Para não deixar dúvidas de que a música do ex-Pink Floyd Roger Waters carrega a mesma carga política que o artista despeja em declarações, ele alerta fãs desavisados logo no início de show que percorreu o Brasil e segue pela América Latina na turnê It’s Not a Drill: “Se voce é daquelas pessoas que dizem amar Pink Floyd mas não concorda com a política de Roger, é melhor sair para o bar”. A política está nas letras e nos letreiros que se revezam durante todo o espetáculo, mas principalmente na narrativa sonora de suas músicas, instrumentos, arranjos, vozes e vibrações de um set list que ajuda a armar seu público contra o cerco fascista que, através dos anos, só muda de cara.
Mas é fácil saber quem prefere o bar do lado de fora.

Letreiros exibidos durante a turnê “It’s not a Drill” , de Roger Waters, em 2023 [Frame de vídeo/Rede Social]
A turnê “This is Not a Drill”, originalmente programada para o ano de 2020, foi adiada por dois anos devido à pandemia e aguardada até julho de 2022, quando teve início nos Estados Unidos e vai encerrando-se agora na América Latina, depois de três anos de espera de um público ansioso – dos que já o amavam em sua juventude e os que o escutam agora.
No passado, o ex-Pink Floyd já prometeu esperar até que um muro caísse na Europa, para voltar a tocar, e ele voltou com o sempre presente The Wall, o muro erguido e destruído no palco em 1990. Mas outros muros foram erguidos depois de Berlim. As posições de Waters tornaram-se um problema para os lobbies pró-Israel no mundo, tendo de justificar seus próprios muros e cercas que confinam os segregados do apartheid.
Na América Latina, nenhum lobby é tão forte quanto o da Argentina, que reúne a maior comunidade judaica do continente em torno de entidades pró-Israel nos ataques e confrontos com os palestinos. Às vésperas de uma eleição presidencial onde a extrema direita depende de um tris para eleger-se, é notório o cuidado dos candidatos argentinos em não contrariar esse eleitorado. O ultra-direitista Javier Milei é ainda mais realista que o rei; No seu caso, fazer campanha prometendo transferir a embaixada argentina de Tel Aviiv a Jerusalém, além de romper com países que apoiam os palestinos, como o Brasil, é parte do proselitismo político-religioso da extrema direita no mundo e que já foi trilhado por Jair Bolsonaro no Brasil.

Dia 23 de setembro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ao lado da primeira-dama, Janja da Silva, recebeu no Palácio do Planalto o ex-Pink Floyd Roger Waters, e o brasileiro Paulo Miklos, dos Titãs [Divulgação/PR]
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O Uruguai, que já viveu dias inspiradores sob a presidência de José Mujica, e hoje é governado pela direita, fez a mesma desfeita. “A cidade de Montevidéu está fechada para mim e eu não tenho onde ficar”, lamentou o artista. E ele teria justamente um jantar com Mujica nesta quinta-feira. Mas ficou em S.Paulo, com vôos de bate-volta apenas para os shows. E chamou os que atuaram na ação do “lobby israelense, e como quer que eles se chamem”, de idiotas.

Letreiros exibidos durante a turnê “It’s not a Drill” , de Roger Waters, em 2023 [Frame de vídeo/Rede Social]
Para os que não saíram do show para fugir da incômoda política – e pelo que se sabe ninguém saiu -, Roger faz o convite a sentarem-se com ele ao piano, convertendo palco e público em um outro e grande bar intimista, para ouvir sua nova canção: The Bar . Ela conquista pela grave sonoridade vocal e a pausada convocação instrumental a sentimentos de empatia e solidariedade humana. Em letra, seu The Bar é também um chamado à autocrítica e resistência: “Será que todo mundo no bar sente vergonha? Deus sabe, eu sinto”, diz a canção. “Acho que todos nós nos sentimos praticamente iguais. Um pouco desgastados por esse zoológico maluco. O cheiro de napalm com flocos de milho. A irritação matando tudo que respira. Impondo sanções à senhora da rua. Até que ela entenda a dica, faça as malas e vá embora”
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The Bar de Waters dá boas-vindas à garota Lakota Sioux pelo que carrega de resistência à limpeza étnica. “Podemos parecer poucos, mas somos muitos”, ele canta, emprestando seu palco ao front de qualquer luta contra a pobreza, supremacias, ameaças climáticas ou atômicas, guerras, genocídios e segregações. Ao colonizador, a canção dedica o pedido e alerta dos resistentes: “Você poderia, por gentileza, sair de nossas terras?”

Letreiros exibidos durante a turnê “It’s not a Drill” , de Roger Waters, em 2023 [Frame de vídeo/Rede Social]
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