soldados. No enclave, são 24.620 mortos e 61.830 feridos — 70% dos quais mulheres e crianças.

Cerca de 85% da população — mais de dois milhões de pessoas — foi expulsa de suas casas, sob um cerco absoluto, sem comida, água ou medicamentos. Ao promover suas ações, o ministro da Defesa de Israel, Yoav Gallant, descreveu os palestinos de Gaza como “animais”.

Cerca de 60% da infraestrutura de Gaza foi destruída, segundo dados das Nações Unidas.

As ações israelenses são punição coletiva, crime de guerra e genocídio.

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