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Após ‘reeleição’ de Sisi, seis duros anos aguardam os cidadãos do Egito

Painel confirma a vitória do presidente do Egito, Abdel Fattah el-Sisi, a um terceiro mandato, em eleições denunciadas por fraude, durante coletiva de imprensa no Cairo, em 18 de dezembro de 2023 [Islam Safwat/Bloomberg via Getty Images]

Com o anúncio de que o presidente e general egípcio, Abdel Fattah el-Sisi, consolidou seu terceiro mandato no poder, previsto para terminar apenas em 2030, seus cidadãos questionam quais desafios trarão os próximos seis anos, somando-se às inúmeras crises já presentes.

Cortes de energia, que recomeçaram logo após os três dias de pleito, parecem um mau presságio.

Críticos alertam que, para evitar a erupção de uma indignação popular tão reprimida, o Egito demanda urgentemente de avanços. Entre os quais, estão: a libertação dos prisioneiros políticos, fim da prisão sem julgamento, revogação da censura e proibição de jornais e blogs, contenção da influência das Forças Armadas na política e na economia e verdadeira independência do congresso legislativo e da justiça.

Desde que Sisi assumiu o poder em meados de 2014, após a derrubada do falecido presidente Mohamed Morsi em um golpe militar no ano anterior, os egípcios enfrentam tempos difíceis e uma repressão sem precedentes.

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Dívida externa

Sisi começa o terceiro mandato com uma enorme dívida pública que muito dificilmente será quitada. Um total de quase US$42.3 bilhões vence em 2024, incluindo US$4.89 bilhões devidos ao Fundo Monetário Internacional (FMI).

A dívida externa do Egito decolou de US$41.7 bilhões no início do primeiro mandato de Sisi, em 2014, a US$96.6 bilhões no início de seu segundo mandato, quatro anos depois, alcançando US$165 bilhões agora, no terceiro mandato estendido por dois anos — batendo todos os recordes na história do país.

No próximo ano, o Egito deve pagar aproximadamente US$32.8 bilhões em dívidas de médio e longo prazo e cerca de US$9.5 bilhões a curto prazo, incluindo juros e correções monetárias. Segundo dados do próprio Banco Central, em 2025, espera-se o pagamento de US$19.4 bilhões até então e US$22.8 bilhões no ano seguinte.

O total da dívida externa egípcia supera US$165 bilhões por conta do empréstimo excessivo do governo de instituições internacionais e regionais — sobretudo do Golfo —, que colocaram o país entre os cinco maiores devedores estatais com risco de inadimplência, de acordo com análises da agência de crédito Moody’s.

Com os esforços inevitáveis de Sisi para pedir mais e mais empréstimos de entidades como o Fundo Monetário Árabe, o Banco de Desenvolvimento da China e o Banco de Desenvolvimento da África, além de buscar aumentar o valor deferido pelo FMI a US$10 bilhões, espera-se que dívida se aproxime de US$180 bilhões no futuro próximo.

O pesquisador egípcio Mohamed Anan reafirma que essa gigantesca dívida externa se refletirá naturalmente nas condições de vida da população, à medida que a maior parte da receita nacional e do orçamento público será direcionada primariamente a pagar os empréstimos do governo militar e seus juros acachapantes, de modo que é impossível que resultados positivos cheguem ao público.

Diante dessa conta exorbitante, espera-se que o ritmo da privatização de 35 empresas estatais se acelere nos próximos meses e que novos serviços públicos se somem ao catálogo, abrindo as portas para a saída lucrativa do exército das atividades econômicas — uma demanda do Fundo Monetário Internacional e das economias do Golfo para aprovar novos empréstimos ainda maiores.

Flutuação cambial

Os egípcios preveem uma dolorosa flutuação da moeda logo no primeiro trimestre de 2024, batendo recordes de 40 a 45 libras para cada dólar, segundo previsões recentes de instituições financeiras e bancos internacionais. É provável que a taxa de câmbio no mercado clandestino saía do controle, chegando a talvez 50 ou 60 libras por dólar.

Devido à grave escassez de reservas estrangeiras no país, a libra foi desvalorizada ao menos três vezes pelo governo apenas no período de março de 2022 a janeiro de 2023. A expectativa de novos ciclos de desvalorização — e subsequente colapso do poder de compra — deve acelerar ainda mais a carestia de diversos setores, com impacto ímpar nas comunidades mais pobres e na classe média.

