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Artistas latino-americanos expressam solidariedade ao povo palestino

Pintura da artista palestina Heba Zagout, morta com seus dois filhos, durante bombardeio israelense a Gaza, em 13 de outubro de 2023; do lado direito, edifícios destruídos na Cidade de Gaza, em 13 de outubro de 2023 [Reprodução; Abed Rahim Khatib/Agência Anadolu]

Mais de 1.500 artistas e intelectuais da América Latina assinaram uma carta aberta em apoio ao povo palestino, no contexto do genocídio perpetrado pelo exército israelense na Faixa de Gaza. Continuam a se somar novas assinaturas.

O documento repudia o “barbarismo colonizante” imposto por Israel e aliados, ao apontar paralelos entre a violência colonial vivenciada na América Latina ao longo dos séculos e os acontecimentos na Palestina histórica desde 1948 — isto é, desde a Nakba ou “catástrofe”, como é chamada a criação do Estado de Israel, via limpeza étnica planejada.

Em maio de 1948, cerca de 800 mil palestinos nativos foram expulsos de suas terras por milícias coloniais sionistas, com a destruição de cerca de 400 aldeias e cidades.

A carta reafirma ainda denúncias de apartheid e genocídio perpetrado pelo Estado colonial israelense contra o povo palestino, ao reivindicar um “regime democrático na região” como solução política à persistente crise deflagrada pela lógica de guerra e discriminação.

O apelo menciona ainda a crescente mobilização global — com milhões de pessoas em diversas cidades —, além dos atos de protestos de judeus antissionistas.

Ademais, denuncia a cobertura racista da imprensa corporativa sobre o genocídio em Gaza como propaganda de guerra e reivindica um cessar-fogo imediato, assim como o respeito à autodeterminação do povo palestino.

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Dentre os signatários, há artistas e intelectuais de Brasil, Colômbia, Argentina, Uruguai, Chile, Venezuela, Costa Rica, Panamá, Nicarágua, México etc.

Entre os brasileiros, estão os escritores Milton Hatoum e Alice Ruiz.

Israel mantém bombardeios a Gaza desde 7 de outubro, deixando mais de 12 mil mortos, incluindo 4.710 crianças e 3.160 mulheres, além de 30 mil feridos. Mais de 3.500 pessoas continuam desaparecidas sob os escombros — provavelmente mortas.

Os 2.4 milhões de residentes de Gaza sofrem também um cerco militar absoluto — sem água, comida, energia elétrica ou combustível. Ao promover sua agressão, o ministro da Defesa de Israel, Yoav Gallant, descreveu os palestinos como “animais”.

As ações israelenses são punição coletiva, crime de guerra e genocídio.

Leia a seguir a carta na íntegra:

Nós, que assinamos esta carta, escritores, artistas e humanistas, cidadãos da América Latina, que sabemos o que é ser um povo miscigenado e plural, declaramos nosso repúdio à agressão do governo israelense contra a população palestina e nosso compromisso em defesa à vida, justiça, liberdade, direitos humanos, autodeterminação e paz.

Repudiamos o barbarismo colonizante imposto ao território palestino pelo governo israelense e seu exército, que toma suas terras desde 1948, protegido pela tese racista e intolerável de “espaço vital”, que há um século se tornou infame no centro da Europa e cuja versão atual é o apartheid e o genocídio. Israel tem sistematicamente ignorado diversas resoluções das Nações Unidas, violado os tratados da lei humanitária internacional e negado aos palestinos seu direito inalienável à autodeterminação e a um Estado independente.

É urgente, portanto, um regime democrático na região.

O que vemos não é uma guerra comum. O que vemos são  ataques desproporcionais conforme um plano sistemático de limpeza étnica e genocídio contra o povo palestino. Tais atos injustos e implacáveis são feitos em nome da “defesa legítima”, da democracia, da justiça retaliatória [lex talionis] e da civilização ocidental — esta ideia vulgar e desonesta de cultura e civilização. Israel utiliza o território palestino como campo de testes militar há décadas, ao impor um projeto de deslocamento de seu povo e expropriação de suas terras e seus recursos. O terror empregue pelo exército israelense, e seus parceiros norte-americanos e europeus, empresários e oficiais da guerra, que hoje lucram e se rejubilam com essa lógica de morte, vem de uma das mais poderosas indústrias belicistas do planeta, para promover a violência em toda parte, incluindo em nossos países.

Há quem apresente o bombardeio indiscriminado contra civis — homens e mulheres, meninos e meninas, em todo o mundo — como algo normal em zonas de conflito, em nosso tempo. Há aqueles que explicam a violência pela racionalidade da guerra e sua lógica instrumental e pragmática. Isso é meramente um absurdo. Basta! Cada bombardeio, cada ataque indiscriminado contra civis indefesos — incluindo israelenses – é digno de condenação. É por isso que dizemos: basta!

Nos somamos às vozes de todos que, com humildade e coragem, participam da imensa mobilização global. Há milhões de cidadãos anônimos gritando e cantando contra a agressão ao povo palestino. Nos unimos a judeus que, dentro e fora de Israel, se opõem à agressão continuada e à sistemática violação de direitos perpetradas pelo regime sionista contra seres humanos. Compartilhamos esse sentimento de indignação, nos sentimos ultrajados por líderes mundiais que legitimam e promovem tamanha catástrofe.

Erguemos nossa voz em protesto contra a deplorável cobertura das informações sobre este genocídio; diante de uma imprensa que banaliza e descaradamente omite tamanha ignomínia; contra aqueles que apoiam essa desonra com textos supostamente acadêmicos e aqueles que enaltecem os crimes nos jornais, revistas e noticiários. São meios de propaganda, e não comunicação, a serviço da desinformação e de interesses mesquinhos.

Apoiamos, sem hesitar, todos aqueles que insistem em comunicar a verdade, em denunciar honestamente o que acontece hoje na Palestina, e aqueles que clamam por um diálogo franco e permanente sobre valores e princípios comuns entre povos distintos.

Hoje, enfrentamos com impotência o poder destrutivo das armas, mas usamos a palavra como ação direta para dizer que o que acontece na Palestina acontece conosco. Reafirmamos que a ressonância da poesia, da arte e do pensamento humanista deve se amplificar, para questionar a realidade, promover choques de sensibilidade e inteligência e preservar a esperança. Um livro, um poema, uma melodia, uma pintura ou qualquer manifestação artística representam ações de resistência e denotam mudanças simbólicas na ação humana, na forma como percebemos o mundo.

Nós, apelando à inteligência, ao senso comum e ao humanismo, reivindicamos como prioridade um cessar-fogo imediato e novos acordos de paz, monitorados pela comunidade internacional, mas guiados pelo espírito da justiça e da tolerância, com propósito de solucionar enfim essa longa discórdia entre Israel e Palestina e começar uma nova era, tão necessária, de duradoura paz.

Reivindicamos também que o direito do povo palestino de viver em seu território em paz e completa liberdade seja respeitado, um reconhecimento que não é responsabilidade somente de Israel, Estados Unidos e outros países, mas de todos aqueles que acreditam na coexistência pacífica entre os seres humanos.

9 de novembro de 2023

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