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Conflito Israel-Palestina ‘não é zona sem lei’, alerta ex-relatora da ONU

Fionnuala Ni Aolain, ex-relatora especial da Organização das Nações Unidas (ONU) por direitos humanos, em Nova York, 23 de outubro de 2023 [Lev Radin/Pacific Press/LightRocket via Getty Images]

Ao expirar a pausa humanitária na Faixa de Gaza, Fionnuala Ni Aolain, ex-relatora especial da Organização das Nações Unidas (ONU), reiterou sua “grave apreensão” sobre as violações do direito internacional na agressão israelense em curso contra o povo palestino.

“Há grave apreensão sobre violações das normas de guerra e eu — como muitos outros, incluindo o secretário-geral [António Guterres] — temos sido bastante claros de que se aplica a lei internacional”, declarou Ni Aolain à agência Anadolu.

“Esta não é uma zona sem lei”, reiterou Ni Aolain, cujo mandato se encerrou no último mês. “Não importa quão grave possa ser a violência cometida por um grupo armado não-estatal, a resposta tem de ser legal”.

“É necessário um cessar-fogo”, acrescentou. “O secretário-geral já pediu por isso. Muitos outros, como o alto-comissário de Direitos Humanos, reforçaram seu apelo. Penso que já passou da hora de termos um cessar-fogo”.

Em uma declaração particularmente contundente, um grupo de experts das Nações Unidas reivindicou da comunidade internacional que “impeça o genocídio contra o povo palestino”, ao alertar contra “as violações cometidas por Israel” em retaliação aos ataques conduzidos pelo grupo Hamas em 7 de outubro, “ao ponto de indicar genocídio”.

“Estamos profundamente perturbados pelo fracasso dos governos em atender ao nosso chamado e obter um cessar-fogo imediato. Estamos profundamente preocupados com o apoio de certos governos à estratégia beligerante de Israel contra a população sitiada de Gaza, assim como o fracasso do sistema internacional em agir para impedir o genocídio”, destacou o grupo em 16 de novembro.

‘Operação genocida’

Diversos especialistas em todo o mundo emitiram alertas similares, entre eles M. Muhannad Ayyash, professor de Sociologia da Universidade Mount Royal no Canadá, que corrobora que Israel recorreu aos ataques de 7 de outubro como um pretexto para deflagrar sua “operação genocida contra a Faixa de Gaza”.

Para Ayyash, o objetivo é colonizar tanto quanto possível as terras palestinas e expulsar seu povo nativo da região. Conforme sua análise, as atrocidades hoje enfrentadas pelos civis de Gaza são intrínsecas ao projeto colonial de Israel para instaurar um “Estado exclusivamente judaico em toda a Palestina histórica, do rio ao mar”.

“É este seu objetivo declarado. Benjamin Netanyahu [primeiro-ministro de Israel] disse isso em sua campanha eleitoral. Ainda antes de 7 de outubro, Netanyahu mostrou um mapa às Nações Unidas, segundo o qual todo o território — incluindo Gaza, Cisjordânia e Jerusalém Oriental — seria chamado Israel, como parte de seu ‘novo Oriente Médio’”.

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Ayyash aponta vários sinais de que Israel age com intenção de perpetrar genocídio contra o povo palestino, desde declarações desumanizantes, à mentiras sobre baixas civis e ataques flagrantemente excessivos e violentos.

“Ao cortar água, comida, luz e combustível; ao bombardear hospitais, colégios, campos de refugiados, áreas residenciais e padarias, a ideia essencialmente é tornar Gaza um pedaço de terra inabitável”, acrescentou. “Israel agiu para que os palestinos deixassem o norte de Gaza e fugissem para o sul. Agora, há relatos de que estão instruindo as pessoas no sul de Gaza a fugir para oeste”.

Tudo isso, segundo Ayyash, demonstra dolo de exterminar a vida palestina em Gaza. “Portanto, é genocídio, é limpeza étnica. É evidente e deliberado”.

Papel do Sul Global e mundo árabe

Ayyash condenou a comunidade internacional por ser “cúmplice” das ações israelenses, ao reiterar que os governantes têm plena ciência das intenções de genocídio e limpeza étnica. “Quero destacar sobretudo a Europa Ocidental e Estados Unidos, e também outros países, como Canadá e Austrália”.

Ayyash fez um apelo aos governos do Sul Global para confrontar o eixo colonial alinhado a Israel, ao descrevê-lo como “bloco hegemônico imperial euro-americano”. Todos os países devem seguir os passos de Bolívia e África do Sul e cortar laços com o Estado de apartheid, reiterou.

Outros esforços diretos, incluindo sanções políticas e econômicas, são essenciais. “Se os líderes e as instituições internacionais se negam a agir, certamente não basta, tampouco estão do lado certo da história”.

Deste modo, trata-se de uma oportunidade ao Sul Global para consolidar sua posição na arena global, argumentou. Ayyash insistiu ainda que os países árabes deveriam estar na vanguarda dessa coalizão, conferindo credibilidade política e econômica a seus esforços. Trata-se de uma chance para que exerçam influência direta na ordem mundial”, a fim de “afastá-la da hegemonia americana, que tanta morte e destruição nos trouxe”.

“Acredito firmemente que os países do Sul Global se juntarão a essa ideia … Creio que, mesmo países europeus como Turquia e Irlanda apoiarão o projeto”.

Para Ayyash, é um momento crucial para que os países árabes “enfim se oponham ao poder imperial americano”, mesmo que se trate apenas de aproveitar uma chance estratégica. “Se não for fazê-lo pelo bem dos palestinos, ao menos façam por si mesmos, pela sua dignidade e liberdade, por sua independência do imperialismo americano”.

Ayyash reafirmou que a causa palestina por libertação é maior que a Palestina, de modo a potencialmente reformular a ordem mundial.

“A ordem imperial foi construída por meio do colonialismo de povoamento e dos projetos coloniais euro-americanos por mais de 400 anos, trazendo morte e destruição a povos de todo mundo ao longo da história”, explicou o professor.

A luta palestina dialoga com povos de todo o mundo, precisamente porque lhes dá esperança de que também se libertem do jugo imperial.

Todavia, as forças no poder estão dispostas a ceder sobre a causa palestina, à medida que “desafia sua hegemonia”, advertiu Ayyash.

Além disso, permitir a Israel que prossiga impunemente com seu genocídio na Gaza elimina o direito internacional da equação geopolítica e estabelece como norma atrocidades permitidas a alguns Estados em particular. “Um precedente muito perigoso que pode mesmo levar a uma Guerra Mundial”, concluiu seu alerta.

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As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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