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Israel já perdeu a batalha na Faixa de Gaza

Ato em Nova York defende apoio às resistência palestina, nos Estados Unidos, em 18 de dezembro de 2023 [Selçuk Acar/Agência Anadolu]

O ex-secretário de Estado e Conselheiro de Segurança Nacional dos Estados Unidos, Henry Kissinger, morto recentemente aos 100 anos, disse numa entrevista sobre a derrota americana no Vietnã, no ano de 1969, que, enquanto o lado ocupante travava uma guerra militar, os vietnamitas lutavam uma guerra política. O criminoso de guerra repetia sempre que, “enquanto o exército estadunidense buscava o desgaste físico do inimigo, os adversários visavam a nossa exaustão psicológica”. E concluiu afirmando que os Estados Unidos perderam de vista uma das máximas fundamentais da guerra de guerrilha: O guerrilheiro ganha se não perder. O exército convencional perde se não ganhar.

Após mais de 70 dias de confrontos entre a resistência palestina e as forças armadas israelenses, esse ponto de vista de alguém com experiência em tantas guerras de ocupação e rapina se encaixa perfeitamente na realidade dos combates na Faixa de Gaza e na derrota das tropas da ocupação.

O primeiro-ministro sionista e criminoso de guerra, Benjamin Netanyahu, declarou que Israel usaria toda sua força militar e logo destruiria o Hamas. A guerra genocida de Israel contra o povo palestino em Gaza, utilizando todos os tipos de armas, munições e bombas internacionalmente proibidas e bombardeando indiscriminadamente escolas e hospitais protegidos pelo direito humanitário internacional, Israel não conseguiu nem será capaz de alcançar nenhum dos seus objetivos agressivos, sobretudo aniquilar a resistência palestina.

Tudo isto e muito mais acontece com o apoio dos Estados Unidos, do Reino Unido e de alguns países europeus, diante dos olhos e da incapacidade da comunidade internacional e da Organização das Nações Unidas (ONU), que não movem nenhum esforço para impedir a agressão, devido a intransigência e arrogância de Washington no uso descarado de seu poder de veto no Conselho de Segurança.

A resistência palestina continua de pé, atingindo duramente e infligindo perdas significativas ao inimigo sionista, seja nos veículos e tropas israelenses. As Brigadas Al-Qassam (Hamas) e as Brigadas Al-Quds (Jihad Islâmica) são forças bem treinadas para atuarem nas condições de Gaza, um tipo de terreno no qual o apoio aéreo e a artilharia israelenses perdem sua eficácia, porque não são capazes de atacar sem ao mesmo tempo pôr em perigo os seus próprios soldados.

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Quando Kissinger se referia aos enfrentamentos no Vietnã, repetia a frase que mencionei acima: enquanto os Estados Unidos lutavam uma guerra armada, os vietnamitas lutavam uma guerra política. No caso dos combatentes de Gaza, além de lutar uma guerra política, há um forte componente islâmico que muitos ocidentais não sabem que existe ou não levam em consideração: o martírio.

O martírio é um conceito importante do Islã, e diz respeito não apenas ao sacrifício e à entrega da própria vida em benefício do coletivo e da Ummah (nação islâmica). Segundo o Islã, são mártires (Shahid, em árabe) aquelas pessoas que sofrem perseguição e que morrem no campo de batalha, enfrentando o inimigo por uma causa justa e legítima. No caso de Gaza, são aqueles que morrem para salvar seus irmãos do massacre israelense e libertar a Palestina da ocupação israelense.

Nesse contexto, o mártir é, antes de tudo, um Mujahideen ou fida’yyin, um guerrilheiro da resistência pela libertação palestina, um combatente muçulmano disposto ao sacrifício da própria vida por uma causa baseada na justiça e na luta contra a opressão. No Alcorão, o livro sagrado dos muçulmanos, está dito: “E não creiais que aqueles que sucumbiram pela causa de Allah [Deus] estejam mortos; ao contrário, vivem, agraciados, ao lado do seu Senhor.” (Alcorão 3:169)

Ao longo de séculos, o povo palestino deu milhares de mártires à sua causa de libertação, em enfretamentos que remontam às batalhas contra cruzados, romanos, persas, otomanos, britânicos e, nos últimos 75 anos, contra sionistas vindos da Europa para implantar um projeto colonial de supremacia judaica na Palestina histórica.

O líder histórico da Organização para Libertação da Palestina (OLP), Yasser Arafat, morto por envenenamento por polônio-210 em 11 de novembro de 2004, em Paris, se dizia um soldado palestino disposto ao martírio, que usaria sua arma para defender não apenas ele mesmo, mas também todas as crianças, mulheres e homens palestinos. Arafat costumava questionar seus companheiros: “Há alguém na Palestina que não sonhe com o martírio?”.

Outros mártires são reverenciados pelos palestinos, como o sheikh Ahmad Yassin, um dos fundadores do Movimento de Resistência Islâmica (Hamas), assassinado por um ataque seletivo do Mossad em Gaza, no dia 22 de março de 2004, quando um helicóptero disparou um míssil contra sua cadeira de rodas, enquanto se deslocava pelas ruas da cidade, vitimando também outras nove pessoas.

Os feitos da resistência palestina desde 7 de outubro vêm surpreendendo Israel e o mundo pelos avanços tecnológicos militares de suas forças. Mas acima de tudo — e mais importante —, seus combatentes mostram elevado espírito de coragem e de disposição ao martírio, o que lhes permite manter vantagem como combatentes nesta guerra, enquanto os soldados sionistas, além do medo, são moralmente incapazes de vivenciar um conflito a distância zero contra os palestinos.

Israel já perdeu a batalha na opinião pública mundial, através do evidente crescimento da impopularidade do Estado sionista em todo o planeta. As constantes baixas de Israel em todos os terrenos e a sinalização da diplomacia sionista por uma nova trégua, demonstram que o Hamas não é um inimigo derrotado, mas um adversário resiliente, que dita os termos nas negociações com aqueles que juraram sua destruição.

A única conquista que Israel pode ostentar são os crimes de guerra, o genocídio, o assassinato em massa de crianças e mulheres, a destruição de infraestrutura civil e a eliminação de todos os aspectos da vida na Faixa de Gaza sitiada. Enquanto isso, o povo palestino exibe excepcionais imagens de paciência, resiliência, patriotismo, apego à terra e apoio incondicional à sua resistência.

A Palestina será vitoriosa porque, segundo Kissinger, “O guerrilheiro ganha se não perder, e o exército convencional perde se não ganhar”.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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