Parece que o governo egípcio se prepara para isso. Sisi ordenou a imposição de taxas adicionais de telecomunicações, correios, transporte e mesmo ingressos de cinema e outras redes de entretenimento. O prazo da carestia, a princípio, é de um mês a partir de dezembro, conforme a Resolução 280 publicada no Diário Oficial.

No entanto, sua renovação é iminente. Segundo a imprensa, taxas de luz devem subir 30% em janeiro, assim como o preço dos combustíveis, ampliando o fardo a toda a cadeia econômica no Egito, sobre uma população que já sofre de salários baixos e altíssimos índices de pobreza, inflação e desemprego.

Austeridade

Com a desaceleração do setor de turismo e a queda na renda do Canal de Suez devido à agressão israelense a Gaza, além de uma queda vertiginosa de 30.8% nos envios da diáspora egípcia nos últimos dois anos, de US$31.9 a US$22.1 bilhões, segundo estimativas do governo, parece que o Egito caminha a um programa ainda mais severo de austeridade, do qual a população comum será a maior vítima.

Mamdouh el-Wali, economista e ex-presidente do Sindicato dos Jornalistas do Egito, é pessimista sobre a melhora das condições econômicas para o próximo biênio, particularmente pelos recordes da dívida externa, de modo que juros e outras correções de médio e longo prazo, em até US$52 bilhões, e curto prazo, em até US$29 bilhões. Empréstimos a curto prazo costumam ser prorrogados, mas o governo ainda tem de pagar os juros sobre eles, que chegam a aproximadamente US$1 bilhão por ano.

El-Wali crê que o Egito está prestes a se afogar em ainda mais dívida e inflação, enquanto ministros, bancos e empresas continuam a pedir empréstimos à luz do aumento nas importações. Além disso, projetos sem prioridade social continuam a avançar, incluindo a ostensiva Nova Capital Administrativa, a leste do Cairo, a cidade de Nova Alamein, no noroeste do país, e um extenso projeto de monotrilho, exaurindo as reservas estrangeiras e exacerbando o déficit de dólar no sistema bancário a US$27.2 bilhões em outubro.

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Impasse político

Além da complexa situação econômica, os egípcios enfrentam um impasse político, com maior repressão policial, influência do establishment militar, prisão de milhares de opositores, proibição de centenas de jornais e websites, perseguição de ativistas de direitos humanos e repressão severa a diversos setores da sociedade civil.

Observadores estão receosos sobre a abordagem de Sisi, que se opõe a qualquer atividade política pacífica em detrimento da pluralidade de vozes. Sisi encarcerou seu oponente liberal, Hisham Kassem, e encaminhou o ex-deputado, Ahmed al-Tantawi, a julgamento, após indeferir as assinaturas necessárias para sua candidatura à presidência.

Preocupações se reforçam por diversos fatores, como o fim do processo de Diálogo Nacional, após um ano e meio, sem resultados, além da prisão de ativistas que protestam contra a guerra em Gaza e eleições presidenciais conduzidas sob comparecimento compulsório de funcionários públicos e compra de votos, segundo denúncias de entidades relevantes de direitos humanos.

Em entrevista ao MEMO, Anan confirma que as violações vivenciadas no processo eleitoral e o resultado duvidoso aprofundam os níveis de frustração, falta de horizonte político, dominância de uma única voz e resistência a qualquer ação que pode movimentar águas tão estagnadas no cenário egípcio. Contudo, a frágil situação econômica pode forçar autoridades a mostrar alguma flexibilidade política, para prover certo sentimento de alívio — embora seja uma possibilidade bastante fraca, dados os últimos dez anos.

Diante de tamanho impasse político e crise econômica, a alternativa, segundo Anan, será mudar o foco aos desafios externos, à medida que a atmosfera esquenta através das fronteiras — seja com Gaza, Líbia ou Sudão. São desafios que podem distrair o público dos desafios internos, uma estratégia na qual o governo é eficaz e que as agências colaboracionistas de mídia sabem muito bem como explorar. Quem sabe depois, haverá uma nova emenda constitucional que permita a Sisi concorrer a um quarto mandato, sob o pretexto de enfrentar desafios regionais que demandam suposta estabilidade, sem expor o país a abalos sísmicos que possam tirá-los dos trilhos.

Sisi conseguiu aprovar sua emenda constitucional em abril de 2019, para chegar a um terceiro mandato de seis anos. O futuro, no entanto, parece incerto.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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