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Século autoritário: Presságios de um futuro pós-liberal

Autor do livro(s) :Azeem Ibrahim
Data de publicação :Dezembro de 2022
Editora :Hurst
Número de páginas do Livro :336 páginas
ISBN-13 :9781787388000

Pode a ocaso do liberalismo ser também o fim dos Estados multiétnicos, desde a Indonésia aos Estados Unidos? Azeem Ibrahim parece considerar provável e busca, portanto, embasar sua tese de que um mundo pós-liberal não é apenas autoritário como perigoso à harmonia de diversos países em todo o globo. Argumenta Ibrahim: “O âmago ideológico do liberalismo é que todos os seres humanos são inerentemente iguais em termos de valor moral e que, deste modo, todos devem ter consagrada sua dignidade da mesma forma, assim como ter a liberdade para buscar seus bem-estar e interesses próprios – ao menos ao ponto de que não interfira na capacidade de terceiros de fazê-lo”.

Esta é basicamente a essência do liberalismo segundo o livro Authoritarian Century: Omens of a Post-Liberal Future – ou, em tradução livre, Século autoritário: Presságios de um futuro pós-liberal. No entanto, o sonho liberal por um mundo melhor parece se esfacelar há alguns anos e o que surge em seu lugar é uma espécie de “supremacismo reacionário, nativista e sectário mediante ações de fundamentalistas religiosos e nacionalistas étnicos”. Esses novos regimes impuseram catástrofes de direitos humanos em todo o planeta, reafirma Ibrahim, incluindo o genocídio em Myanmar contra o povo rohingya e o genocídio perpetrado pela China contra os uigures, entre outros.

Muitos países vivem este processo de transição autoritária pós-liberal. No Ocidente, parece que ainda estamos no início do processo – uma tragédia iminente a menos que ações sejam tomadas, alerta a obra. Segundo a hipótese de Ibrahim, o Reino Unido será fragmentado em pequenas nações e os Estados Unidos se desintegrarão, dado que ambos carecem de outra base ideológica organizacional.

Ibrahim pinta um retrato catastrofista. O leitor é convencido a pensar sobre por qual razão o pós-liberalismo parece incapaz de criar qualquer opção senão um populismo bruto, étnico e autoritário.

O livro aborda unicamente o presente e o futuro próximo e carece de explicações sobre o que pode ocorrer a longo prazo – o que me faz indagar: esta onda de populismo é somente um estágio precoce e ineficaz do pós-liberalismo até que novas ideias surjam? Ou veio para ficar? O itinerário do texto parece sugerir que não vale a pena responder a essa pergunta, à medida que o caminho até a próxima etapa da história humana será marcada por mortes e devastação. Além disso, é improvável que o que quer que venha a seguir nos dê liberdade, prosperidade e estabilidade – como promete o liberalismo. Penso que as ideias são válidas. Para encontrarmos uma ordem mundial pós-liberal que funcione temos mesmo que perder milhões de vida no meio do percurso? Imagino que uma pessoa razoável diria não.

O que Ibrahim não faz é ignorar as razões intrínsecas pelas quais muitas pessoas perderam o encanto com a ordem liberal. Desigualdade social, o colapso financeiro de 2008, a invasão ao Iraque de 2003 e outras questões produziram um compreensível ceticismo em relação ao liberalismo. Como observa Ibrahim, tamanho ceticismo não está confinado ao público, mas afeta também lideranças nas instituições de Estado que perderam confiança e esperança nas teses liberais. O fracasso dos Estados Unidos de instaurar limites na Síria e a insistência de políticos ocidentais em ecoar propaganda do Kremlin sobre a guerra são apenas alguns dos exemplos de como a elite governante perdeu a fé em seu credo oficial.

Ibrahim vê incidentes como a invasão ao Iraque menos como consequência da adesão global ao liberalismo do que como efeito da arrogância que tomou conta do mundo no pós-Guerra Fria, no período que sucedeu imediatamente a queda da União Soviética. Todos queriam ser livres, todos queriam o capitalismo e, a partir disso, toda democracia liberal poderia fluir. No entanto, ninguém nos círculos políticos ocidentais queria ponderar seriamente sobre o que estava acontecendo nos antigos países do bloco oriental. Caso tivessem feito, poderiam ver os primeiros sinais do problema. Tudo isso criou uma atmosfera de prepotência e, assim que a ocupação do Iraque começou a ruir, junto da economia, não apenas as bolhas de confiança estouraram como toda a crença no liberalismo. De fato, Ibrahim defende o liberalismo como a melhor opção em mãos; contudo, sem ignorar as falhas do passado, ao adotar como parte da missão de sua obra a busca pelos remédios adequados a tais problemas.

“Partidos populistas se tornaram um fator cada vez mais proeminente na política doméstica de muitas nações democráticas … O que parece os unir atualmente é sua forma de apelar ao eleitorado sob a alegação de canalizar a ‘vontade do povo’ em oposição ao ‘establishment político’, além de sua característica atitude hostil em relação a instituições e governantes das democracias liberais”. O problema é que toda essa retórica levará as sociedades a cada vez mais conflitos, em vez de um horizonte de paz, como enfatiza o livro.

Authoritarian Century, de Azeem Ibrahim, proporciona uma leitura introdutória – contudo, abrangente – a um mundo neo-autoritário, pós-liberal e populista. Para o leitor casual, há abundantes nutrientes para uma dura reflexão; para aqueles mais experientes na literatura das ciências políticas, oferece não apenas as eventuais soluções aos problemas correntes, como demonstra maneiras de destilar e elucidar ideias e eventos complexos em termos mais claros e concisos. A forma como comunicamos as ideias é um tema fundamental explorado pelo livro, como explora em detalhes o capítulo sobre teorias da conspiração. Authoritarian Century é um excelente alicerce ao debate sobre o novo mundo – de fato, há muito o que pensar.

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