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Eleições livres e justas não são parte do processo político no Egito

Hazem Omar, candidato à presidência do Egito pelo Partido Republicano Popular, no Cairo, em 17 de novembro de 2023 [Islam Safwat/Bloomberg via Getty Images]

À medida que se aproximam as eleições presidenciais no Egito, agendadas para começar na próxima sexta-feira, o resultado parece estar preestabelecido, soterrado por evidências contrárias à integridade do processo eleitoral. O regime vê o pleito como uma oportunidade para confirmar sua legitimidade e assegurar um terceiro mandato para o presidente e general Abdel Fattah el-Sisi, ao menos até o ano de 2030. A votação está prevista para os dias 1, 2 e 3 de dezembro a cidadãos no exterior, e 10, 11 e 12 de dezembro àqueles radicados no país.

A obsessão pela legitimidade tem assombrado Sisi desde que assumiu o poder em 3 de julho de 2013, por meio de um golpe militar, após destituir o presidente Mohamed Morsi, enquanto servia como ministro da Defesa ao primeiro governante democraticamente eleito na história do Egito.

Apesar do sentimento generalizado de que a corrida presidencial já foi decidida a favor de Sisi, há uma preocupação entre seus aliados no governo sobre a participação consideravelmente baixa e a relutância do público em registrar seu voto. Uma fonte do governo, em condição de anonimato, confirmou reuniões diárias com funcionários públicos para incentivá-los a comparecer às urnas, sem citar um candidato específico.

Conforme o relato, a agência de inteligência doméstica lidera os esforços para manipular o processo eleitoral, em cooperação com quadros dos partidos Futuro da Nação, Hamat al-Watan e Movimento Nacional Egípcio — conhecidos por seus laços estreitos com fundos soberanos e comandados por ex-generais. O plano de mobilização, segundo a fonte, busca pressionar funcionários públicos e suas famílias a participar da votação, e recorrer à influência de deputados e senadores, além de pessoas ricas e influentes, para trocar votos por cestas básicas.

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Agentes de ensino e diretores das escolas coletam assinaturas de professores para que declarem comparecimento aos comícios de Sisi, sob alertas de consequências institucionais, entre outras, caso se recusem. Donos de empresas, lojas e restaurantes são obrigados a exibir cartazes eleitorais de Sisi e a doar a sua campanha. Temem que, caso não o façam, sejam assediados pelas forças de segurança, ou que “violações” sejam subitamente encontradas por órgãos de saneamento e tributação.

A Igreja Ortodoxa no Egito também desempenha um papel crucial no processo de mobilização eleitoreira, ao orientar o bloco copta — dentre as primeiras congregações cristãs, cerca de 10% da população do Egito — a votar em Sisi, ao promover o sectarismo e alegar que o general os salvou da Irmandade Muçulmana. Segundo websites de organizações coptas, Sisi é creditado por regulamentar 2.973 igrejas e prédios afiliados à congregação.

A Autoridade Nacional Eleitoral divulgou nas redes sociais e emissoras de televisão um apelo ao público para aderir ao slogan “Para o amanhã, cumpra seu dever, venha e vote”. A ministra de Imigração e Assuntos na Diáspora, Soha Gendi, realizou uma turnê por países do Golfo e da Europa para motivar os 14 milhões de egípcios que vivem no exterior a ir às urnas. A Câmara de Fatwas do Egito seguiu o exemplo e emitiu um decreto religioso que, segundo a oposição, tem fins políticos. O decreto descreve a participação nas eleições como dever religioso e nacional, de modo que os eleitores se coloquem como testemunhas da história diante de Deus.

Os responsáveis pela campanha midiática tentam estabelecer o ímpeto em torno da corrida presidencial. O entusiasmo diminuiu a olho nu, por várias razões — em particular, a mudança de foco da população para o genocídio israelense em Gaza; a ausência de forças de oposição na arena política; e esforços para impedir efetivamente que o candidato da oposição, Ahmed al-Tantawi, obtivesse assinaturas para concorrer à presidência.

O analista político Hamdi al-Masry reconhece que há pessoas no Egito que veem a candidatura de al-Tantawi como pressão de agentes externos e que o ambiente político no país ainda não permite eleições verdadeiramente competitivas. Al-Masry alega que as próximas eleições poderão responder a demandas ocidentais, mas que é preciso consolidar, no momento, a legitimidade do presidente. Sua análise admite que a eleição certamente não atenderá às aspirações populares, cujo trauma e as crises socioeconômicas somente se agravaram sob o regime de Sisi.

A ausência de qualquer competitividade no processo eleitoral é evidente pelo fato de que os três candidatos além de Sisi — Abdel-Sanad Yamama, Farid Zahran e Hazem Omar — pertencem a partidos colaboracionistas do governo. De fato, Omar foi nomeado ao Senado pelo próprio presidente em 2020.

Amr Moussa, ex-secretário-geral da Liga Árabe e ex-ministro de Relações Exteriores do Egito, Amr Moussa, criticou o que descreveu como “espetáculo político”, após o anúncio da candidatura de Yamama à presidência, meses depois de anunciar apoio a Sisi. Em junho, declarou o líder do Partido Liberal (Wafd): “Estamos todos com o presidente Sisi … um herói nacional que salvou a nação do desconhecido”.

Zahran insiste que não é parte do teatro político, apesar de ter recebido endosso de 30 membros do parlamento — dominado por uma maioria pró-regime. Seu partido tem apenas sete assentos, o que incita questões sobre como angariou apoio. Zahra é acusado de alimentar a divisão nas fileiras do bloco oposicionista conhecido como Movimento Civil, em troca de promessas de maior presença de seu partido no parlamento.

Outro fator que enfraquece a legitimidade do processo eleitoral à presidência do Egito é o fato de que nove partidos no Movimento Civil decidiram boicotar o pleito devido a reiteradas violações logo na fase de coleta de apoio.

A Anistia Internacional observou que o regime egípcio essencialmente impediu que candidatos de oposição concorram às eleições. O relatório da organização foi emitido ainda no contexto do julgamento e prescrição da candidatura de al-Tantawi, à medida que “autoridades intensificam a repressão”.

A queda esperada na participação eleitoral não resulta apenas dos apelos por boicote, mas também da frustração popular. Os cidadãos egípcios sentem que o resultado já está determinado e que votar é somente uma perda de tempo. O Estado quer mostrar ao mundo que está realizando uma eleição, mas sem impacto real na legitimidade de Sisi, que determinou uma série de emendas constitucionais para permitir que permanecesse no poder por terceiro mandato.

Sisi tem a vitória garantida, mas segundo o pesquisador Mohamed Anan, a eleição deve ter a menor participação de todos os tempos. A ausência de debates eleitorais na televisão tampouco parece ajudar, assim como a falta de informações sobre os candidatos — por mais falsas que sejam. Para Anan, o processo não passa de um referendo simbólico sobre o presidente, ao lhe dar um verniz político para projetar “legitimidade”. Padrões internacionais para eleições livres e justas certamente não fazem parte do processo.

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As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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