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Cortem o petróleo, se realmente se importam com o povo de Gaza

Homem abraça o corpo de uma criança durante funeral de vítimas dos ataques israelenses em Deir al Balah, na Faixa de Gaza, em 22 de novembro de 2023 [Mustafa Hassona/Agência Anadolu]

Apenas aparência, nada mais. De que outro modo poderíamos descrever o que os regimes árabes fizeram até então em solidariedade ao povo palestino e ao povo de Gaza, em particular, em seu sofrimento em curso que excede em muito tudo que já recaiu sobre eles na história dos massacres sionistas? A falta de proporcionalidade entre a resposta dos regimes árabes e a escala de devastação e morte imposta por Israel — denunciada como genocídio e deslocamento à força, crimes de guerra e lesa-humanidade até difíceis de contar — é tão gritante que parece silenciar, por vezes, os gritos angustiantes que tentam nos alcançar da Faixa de Gaza.

Qual foi a reação árabe até então? Jordânia e Bahrein pediram retorno de seus embaixadores em Tel Aviv, contudo, sem suspender relações, muitos menos rompê-las. Parecem apenas desviar da culpa, enquanto Egito e Marrocos sequer fizeram isso. Emirados Árabes Unidos — mais próximo de Israel do que do Hamas, devido a seu notório ódio à Irmandade Muçulmana, da qual descende o movimento palestino — mantiveram negócios como de costume. Em último caso, o que os regimes árabes fizeram até então é muito menos do que fez a América Latina, à medida que quatro países sul-americanos removeram seus embaixadores de Israel: Bolívia, Colômbia, Chile e Honduras. O governo boliviano chegou a romper relações com o Estado ocupante.

É verdade que uma cúpula árabe-islâmica foi realizada em Riad, na Arábia Saudita, porém sem qualquer decisão prática senão enviar uma delegação às capitais dos membros permanentes do Conselho de Segurança das Nações Unidas para pedir por um cessar-fogo. Medidas como essa parecem não levar em conta a gravidade e a urgência dos acontecimentos em Gaza, dado que não haverá mais nada para Israel mirar seus foguetes caso esperem tempo demais. Qual a razão para tamanha morosidade ou, quem sabe, indiferença? Países árabes realmente não podem fazer nada diante da conjuntura, exceto alguns gestos simbólicos? Seria a posição iraniana uma confirmação disso, enquanto manifesta ameaças verbais, entretanto, sem jamais agir?

A verdade é que os Estados árabes — sobretudo países exportadores de insumos combustíveis — não são fracos no contexto atual. De fato, são muito mais fortes do que algumas décadas atrás, quando decidiram boicotar economias que apoiaram Israel durante a chamada Guerra dos Seis Dias, em outubro de 1973. Naquela ocasião, os exportadores árabes ainda dependiam da tecnologia das corporações ocidentais e mesmo da proteção de exércitos estrangeiros no contexto da Guerra Fria. Hoje, desfrutam de alto grau de independência econômica e mantêm relações amistosas e firmes com os três polos da Nova Guerra Fria: Estados Unidos, China e Rússia.

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Além disso, o mercado de combustível demonstra queda há meses e os preços parecem retornar aos índices anteriores à crise deflagrada pela invasão russa na Ucrânia em fevereiro de 2021. Até então, a Arábia Saudita parecia disposta a trabalhar os preços ao reduzir a produção conforme acordo com a Rússia, apesar de protestos veementes de Washington e de outros regimes ocidentais. A monarquia, no entanto, ainda não mostrou um ínfimo sequer dessa mesma força de vontade — muito menos indignação — para fechar as torneiras aos apoiadores do Estado sionista, apesar de sua guerra de extermínio e deslocamento contra o povo palestino, embora pudesse usufruir de apoio contundente de Moscou e Teerã e de seus respectativos establishments econômicos.

Teerã chegou a pedir por um boicote de petróleo — arma que em vez de gerar perdas, pode até mesmo gerar lucros. É verdade que trata-se de uma posição, digamos, confortável à medida que a república islâmica não exporta insumos a países ocidentais devido ao embargo que lhe é imposto. Todavia, sem qualquer resposta dos regimes árabes, o que parece implicá-los como cúmplices dos crimes de Israel, dado que o “petróleo como arma” seria absolutamente eficaz para obter um cessar-fogo.

Ao contrário, Amos Hochstein, assessor do presidente americano Joe Biden, disse ao jornal Financial Times, em 20 de novembro, ter confiança de que os países exportadores de petróleo “não utilizarão a energia como arma” e que a “colaboração entre Estados Unidos e produtores do Golfo, incluindo a Arábia Saudita, se mantém fortíssima nos últimos dois anos”. Hochstein nasceu em Israel, é cidadão binacional e serviu ao exército ocupante. Não acho que é preciso argumentar além.

Este artigo foi publicado originalmente em árabe pela rede Al-Quds, em 21 de novembro de 2023.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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